Remédios: "A Anvisa dá prioridade para o caso das doenças raras" (REB Images/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de julho de 2019 às 10h46.
Última atualização em 22 de julho de 2019 às 10h53.
Um projeto de lei protocolado na Câmara e apoiado por deputados de dez partidos prevê um esvaziamento nas funções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A ideia é permitir a entrada de remédios no país sem precisar passar pelo crivo do órgão de controle, hoje uma de suas principais atribuições.
A proposta restringe a autorização automática a medicamentos já aprovados nos Estados Unidos, no Japão, no Canadá e na União Europeia. Segundo General Peternelli (PSL-SP), autor do projeto, o motivo é que essa autorização demora muito e prejudica pacientes, principalmente portadores de doenças raras.
"A Anvisa dá prioridade para o caso das doenças raras, mas muitas vezes o tempo que leva é muito prolongado", disse Peternelli. Ele alega que, em alguns casos, a agência leva tanto tempo que, quando dá o aval para o medicamento ser comercializado, ele já está defasado.
A Anvisa, porém, afirma que é necessário uma série de procedimentos para que medicamentos vindos de fora possam circular no País, o que impede uma aprovação automática. "O reconhecimento automático, sem análise, pode ocasionar a aprovação de um produto com especificações diferentes daquelas aprovadas por determinada agência reguladora", diz o órgão em nota.
Ex-presidente da agência, o médico Gonzalo Vecina Neto disse que apesar de entender uma "boa intenção" no projeto, é preciso ter cautela ao adotar uma medida como esta. "Não existe uma equivalência. É uma questão de política externa. Os outros países terão vantagem sobre os produtos brasileiros", afirmou, em referência à falta de aprovação automática de medicamentos produzidos no Brasil nos outros países.
Um dos aspectos avaliados pela Anvisa para autorizar um medicamento, por exemplo, é o estudo de estabilidade para garantir que o medicamento mantenha sua qualidade durante todo o prazo de validade. Como o Brasil é mais quente e úmido que os países europeus, que os Estados Unidos e que o Japão, existem requisitos de estabilidade específicos para o território nacional. Outra questão apontada pela Anvisa é que nem sempre os estudos conduzidos em medicamentos internacionais consideram as especificidades da população brasileira quanto aos aspectos epidemiológicos.
A agência aponta ainda que o reconhecimento de registro de medicamentos internacionais representaria uma falta de isonomia para a indústria nacional, que ainda precisaria atender às normas e prazos vigentes para registro de medicamentos no Brasil.
Para o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), médico e ex-ministro da Saúde de Dilma Rousseff (PT), o projeto representa o "cúmulo do vira-latismo".
"Estabelece apenas países como Estados Unidos, Japão e europeus, desconhecendo, por exemplo, toda a parceria bilateral que existe entre as agencias sanitárias no âmbito do Mercosul (Mercado Comum do Sul)", disse Padilha. "A Anvisa é reconhecida como uma agência de padrão internacional pela União Europeia."
A líder da Minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que também é médica, faz coro às críticas. "Há a regra de mercado sobre a vida das pessoas. Não pode ser assim, nós temos de avaliar. Toda substância química tem de ser avaliada antes de entrar no mercado", afirmou.
O projeto de Peternelli está na fila da Comissão de Seguridade Social e Família, ainda sem previsão de entrar na pauta. A proposta tem caráter terminativo, o que, no jargão do Legislativo, significa que, se for aprovada em comissões da Câmara, pode seguir direto para o Senado, sem passar pelo plenário.