A presidente Dilma Rousseff (Ueslei Marcelino/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 23 de março de 2015 às 18h46.
São Paulo – Na corda bamba, com uma jaula de leões sob os pés, sem rede de proteção e vara de apoio. É assim que o sociólogo Antônio Lavareda descreve a atual condição política da presidente Dilma Rousseff.
A metáfora não é exagerada. Na última semana, a petista viu mais de um milhão de pessoas tomarem as ruas de cidades de todo Brasil, o tesoureiro do seu partido ser denunciado por corrupção na Petrobras e até um (então) ministro entrar em um bate-boca acalorado com a base aliada em pleno plenário da Câmara dos Deputados.
“É um período difícil. A situação da Dilma fica como a de uma acrobata de circo”, afirmou Lavareda, que é autor do livro “Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais” (Editora Objetiva) e presidente do conselho do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe).
Segundo pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, Dilma ostenta hoje a pior taxa de reprovação de um presidente desde setembro de 1992, quando Fernando Collor de Mello estava a um passo do impeachment. Para entortar mais o quadro, a petista perdeu apoio até mesmo de classes que sempre estiveram ao lado do partido.
“O problema é que, neste momento, ela se vê levada a patrocinar uma política econômica que é diametralmente oposta à retórica da campanha com a qual ela saiu vitoriosa no ano passado”, disse Lavareda em entrevista a EXAME.com.
Um balanço interno do Planalto que veio a público na semana passada avalia que falhas na estratégia de comunicação do governo acabaram abrindo brechas para o agravamento do cenário. No entanto, o documento aponta que “a crise é maior do que isso”.
Para Lavareda, o alcance do esquema de corrupção da Petrobras impacta o sentimento coletivo de reprovação à presidente, mas é o desempenho econômico pífio (e as consequências para o padrão de vida da população) que mais pesam, hoje, contra Dilma.
Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com na última quarta-feira – antes da demissão do ex-ministro da Educação Cid Gomes.
EXAME.com – A principal bandeira dos protestos do dia 15 era a indignação com a corrupção. Mas essa é, realmente, a única explicação para a baixa taxa de aprovação do governo Dilma?
Antônio Lavareda – Há um conjunto de fatores, mas a economia é uma variável predominante desses processos de avaliação de governantes. O desemprego dando sinais de que vai chegar, a perspectiva de que os próximos doze meses serão de dificuldade e que a inflação vai escapar ao limite da meta. Tudo isso combinado nos ajuda a entender esse sentimento público em relação à presidente.
Além disso, você tem uma crise política na base aliada já que o PMDB como que se autonomizou em relação à presidente.
Há também o conflito com os eleitores que votaram pela continuidade. A presidente foi eleita para dar continuidade ao que seriam as políticas do seu primeiro mandato. O problema é que, neste momento, ela se vê levada a patrocinar uma política econômica que é diametralmente oposta à retórica da campanha com a qual ela saiu vitoriosa no ano passado.
Em que este cenário se difere do que Lula viveu em 2005 – quando ele atingiu seu pico de rejeição?
Nos dois momentos havia denúncias de corrupção. Só que agora o volume de denúncias e o tamanho do prejuízo para os cofres públicos é várias vezes maior. Segundo: em que momento isso ocorre? No governo Lula, isso ocorreu quando ele já tinha o crédito dos programas sociais e a economia estava bem. No primeiro trimestre do novo governo, a presidente Dilma não teve oportunidade de deflagrar seus programas de campanha e a discussão hoje é sobre a retração da economia.
O pacote anticorrupção – anunciado na quarta – é suficiente para acalmar os ânimos?
Este foi um passo importante, ela tinha que fazer. Mas, obviamente, ela vai ter que esperar que a evolução do processo de ajuste fiscal do ministro [Joaquim] Levy comece a registrar resultados positivos no front econômico. Mas ainda precisa da aprovação do Congresso e da boa credibilidade do mercado para ter os resultados favoráveis, com base nos quais ela vai resgatar parte do apoio popular.
Mas este processo não acontece do dia para a noite ...
Isso leva um tempo para ver resultados. E aí, durante este tempo, a situação da Dilma fica como a de uma acrobata de circo. Ela tem que caminhar sobre um arame, sem aquela vara de equilíbrio, sem rede de proteção e quando ela olha para baixo, ela caminha sobre a jaula dos leões. Vez ou outra, aparece um palhaço que balança o arame. É um período difícil. Mas a pior coisa que poderia acontecer para a oposição brasileira é a renúncia da presidente Dilma.
Por que uma renúncia da presidente seria negativa para a oposição?
Assumiria o vice-presidente, Michel Temer, que chamaria a oposição, o PSDB, para compor o governo. O PSDB teria que administrar o ajuste fiscal, que em qualquer sociedade provoca descontentamento.
Na Europa, depois da crise de 2008, a necessidade de políticas de ajuste fiscal, entre 2009 e 2013, dizimou os governos de esquerda ou de direita. O ajuste fiscal é uma coisa necessária para os países, mas, dificilmente, a sociedade consegue aprová-los.
Quando a população começa a sofrer na pele os cortes dos gastos públicos e o aperto monetário, ela reage de forma irritada e expressa isso nas urnas [contra] os governos.
As redes sociais intensificam este sentimento?
A comunicação traz um contágio emocional poderoso, que se intensifica quando os elementos propagadores estão próximos uns dos outros. Você recebe a expressão de indignação ou irritação de um amigo e isso aumenta o volume da sua indignação ou irritação. As redes sociais aceleram este processo.
O que Dilma deveria fazer enquanto os resultados das medidas econômicas não vêm?
Ela tem que resolver a rede de proteção, reconsolidar sua base política, sua rede de apoio. Ela tem que administrar o PT e aliados para eles não fiquem balançando o arame – como os palhaços do circo. Ela tem que resgatar uma vara de equilíbrio, que é o nítido compromisso com essa política de ajuste fiscal.
Ao fazer tudo isso, ela tem mais chance de resistir e administrar os leões lá embaixo que estão com a boca escancarada para ela – que é a opinião pública.
Como administrar uma opinião pública dividida?
Em situações assim, o governo não pode ficar calado e escondido da população. O governo tem que se posicionar, tem que comunicar. Obviamente, tendo cuidado com a semântica e com a forma como isso é conduzido.