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Desfecho do caso Bebianno mostra a força do clã Bolsonaro no governo

Segundo o cientista político Geraldo Monteiro, "o núcleo familiar" é o que goza de mais confiança da parte do presidente, embora não seja parte do governo

Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro: filhos do presidente têm participação direta nos rumos do governo (Montagem/Divulgação)

Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro: filhos do presidente têm participação direta nos rumos do governo (Montagem/Divulgação)

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AFP

Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 12h42.

Última atualização em 20 de fevereiro de 2019 às 13h02.

Eles não fazem parte do governo, mas sua influência é tanta que já causaram a exoneração de um ministro. Os filhos do presidente Jair Bolsonaro exercem um poder paralelo inédito na história política brasileira, o que incomoda muita gente.

Apelidado de "pitbull" por seu próprio pai, Carlos Bolsonaro, de 36 anos e o segundo filho do presidente, conseguiu que o ministro Gustavo Bebianno fosse demitido.

Trata-se do primeiro membro do governo a ser destituído, depois de apenas 49 dias à frente da Secretaria Geral da Presidência.

Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro, na semana passada deu o golpe de misericórdia a Bebianno através de tuíte, no qual o chamou de mentiroso.

Bebianno, ex-presidente do Partido Social Liberal (PSL), a formação do presidente e de seus três filhos, era considerado um dos homens de confiança do presidente de direita.

Mas na semana passada ele apareceu no centro de suspeitas sobre um suposto esquema de candidatos "laranjas" para receber fundos eleitorais durante as eleições legislativas de outubro. Para tentar minimizar a crise, Bebianno disse ter falado várias vezes com o presidente desde a revelação do escândalo.

Carlos Bolsonaro, encarregado da estratégia de seu pai nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018, aproveitou a ocasião e negou no Twitter qualquer contato entre o ministro e o presidente, apresentando como prova uma gravação em que Bolsonaro, internado na época, diz ao seu ministro que não poderia atendê-lo.

A destituição de Bebianno chegou na segunda-feira, prejudicando a imagem do governo.

Brutus ou Richelieu

O confronto começou meses antes, quando o chamado "Zero dois" pelo presidente recebeu mal nas redes sociais a nomeação de Bebianno para uma das posições-chave da presidência.

"Tendo obtido esse resultado, pode-se dizer que ele (Carlos) marcou pontos nesse jogo. Mas o governo perdeu mais pontos, porque ficaram expostas crises internas", afirma Geraldo Monteiro, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

O governo de Bolsonaro é composto por vários núcleos heterogêneos "que trabalham com diferentes lógicas e defendem seus próprios interesses", afirma.

O gabinete inclui os militares (oito de um total de 22 ministros), economistas ultraliberais, políticos ultraconservadores em assuntos sociais e figuras mais experientes na política, como Bebianno, cujo papel era facilitar o diálogo com o Congresso.

Mas, segundo Monteiro, "o núcleo familiar é o que goza da maior confiança por parte do presidente", embora não esteja presente no governo.

O famoso autor Ruy Castro escreveu no jornal Folha de S. Paulo que Carlos Bolsonaro, que se considera talvez "um Richelieu", eminência parda do rei francês Luis XIII, "lembra Brutus", o protegido de Júlio César que contribuiu para a queda do líder romano.

Seguidor de Steve Bannon

O estilo de Carlos é agressivo - ele não hesita em tratar os meios de comunicação como"porcos" - e, segundo o jornal O Globo, que estudou 500 de seus tuítes, 72% continham ataques desse tipo.

No entanto, ele não é o único filho do presidente que gera polêmica.

O primogênito Flávio, senador de 37 anos, anda discreto devido às suspeitas de irregularidades financeiras próprias e de um ex-assessor que quase ofuscaram o início do mandato de seu pai.

Mas o terceiro filho de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, 34 anos, é tão ativo quanto Carlos nas redes sociais. Sua área preferida é a das relações internacionais.

Acredita-se que tenha muito a ver com a controversa escolha de Ernesto Araújo, um político pró-Donald Trump, como ministro das Relações Exteriores.

No início de fevereiro, Steve Bannon, o ex-estrategista do presidente dos Estados Unidos, o escolheu como um dos líderes do "The Moviment", uma fundação que busca reunir as direitas populistas mundiais.

"Se não houver da parte do presidente ou de alguém do governo uma espécie de enquadramento do núcleo familiar, vai ser uma fonte permanente de tensão", aconselha Geraldo Monteiro.

Mas Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas, considera que Jair Bolsonaro não sofre a influência de seus filhos, e sim usa sua forte presença nas redes sociais a seu favor.

"É possível que eles estejam acostumados a transmitir mensagens que o pai deles não tem coragem de comunicar", conjectura.

"Isso representa um grande risco para o governo: como os políticos podem chegar a acordos com Bolsonaro com confiança se temem ser apunhalados pelas costas por um de seus filhos? Nunca vi nada igual", conclui o professor.

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