PALOCCI: a ação afirma que foram repassados 13 milhões de reais a Lula em crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro / Rodolfo Buhrer/ Reuters (Rodolfo Buhrer/Reuters/Reuters)
Da Redação
Publicado em 7 de setembro de 2017 às 14h39.
Última atualização em 15 de setembro de 2017 às 16h16.
Preso na Operação Lava Jato desde setembro de 2016, o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci falou como réu ao juiz federal Sergio Moro nesta quarta-feira, no processo que tem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como acusado de receber 13 milhões de reais em propina da Odebrecht por meio de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e um imóvel que serviria como sede ao Instituto Lula.
Em cerca de duas horas diante de Moro, Palocci incriminou Lula e afirmou que o petista tinha um “pacto de sangue” com a empreiteira, que teria lhe rendido um “pacote de propinas”.
Na oitiva, o ex-ministro reconheceu que negocia um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.
Ao responder a primeira pergunta formulada pelo juiz federal Sergio Moro, Antonio Palocci reconheceu ao magistrado que a denúncia do Ministério Público Federal “procede”, disse ter participado das tratativas de vantagens indevidas nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e afirmou que a relação entre os governos petistas e a empreiteira era “bastante intensa, movida a vantagens dirigidas à empresa e propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, em forma de caixa um e caixa dois”.
Palocci classificou como “pacto de sangue” o acordo entre o empresário Emílio Odebrecht e Lula, que teria envolvido um “pacote de propinas” ao petista. O acerto teria sido firmado em 2010, no final do mandato do ex-presidente no Palácio do Planalto, em função da “tensão” da Odebrecht com a posse de Dilma Rousseff.
A presidente eleita já se posicionara contra interesses da empresa na construção de hidrelétricas no Rio Madeira. O ex-ministro disse ter ficado “chocado” com a oferta do empresário ao ex-presidente, relatada a ele pelo próprio Lula em uma conversa no Palácio da Alvorada.
No encontro na residência oficial da presidência da República em Brasília, segundo Palocci, o Lula disse a ele que Emílio Odebrecht lhe prometera, como um dos itens do “pacote”, deixar à sua disposição 300 milhões de reais para “atividades políticas” nos anos seguintes ao fim do mandato presidencial.
O ex-ministro afirmou ter sido encarregado pelo petista de tratar sobre os recursos com Marcelo Odebrecht, que propôs a criação de uma planilha para manejo do dinheiro. Em uma das primeiras conversas com o empreiteiro, no entanto, Marcelo alegou engano de seu pai e reduziu o valor a 150 milhões de reais.
O compromisso voltou a ser de 300 milhões de reais depois de reunião entre Emílio Odebrecht, Lula e Dilma. “O presidente Lula me chama de novo e fala: ‘olha, o Emílio veio, tivemos uma ótima reunião, ele confirmou os 300 milhões e falou que pode ser mais se necessário”, disse Palocci a Moro.
Como parte do “pacote de propinas” da Odebrecht a Lula, citado por Antonio Palocci a Sergio Moro, o empresário Emílio Odebrecht teria se comprometido a participar das obras do sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), usado pela família do ex-presidente.
“O seu Emílio apresentou ao presidente o sítio para uso da família, que já estava fazendo a reforma, fase final. Ele disse que o sítio já estava pronto”, relatou o ex-ministro.
Lula é réu em uma ação penal na Justiça Federal do Paraná, sob responsabilidade do juiz Sergio Moro, que apura a posse da propriedade rural no interior paulista. Segundo a denúncia da força-tarefa da Lava Jato, as empreiteiras Odebrecht e OAS e o pecuarista José Carlos Bumlai executaram as obras no sítio.
O “pacote de propinas” prometido por Emílio Odebrecht a Lula também envolvia, segundo Antonio Palocci, “várias palestras” do ex-presidente, “pagas a 200.000 reais, fora impostos, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano”.
Uma das ações penais que têm Lula entre os réus, baseada na Operação Janus, apura pagamentos milionários pela empreiteira ao petista em palestras, além de supostos benefícios à Odebrecht em financiamentos do BNDES a obras na América Latina e na África.
Antonio Palocci declarou a Sergio Moro ter sido contrário à compra, pela Odebrecht, de um prédio que serviria como sede do Instituto Lula, outro item do “pacote de propinas” oferecido pela Odebrecht ao ex-presidente.
Apesar de sua posição, diz Palocci, a aquisição teria sido encaminhada pelo pecuarista José Carlos Bumlai e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula.
A DAG Construtora, empresa de Demerval Gusmão, amigo de Marcelo Odebrecht, pagou os 12,4 milhões de reais pelo imóvel, que, por fim, acabou não sendo descartado.
“Desculpa, doutor, eu não estava de santo na história não. O nosso ilícito com a Odebrecht já estava muito grande naquele momento, eu achei que essa compra não precisava ser um ilícito, não precisava ser um ilícito travestido de lícito”, disse o ex-ministro a Moro.
A desistência do imóvel teria sido concretizada após o aval da ex-primeira-dama Maria Letícia Lula da Silva, falecida em fevereiro deste ano. Convencido por Antonio Palocci de que o imóvel poderia render problemas e era um “convite a uma investigação”, Lula teria delegado ao ex-ministro a tarefa de persuadir sua mulher de que o prédio era “inadequado”.
“’Vá lá e me ajude a convencer a dona Marisa de que esse prédio é inadequado, a compra desse prédio foi inadequada. Porque se eu fizer isso ela vai ficar brava comigo, porque ela fala que eu não cuido disso. Se você fizer ela vai entender melhor porque ela gosta de você, ela te entende’”, apelou o petista, segundo Palocci.
Ainda sobre o Instituto Lula, Antonio Palocci relatou ao juiz da Lava Jato ter intercedido junto a Marcelo Odebrecht para cobrir um “buraco” de 4 milhões de reais nas contas da instituição.
Paulo Okamotto, presidente do instituto, teria pedido ao ex-ministro a articulação. “O Paulo Okamotto me pediu para que eu ajudasse ele a cobrir o final de ano do instituto, que faltava recurso. Acho que meio para o final de 2013, começo de 2014. Ele tinha um buraco nas contas, me pediu para arrumar recursos. Eu fui ao Marcelo Odebrecht (…) o Marcelo concordou em dar, falou que tinha disponibilidade. Pedi ao Brani [assessor de Palocci] para transmitir ao Paulo Okamotto que seriam dados os 4 milhões que ele havia pedido”.
Antonio Palocci relatou a Moro que em 2007, antes da descoberta das reservas de petróleo e após a reeleição de Lula, o petista havia manifestado preocupação com a corrupção na Petrobras, especialmente irregularidades nas diretorias de Serviços e de Abastecimento, feudos de PT e PP na estatal.
“Mas logo após veio o pré-sal e pôs o governo em uma atitude muito frenética em relação à Petrobras. Esses assuntos de ilícitos e de diretores ficaram em terceiro plano, as coisas continuaram correndo do jeito que era”, contou o ex-ministro. De acordo com Palocci, os investimentos atraídos pela descoberta de petróleo não só frearam a intenção do ex-presidente em agir contra o petrolão, como levaram o petista a incentivar o esquema: “ele até chegou a encomendar que os diretores a partir daí fizessem mais reservas partidárias”.
Por duas vezes em seu depoimento, o ex-ministro falou ao magistrado sobre sua atuação para atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. Em uma delas, já no final da oitiva, citou Lula como um de seus companheiros na empreitada.
“Em algumas oportunidades, eu me reuni com o ex-presidente Lula e com outras pessoas no sentido de buscar criar obstáculos à Lava Jato”, introduziu Palocci. Ele afirmou ao juiz federal que poderia falar mais sobre o assunto, mas Moro entendeu que não era apropriado tratar dele neste processo, que apura corrupção e lavagem de dinheiro.