Plenário da Câmara dos Deputados (Adriano Machado/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 28 de abril de 2022 às 06h00.
Última atualização em 4 de maio de 2022 às 16h26.
Mesmo em ano eleitoral, deputados têm sugerido uma série de projetos de lei sobre assuntos polêmicos, como tributação de rendimentos. Enquanto a reforma do Imposto de Renda continua parada no Senado, foram apresentadas, só neste ano, pelo menos 15 propostas de mudanças nas regras do IR na Câmara. Elas se somam às centenas que estão em tramitação há anos sobre o assunto.
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Boa parte desses projetos sugere aumentar o rol de deduções na declaração do IR de pessoas físicas. Deputados propõem que o contribuinte possa deduzir, por exemplo, despesas com veterinários, enfermeiros, nutricionistas, educadores físicos e com a compra de medicamentos, situações hoje fora da lista de possibilidades.
Na maioria dos textos, os parlamentares não detalham o custo dessas alterações, que resultariam na perda de arrecadação do governo federal. Alguns solicitam à Receita Federal que faça esse cálculo enquanto o mérito da matéria é discutido no Congresso. A Receita afirmou que ainda não analisou o assunto.
"É comum que apareçam essas propostas, inclusive em ano eleitoral, porque às vezes é mais importante para o candidato apresentar o tema à população do que aprovar. Pode servir de bandeira durante as eleições", diz o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa.
Na proposta que trata da dedução de despesas com nutricionistas e educadores físicos, o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), autor da matéria, argumenta que não deve haver renúncia de receitas, porque a arrecadação da qual se abrirá mão será totalmente compensada com a redução de gastos com o Sistema Único de Saúde (SUS).
"Certamente, uma facilitação da utilização de serviços de saúde prestados por educadores físicos e nutricionistas promoverá o nível geral de saúde da população, particularmente por meio da prevenção de doenças crônicodegenerativas. Esse grupo de doenças está associado à maior parte da mortalidade em nosso país", justifica Bismarck, no projeto.
À EXAME, Bismarck disse que apresentou o projeto por entender que a carga tributária é muito alta no país, principalmente para quem ganha menos, e que é preciso fazer ajustes. "Esse projeto tem a ver com a saúde, que já tem dedução com médicos. Tiraria muita gente da fila do SUS", acredita. Ele lembrou, entretanto, que o texto ainda precisa passar por comissões na Câmara, o que pode levar um tempo. "Não vou pedir urgência porque acho que não cabe", disse.
Dezenas de outros projetos já foram apresentados sobre temas parecidos no Congresso. Por isso, o de Bismarck foi apensado -- ou seja, anexado para tramitar junto -- a um que está na Câmara desde 2013, proposto pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e já aprovado por comissão em decisão terminativa no Senado, sem a necessidade de passar pelo plenário.
O texto de Randolfe prevê que despesas com compra de livros técnicos e didáticos diretamente relacionados à profissão e à instrução do contribuinte ou dos dependentes poderão ser deduzidas da base de cálculo do Imposto de Renda, com limitações. Na Câmara, ele aguarda parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), onde os cálculos devem ser apresentados.
Já no projeto que isenta do IRPF os rendimentos do trabalho recebidos por pessoas com câncer de mama, do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), o custo é estimado em até 20 milhões de reais ao ano. O parlamentar ressalta, porém, que o cálculo da renúncia fiscal depende de vários fatores, porque não dá para prever o nível de renda de quem for acometido pela doença.
O projeto de Jordy foi apensado a outro, pronto para votação em plenário, que está na Câmara desde 2012 e insere o lúpus entre as doenças cujos portadores são beneficiados com a isenção do IR sobre os proventos de aposentadoria ou reforma motivada pela doença. Quase 100 projetos que tratam de assuntos parecidos tramitam em conjunto.
Outro texto, de autoria do deputado Capitão Fábio Abreu (PSD-PI), prevê que gastos com veterinários sejam deduzidos da declaração do IR. Vale para pagamentos, inclusive, de despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos e aparelhos ortopédicos dos animais. O projeto não traz estimativa de renúncia.
Já uma proposta do deputado Zé Vitor (PL-MG) permite a dedução de despesas com medicamentos e vacinas. "Entendemos que, ao permitir que o contribuinte deduza esses gastos na sua declaração anual de IRPF, reduzirá parcialmente o ônus do poder público em providenciar vacinas a toda a população", diz a justificação do texto.
"Acredito que medicamentos são complementos indispensáveis do tratamento médico, e não podem se dissociar. Se há previsão para dedução de atendimentos e tratamentos de saúde do IRPF, não tenho dúvidas que remédios também ser deduzidos", afirmou o deputado Zé Vitor à Exame, ressaltando que muitos remédios não estão disponíveis na rede pública.
O deputado considera que parte da população já procurará a vacinação com fornecedores privados. A ideia, se o projeto for aprovado, é que ele entre em vigor em 2023 e que o governo inclua na proposta de Lei Orçamentária do ano que vem o impacto fiscal. O texto foi apensado a um PL de 2018, que aguarda parecer do relator na CFT.
Zé Vitor acredita que o projeto beneficia os mais pobres, mas também a classe média. "Não se trata de perda de receita por parte do governo. As famílias pobres e de classe média, em sua maioria, sem dúvidas, reinvestirão esses valores em outros produtos ou serviços. Não por luxo, mas por necessidade diante da atual conjuntura econômica mundial", disse.
Outros projetos preveem a dedução de valores doados a instituições que hoje não estão na lista da Receita Federal, como entidades oficiais sem fins lucrativos de proteção e defesa de animais. Hoje, a legislação tributária brasileira permite deduções para doações para fundos de crianças e adolescentes, para projetos culturais aprovados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), entre outros.
Em projeto que trata sobre esse assunto, a autora, deputada Norma Ayub (PP-ES), afirma que não são criados novos encargos para o Estado, já que as doações criadas compartilham limites com deduções já autorizadas. "Este projeto de lei não cria despesas novas, mas apenas permite uma realocação do limite de deduções já existentes", explica.
A deputada aponta, porém, que o compartilhamento de receitas já renunciadas pode não ser considerado argumento suficiente para que o projeto esteja de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Por isso, determina que o Poder Executivo federal estime o montante da renúncia fiscal.
O projeto de Norma Ayub foi apensado a outro que trata do mesmo assunto, apresentado no ano passado por Felipe Carreras (PSB-PE) e Dagoberto Nogueira (PDT-MS), e aguarda parecer do relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Apesar dos vários projetos sobre o IR, poucos são os avanços reais no assunto. A reforma do Imposto de Renda, aprovada pela Câmara em setembro do ano passado, segue parada desde então no Senado, sem previsão de votação. O senador Angelo Coronel (PSD-BA), relator do texto na Casa, disse em dezembro que o projeto será arquivado.
Angelo Coronel defende que seja criada uma nova proposta. "Esse projeto não será somente arquivado, ele tem que ser extinto e que se nasça um novo projeto, com mais base, com mais conteúdo, um projeto bem debatido. Um projeto que venha realmente, eu não sei se agradar 100% do povo brasileiro, mas pelo menos que a grande maioria abrace", comentou Coronel, durante evento promovido pela Associação Comercial de São Paulo.
O texto prevê mudanças muito mais expressivas e em outra direção, sem ampliar deduções. A reforma propõe, entre outros pontos, diminuir a tributação de empresas pelo IRPJ e criar uma cobrança sobre dividendos. Também corrige a tabela do IRPF, elevando o limite de isenção de 1,9 mil reais para 2,5 mil reais.
No início do mês, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo reapresentará a proposta em 2023, caso o presidente Jair Bolsonaro seja reeleito. “A reforma é relativamente simples e foi obstaculizada. Lobbies vieram e paralisaram a reforma. Ela terá que ser feita e será feita”, afirmou, durante evento da Associação Comercial e Empresarial de Maringá.