Debate político: "Hoje se vê uma raiva muito maior, uma polarização e um conteúdo muito emocional no discurso" (Ricardo Moraes/Reuters)
Da Redação
Publicado em 18 de março de 2016 às 09h33.
O Brasil vive dias de ânimos acirrados e o debate político, no atual contexto, peca pela superficialidade, segundo a pesquisadora Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para Esther, que faz pesquisas sobre manifestações no Brasil desde os protestos de junho de 2013, os atuais atos que carregam a bandeira anticorrupção sofrem uma polarização que chega a ser prejudicial.
"Hoje se vê uma raiva muito maior, uma polarização e um conteúdo muito emocional no discurso, que é pouco sólido politicamente, com muito poucos argumentos. Um discurso que impossibilita a entrada para o diálogo", diz.
De acordo com a professora, a tendência é que os manifestantes, por se manterem em "guetos ideológicos" em suas redes sociais (maior meio de mobilização atual), não tenham uma visão crítica sobre a conjuntura política e criem a imagem de heróis e vilões dentro do jogo político.
"O debate político já não é um debate de ideias; é quase que moral entre bem e mal, entre figuras simbólicas, heróis... um debate muito infantilizado", explica.
Esther Solano conversou ontem com o Portal EBC, no mesmo dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – um dos principais alvos das manifestações – foi empossado como ministro-chefe da Casa Civil.
Ela fala sobre o possível fortalecimento de Lula, caso consiga exercer seu cargo, e também sobre os políticos de oposição que se mostram como opção aos manifestantes que têm ido às ruas, como Jair Bolsonaro e mesmo Aécio Neves, que foi vaiado no protesto no último domingo (13).
O perfil predominante das pessoas que têm ido às ruas contra o governo se mantém desde 2015?
Esther Solano: O perfil dos manifestantes é uma coisa bem contínua no tempo. Desde a primeira manifestação no ano passado, até esta última, que foi a maior, não muda.
As pessoas são brancas, de classe média alta, de faixa etária um pouco alta. Dá para ver que os organizadores falam para um perfil muito definido, e de fato não têm interesse ou não conseguem agregar outro tipo de manifestante.
É um discurso que não agrega outros grupos sociais.
Nós já monitoramos um sentimento antipetista na periferia e tem gente que vai para a manifestação. Mas para eles, de alguma forma, a Avenida Paulista é outro mundo; está muito longe física e também simbolicamente.
Qual a diferença entre as últimas manifestações e os protestos de junho de 2013?
Esther Solano: Há um aspecto parecido que é o de catarse coletiva. Um momento em que a sociedade está frenética, com todo mundo querendo ir para a rua.
Parece que as pessoas não têm muito tempo para refletir politicamente sobre o que está acontecendo; todo mundo vive um momento de euforia coletiva, compartilhando muita coisa pela internet, etc.
Coisas diferentes são muitas. Em junho de 2013 as manifestações levaram para as ruas pessoas com uma heterogeneidade e o que nós estamos vendo hoje é uma sociedade polarizada, dividida e que não consegue entrar em diálogo.
Você tem os pró-impeachment e os pró-Lula e Dilma e isso não se via tanto em 2013. Os organizadores, por questões políticas ou partidárias, talvez, souberam canalizar o sentimento da insatisfação e de luta contra a corrupção com o sentimento antiLula e antiDilma.
Há uma grande parte dos manifestantes que tem o sentimento contra todo o sistema político, até mesmo contra o PSDB, o PMDB, mas o que prevaleceu nesses últimos protestos foi o antipetismo.
A sociedade se polarizou muito e a raiva que existe nos protestos de hoje é algo que não se via em junho de 2013.
Lá já existia a bandeira contra a corrupção, pela mudança política, mas hoje se vê uma raiva muito maior, uma polarização e um conteúdo muito emocional no discurso, pouco sólido politicamente, com muito poucos argumentos. Um discurso que impossibilita a entrada para o diálogo.
As redes sociais têm sido espaço para mobilização e debate. Como elas influenciam essa conjuntura?
Esther Solano: Por um lado, as redes sociais são um fator de mobilização política enorme. Mas tem um aspecto negativo que é justamente a simplificação do debate político.
Há um compartilhamento de informações superficial e muito rápido: no Facebook, por exemplo, ninguêm lê com detalhes as matérias; todo mundo compartilha manchetes sem saber muito bem se é verídico ou se é boato.
Você vai compartilhando tudo isso e não tem tempo para realmente refletir.
A informação política que você forma assim é muito precária. E na rede social se tem um gueto ideológico, porque os seus amigos dali são os que geralmente pensam de forma parecida com você.
Então em vez de debater e trocar ideias, você acaba dentro das suas próprias ideias, indo na onda daqueles que pensam parecido, e o debate não se desenrola.
E quando há debate, é muito raivoso. Infelizmente a rede social é uma plataforma política, mas ela tem essa característica. Empobrece o conteúdo do debate e faz com que seja bem polarizado.
E isso tende a alimentar o teor emotivo dos discursos?
Esther Solano: Há uma fragilidade muito grande das instituições e uma crise democrática muito grave. A maioria das pessoas desacredita no funcionamento cotidiano do Congresso e tem ainda um sentimento de irritação e frustração: se sentem enganadas.
Quando há um descrédito tão grande das instituições, tem-se um conteúdo que já não é tanto de programa político, de propostas, racional e argumentativo, que passa a ser muito mais emotivo, raivoso.
Aí aparecem as figuras, os personagens; por isso acaba havendo uma polarização em termos de figuras também.
Há os que pensam que o Sérgio Moro é o salvador da pátria, o herói, e acabam colocando a figura dele acima do bem e do mal, e os que apoiam o Lula que também o veem como um super-homem.
Agora, o juiz Catta Pretta [que suspendeu a posse de Lula logo após a cerimônia] provavelmente também será visto como herói para muitos e vilão para outros.
O debate político já não é um debate de ideias; é quase que moral entre bem e mal, entre figuras simbólicas, heróis... um debate muito infantilizado.
A posse de Lula como ministro tende a fortalecer a polarização?
Esther Solano: Por enquanto sim, porque o pensamento é de 'Moro contra Lula' e 'Lula contra Moro'.
A Dilma fez um discurso bem forte ontem de manhã e parece que também está personificando um pouco esse debate, mas observando os manifestantes e as faixas, ainda há essa luta que é "o bem contra o mal".
Se o Moro, na Lava Jato, não conseguir apresentar provas mais contundentes contra o Lula, se a suspensão da posse dele na Casa Civil não for aceita e ele conseguir continuar na política, ele vai ganhar fôlego, porque aí se tem a figura do Lula perseguido, vítima e de uma Justiça que é politizada.
Vamos ver como se desenrolam os fatos, porque o Lula é uma figura que tem um simbolismo enorme, então dependendo dos próximos acontecimentos ele pode reforçar uma imagem de mito.
Há conflito na análise crítica dos manifestantes em relação ao que é legal ou não? Como a divulgação dos grampos da Operação Lava Jato pode afetar o desenrolar dos fatos?
Esther Solano: Uma Justiça que é politizada e muito midiática perde o seu caráter de Justiça, então o jogo que a Lava Jato está tendo com a imprensa, para mim, é muito perigoso.
Uma das características da Justiça é justamente a sua sobriedade, e quando há um jogo midiático, manipulações políticas podem acontecer facilmente.
E a Justiça precisa, também, ser muito responsável; então o Moro, ontem (16), liberando o grampo, o que ele fez foi praticamente incendiar a população. Para mim esse foi um erro evidente.
Por outro lado, os partidários do Lula e da Dilma muitas vezes também não conseguem fazer uma crítica, então realmente existem os dois lados polarizados e ninguém atende a argumentos.
Nesse contexto, o Judiciário tem que atuar com muito mais responsabilidade e cautela, coisa que infelizmente, na situação atual, está distante de acontecer.
Na sua pesquisa em São Paulo, é possível indicar políticos que teriam força em caso de novas eleições?
Esther Solano: Entre os candidatos do PSDB, o Aécio Neves está mal avaliado; o Alckmin está um pouco mais bem avaliado e o José Serra também.
Mas são avaliações pequenas, porque São Paulo é praticamente um feudo do PSDB, onde a maioria é de votantes do Aécio, do Alckmin, então o esperado era que eles tivessem um melhor desempenho.
Uma boa parte dos votantes do PSDB que está aí nas ruas, por mais que desconfie do Alckmin, do Aécio, do José Serra, cotinuariam votando neles.
Outra parcela que a gente vem observando pode ir para um viés mais agressivo, optanto por candidatos como Jair Bolsonaro, por exemplo, que foi aplaudido no domingo, e que muitas pessoas colocam como um dos únicos políticos honestos do Brasil.
Ele também tem o perfil que critica tudo, que se posiciona e é visto como uma figura honesta.
A gente monitorou um pouco também a Marina Silva, e ela não transmite a imagem de envolvimento com corrupção, de estar suja pela política, mas o que falta, como contraponto ao Bolsonaro, é justamente se posicionar.
Ela fala mas não muito, sempre fica meio neutra, não se posiciona energicamente. O que as pessoas passam a querer é uma posição política forte, uma pessoa que não tenha medo de se posicionar, que fale.
O Moro, por exemplo, se optasse por ter uma candidatura, está agora ganhando um capital político muito grande.