Porte de maconha para uso pessoal: STF formou maioria de 8 votos a 3 pela descriminalização na terça-feira, 25 (EFE)
Redação Exame
Publicado em 27 de junho de 2024 às 08h46.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional se debruçaram nesta semana sobre alterações na legislação atual sobre o porte de drogas ilícitas, com implicações para a situação jurídica de usuários de maconha.
O Supremo formou maioria para considerar que o porte de maconha para uso pessoal não é crime. A Corte também fixou a tese, nesta quarta-feira, de que o porte de até 40 gramas de maconha caracteriza a condição de usuário.
A Câmara, por sua vez, decidiu instaurar uma comissão especial para analisar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), já aprovada pelo Senado, que considera crime a posse ou o porte de quaisquer drogas ilícitas. O texto, conhecido como PEC das Drogas, não estabelece critérios objetivos para diferenciar usuário de traficante.
O tema é regulado atualmente pela Lei Antidrogas, sancionada em 2006 no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão do Supremo surge de um recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo, que contestou um trecho específico desta lei, sobre a penalização de usuários de drogas ilícitas. Já a PEC foi apresentada no ano passado por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O que define alguém como usuário, e não traficante?
A Lei Antidrogas estabelece sanções diferentes para usuários de drogas ilícitas -- considerado todo aquele que “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal” quaisquer substâncias ilegais, como a maconha – e para a traficantes, que produzem ou vendem essas substâncias. Fica a cargo do juiz, no entanto, definir quem se enquadra em qual categoria.
Para isso, segundo a lei atual, o juiz deve considerar a "quantidade da substância apreendida", além de se atentar "ao local e às condições" em que ocorreu a apreensão. Também leva em conta "circunstâncias sociais e pessoais" e os antecedentes do indivíduo.
Na análise de um recurso extraordinário apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo, nesta quarta-feira, o Supremo fixou a tese de que é considerado usuário quem tiver “até 40 gramas de Cannabis Sativa ou seis plantas fêmeas”.
Os ministros frisaram, no entanto, que essa quantidade deve ser adotada como referência por policiais e juízes, e não uma regra aplicável a todos os casos. É possível, por exemplo, que uma pessoa flagrada com uma quantidade de maconha inferior a esta seja enquadrado como traficante, caso haja “elementos indicativos do intuito” de comercialização da droga.
No caso da PEC em análise pelo Congresso, o texto diz apenas que as “circunstâncias fáticas do caso concreto” serão levadas em conta pela autoridade policial e judicial para definir se a pessoa em questão é usuária ou traficante. Na prática, a definição reitera o que já existe na Lei Antidrogas.
Quem pode ser preso?
Não há previsão de prisão para quem é encontrado com drogas para uso pessoal. A legislação atual só prevê três tipos de sanção a quem é enquadrado como usuário, e não traficante:
A PEC em análise pelo Congresso mantém esse entendimento, ao citar “penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.
Já a decisão do Supremo, além de reforçar que usuários de maconha não podem ser presos, estabelece que eles tampouco cometem crime. Por conta disso, a medida de prestação de serviços comunitários deixa de ser aplicável, por ter natureza penal.
Como e quando a decisão do STF será aplicada?
A publicação do acórdão do julgamento, que deve ocorrer nos próximos dias, oficializa a decisão adotada por maioria pelo STF. Como se trata de um caso de repercussão geral, a tese fixada pelo Supremo deverá ser considerada em outros julgamentos da Corte.
Segundo juristas ouvidos pelo GLOBO, a decisão não tem replicação automática para casos em andamento ou futuros, a cargo de juízes e desembargadores de instâncias inferiores. A tendência, porém, é que eventuais decisões em desacordo com o que definiu o Supremo sejam judicializadas e levadas à própria Corte.
Os ministros do STF também mostraram preocupação, durante o julgamento, sobre como a tese que diferencia usuários e traficantes de maconha com base na quantidade de droga será interpretada por policiais.
No entendimento majoritário da Corte, caso um indivíduo seja flagrado com maconha, a substância será apreendida pela autoridade policial. O usuário também poderá ser conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos, e pode ser notificado sobre a necessidade de comparecer a um tribunal futuramente. Os ministros deixaram claro, porém, que o usuário não poderá ser alvo de prisão em flagrante.
Com a decisão do STF, o que um usuário de maconha pode e não pode fazer?
É considerado usuário quem guarda, planta ou carrega uma quantidade de maconha dentro dos parâmetros estabelecidos para uso pessoal. A decisão do Supremo não avançou sobre o consumo em locais públicos, que segue proibido.
A Lei Antidrogas, além de proibir o uso, também prevê detenção e multa a quem induz ou auxilia outra pessoa a usar drogas, ou oferece substâncias ilícitas "a pessoa de seu relacionamento, para juntos consumirem". Essas previsões seguem valendo com a decisão do STF.
Além disso, a decisão não implica em legalização do porte de maconha. A tese fixada pelos ministros afirma que qualquer quantidade de maconha é passível de ser apreendida pela autoridade policial.
A decisão do Supremo e a PEC das Drogas se aplicam a outras substâncias além da maconha?
A decisão dos ministros do STF se restringe ao porte de maconha para uso pessoal, sem avançar sobre outras drogas, cujo porte segue sendo considerado crime.
A Corte considerou que usuários de maconha ficam isentos de "repercussão criminal para a conduta". Já usuários de outras substâncias ilícitas podem ser submetidos a sanções penais, como prestar serviço comunitário.
Já a PEC das Drogas considera crime o porte de quaisquer substâncias ilícitas, inclusive a maconha.
Qual é a diferença entre a Lei Antidrogas e a PEC das Drogas?
A principal diferença, de acordo com juristas, é a dificuldade de se aprovar – e de se alterar -- cada norma. A Lei Antidrogas pode ser alterada por maioria simples na Câmara e no Senado, mediante sanção presidencial.
Já a PEC das Drogas, por se tratar de emenda constitucional, não depende de sanção da Presidência da República. Caso aprovada por maioria qualificada – isto é, três quintos dos votos da Câmara e do Senado --, a PEC é promulgada pelo próprio Congresso Nacional.
Como a PEC introduz a criminalização de quaisquer drogas ilícitas no artigo 5º da Constituição, ela se sobrepõe a outros tipos de lei.
Caso o Congresso aprove a PEC das Drogas, o que acontece com a decisão do Supremo?
Juristas ouvidos pelo GLOBO afirmaram que a emenda constitucional tende a se sobrepor também à decisão do Supremo. Ou seja, caso aprovada no formato atual, a PEC reverteria a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.
No entanto, segundo especialistas, é possível que a constitucionalidade da própria PEC seja contestada com ações no Supremo. Isso porque a decisão do STF, que considerou não ser crime o porte de maconha para uso pessoal, balizou este entendimento no artigo 5º da Constituição, que trata de direitos individuais – e é o mesmo artigo que seria alterado pela PEC das Drogas.