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Decreto que facilita posse de armas exclui sugestões de Moro

Texto encaminhado pela equipe do ministro Sérgio Moro previa, por exemplo, apenas duas armas por pessoa — e não quatro

Moro: texto do decreto saiu do Ministério da Justiça, mas foi finalizado pela Casa Civil (Ueslei Marcelino/Reuters)

Moro: texto do decreto saiu do Ministério da Justiça, mas foi finalizado pela Casa Civil (Ueslei Marcelino/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 16 de janeiro de 2019 às 08h07.

Última atualização em 16 de janeiro de 2019 às 10h44.

Brasília e São Paulo — Uma das promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro assinou nesta terça-feira (15) decreto que facilita as regras para o cidadão obter a posse de arma de fogo, o que permite guardá-la em casa ou em estabelecimento comercial do qual seja dono.

A medida torna possível adquirir até quatro armas, amplia o prazo de validade do registro de cinco para dez anos e, na prática, dispensa o cidadão de comprovar que tenha a "efetiva necessidade" de possuir armamento, o que era previsto pela legislação anterior.

O texto foi redigido primeiro pelo Ministério da Justiça, e Segurança, sob supervisão de Sérgio Moro, e depois foi concluído pela Casa Civil, chefiada por Onyx Lorenzoni. A forma final do decreto, no entanto, divergiu em pontos importantes os dois ministérios.

O texto encaminhado pela equipe de Moro previa apenas duas armas por pessoa — e não quatro — e, embora fixasse critérios objetivos para comprovar a efetiva necessidade, ele não contemplava 100% da população.

Outro ponto incluído após chegar à Casa Civil é o aval para escolas de tiro e entidades de tiro desportivo fornecerem a associados e clientes, mediante autorização específica, munição recarregada para uso nas dependências de treino ou prova. Especialistas temem o risco de a munição ser desviada para fora desses espaços.

Na assinatura do decreto, Moro não falou com a imprensa. À Globonews no fim da noite, disse que "na proposição de uma política pública, sempre há discussão intensa. As pessoas muitas vezes divergem e há mudanças de posição". Segundo ele, houve críticas de vários lados, o que mostra que o decreto foi "ponderado".

Decreto

Nesta terça-feira, Bolsonaro afirmou que a assinatura do decreto foi o "primeiro passo" no compromisso de campanha de garantir o "direito de defesa" da população. O aumento de acesso a armas, porém, é criticado por especialistas em segurança.

Os esforços do governo se voltam agora para ampliar o porte (quando o cidadão pode andar armado na rua) — que tem regras mais rígidas e depende de aprovação no Congresso — e permitir o recadastramento de armas hoje na ilegalidade por não terem sido registradas até o prazo de 2009, o que na prática, significa uma anistia. Em ambos os casos, seria preciso aval do Congresso.

O decreto retirou do caminho de interessados em obter armas um requisito do Estatuto do Desarmamento, de 2003, visto pelo governo e pelo lobby armamentista como entrave para a aprovação de pedidos de registros - a comprovação de "efetiva necessidade".

Sob o argumento de que havia espaço para subjetividade, o governo permitiu que o cidadão não detalhe por que precisa da arma e a autoridade responsável não faça análise individualizada.

Basta ao interessado dizer que mora em área rural ou área urbana de Estados com taxa acima de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes. Pela base de dados escolhida pelo governo - o Atlas da Violência, publicado em 2018 com dados de referência de 2016 -, todos os Estados superam esse corte. As taxas mais baixas são de São Paulo (10,9) e de Santa Catarina (14,2).

As exigências legais para obter a posse de arma permanecem. É preciso ter mais de 25 anos, declaração de bons antecedentes, curso de tiro e teste psicotécnico. A população deve requisitar a arma ao Sistema Nacional de Controle de Armas (Sinarm), gerido pela Polícia Federal.

Já os militares e praticantes de caça ou tiro esportivo devem fazer o pedido no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), gerido pelo Exército.

O PT promete contestar o decreto no Supremo Tribunal Federal. O PSOL quer sustar os efeitos da medida na Câmara.

Prazo

Os prazos de validade do registro eram de 5 anos no Sinarm e de 3 no Sigma. Agora passam todos para 10 anos. Registros hoje válidos também passam a vigorar por mais dez anos. Está permitido ter até quatro armas, mas ainda há possibilidade de ampliar o número - para isso é preciso comprovar necessidade específica.

"Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma", disse Bolsonaro exibindo a caneta Bic com a qual assinou o decreto em cerimônia no Palácio do Planalto.

"É uma medida para que o cidadão de bem possa ter sua paz dentro de casa", completou, sem citar Luiz Inácio Lula da Silva, presidente à época do referendo, hoje preso e condenado na Lava Jato. Em 2005, 63% dos brasileiros votaram a favor de manter na lei o comércio de armas de fogo e munição no País - o referendo estava previsto no Estatuto do Desarmamento.

O texto do decreto também exige que o cidadão mantenha cofre em residências com crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental, para "armazenamento apropriado" em caso de armas de cano curto.

Em casa com armas de cano longo, precisaria ser comprovada a existência de um "local seguro para armazenamento", segundo o decreto. Fuzis, metralhadoras ou armas automáticas não são permitidos.

Liquidificador

Sobre o risco de ter armas em casas, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni disse que é uma questão de orientação. "Criei quatro filhos com arma dentro de casa e eles nunca foram lá porque ensinei a eles o que significava. A gente às vezes vê criança pequena botar o dedo dentro do liquidificador, ligar e perde o dedinho. Aí vamos proibir o liquidificador? Não."

Perguntas e respostas

1. Com o decreto, todos os brasileiros que quiserem poderão ter uma arma?

O decreto, que já está em vigor, flexibilizou a posse da armas, mas ainda será preciso cumprir alguns critérios. É preciso ter, por exemplo, ao menos 25 anos, não responder a inquérito policial ou processo criminal, e comprovar capacidade técnica e condição psicológica para usar o equipamento.

2. A flexibilização da posse vale para moradores de todos os Estados?

Sim. O decreto afirma que moradores de zonas rurais têm direito à posse, assim como os de áreas urbanas de Estados violentos. O texto assinado por Bolsonaro considera um Estado violento quando a taxa de homicídio é maior do que 10 por 100 mil habitantes, e o parâmetro adotado são os dados de 2016 do Atlas da Violência publicado em 2018. Por esse critério, todos os Estados têm a posse liberada.

3. Quantas armas cada pessoa poderá comprar?

Cada pessoa que tiver autorização de posse poderá comprar até quatro armas de fogo de uso permitido. O decreto afirma que, se houver circunstâncias que justifiquem, poderá ser autorizado um número ainda maior.

4. Quem tiver o direito à posse de uma arma poderá sair pela cidade armado?

Não. Com a posse, o cidadão poderá ter a arma em casa ou no trabalho, se for o proprietário do estabelecimento. Bolsonaro já afirmou que vai flexibilizar também o porte, ou seja, a possibilidade de andar armado pelas ruas. Essa medida, porém, não pode ser feita por meio de um decreto: é preciso aprová-la no Congresso Nacional.

 

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