"Bolsodoria": nas eleições, o governador de SP apoiou o presidente (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de junho de 2019 às 08h08.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 08h15.
Brasília - Quatro dias após cogitar disputar a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro voltou ao assunto nesta segunda-feira (24), para estocar um possível rival em 2022. Ao comentar as negociações para a transferência das provas da Fórmula 1 para o Rio de Janeiro, Bolsonaro afirmou que o governador de São Paulo, João Doria, deveria "pensar no País".
"A imprensa diz que ele será candidato à Presidência em 2022, então ele tem de pensar no Brasil. Se ele disputar a reeleição, aí ele pensa no seu Estado. Melhor ficar no Rio do que não ficar em lugar nenhum", disse Bolsonaro, em referência ao tucano. Na quinta-feira, o presidente já havia escolhido São Paulo para anunciar que poderia recuar da promessa de campanha e concorrer a um segundo mandato.
Doria, que não fala sobre planos presidenciais, desconversou: "Fórmula 1 não é questão política. É questão econômica. Não é hora de eleição. É momento de gestão", disse à reportagem.
É incomum que a sucessão presidencial seja debatida poucos meses após a posse de um presidente. Ainda assim, desde o início do ano, aliados e adversários de Bolsonaro passaram a calcular, articular e até mesmo declarar que tentarão suceder-lhe nas eleições de 2022.
Doria aparece até agora como o principal expoente do grupo. O empresário, que entrou na política em 2016, queria ter se lançado já em 2018. Sem conseguir furar a fila no partido, elegeu-se governador e saiu do pleito como a grande força do PSDB após a derrota do presidenciável Geraldo Alckmin nas urnas. Na convenção da sigla, em maio, Doria discursou aos gritos de "Brasil pra frente, Doria presidente".
O governador se movimenta em busca de apoio. Ambiciona atrair o DEM para seu projeto presidencial. Ao sair do governo, deixaria o vice, Rodrigo Garcia, um dos expoentes da cúpula do Democratas, como sucessor e candidato a novo mandato. Internamente, deixa correr especulações sobre uma eventual fusão dos dois partidos - hipótese que vinha sendo negada pelo comando do DEM.
Doria não declarou nem pretende declarar tão cedo que tentará ser candidato em 2022. Quer sentir os ventos da política, segundo pessoas próximas. Outros políticos não têm a mesma cautela.
No próprio DEM, com quem o tucano aspira parceria, há postulantes. "Temos de parar com a falsa incógnita na política. Hoje, existe um desejo velado de tantos. Tenho muita tranquilidade em dizer: tenho de dar resultado em Goiás, claro, mas, se as condições forem propícias, vou dizer não?", disse em abril o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Ex-deputado e ex-senador, ele já foi candidato à Presidência em 1989 e, no ano passado, tentou viabilizar seu nome à disputa.
Caiado se junta ao governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), um neófito na política, no grupo dos que já pleitearam publicamente neste ano a vaga. Em março, o ex-juiz que assumira seu primeiro cargo público dois meses antes disse ao jornal O Globo que não vê como precipitado pensar na candidatura presidencial e que já havia contado, inclusive, a Bolsonaro sobre a intenção. O secretário da Casa Civil do Rio foi flagrado num vídeo em que diz que o chefe será presidente.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse em evento partidário em fevereiro que estava se preparando para 2022. "Vamos enfrentar o laranjal e a turma do mal", disse. A declaração animou apoiadores, mas ele diz que foi uma brincadeira. "Desde 2013, temos um vazio. O bolsonarismo se estrutura apenas pelo que não é, não representa nova força. Por isso, essa ansiedade de identificar nomes que possam preencher esse vazio", afirmou. "Mas o que vemos é carnaval fora de época. Isso é assunto para o final de 2021."
A proliferação de postulantes ao Planalto logo após a posse não costuma acontecer, pois o novo presidente tende a contar com o entusiasmo da população no início de mandato e com trégua no mundo político, o que inibe conversas para lhe suceder.
Bolsonaro, porém, vem contribuindo para subverter a lógica. Optou por partir para o confronto com parlamentares, tachando-os de "velha política" e criando animosidade com líderes partidários. Ajudou a construir, assim, um ambiente em que todos se sentem liberados a se movimentar, segundo políticos ouvidos pela reportagem.
Soma-se a isso a erosão da popularidade de Bolsonaro. Pesquisa Ibope divulgada em abril indicou que ele tem a pior avaliação entre presidentes eleitos em início de mandato desde o fim do regime militar.
A análise da estratégia que levou Bolsonaro ao Palácio do Planalto também favoreceu a antecipação das conversas sobre a próxima eleição presidencial.
A tese de que as redes sociais seriam peça-chave no pleito mostrou-se acertada. Isso faz com que políticos se sintam estimulados a iniciar o quanto antes seu planejamento. A imagem e o engajamento nos meios digitais precisam ser construídos com tempo. Bolsonaro, por exemplo, começou o trabalho nas redes mais de dois anos antes da eleição.
"O espaço político está nas redes. Tem de conquistar pelo discurso, pelas ideias radicais. É um trabalho de formiguinha. É como pedra na água, que vai criando ondas", disse Sérgio Denicoli, diretor da AP Exata, que faz monitoramento de redes sociais.
Persiste ainda a percepção de que o anseio por um "outsider" pode favorecer o surgimento de novo fenômeno eleitoral inesperado aos moldes do que se viu com Bolsonaro, que chegou ao Planalto sem estrutura partidária e impulsionado pela força das redes.
"A crise dos partidos políticos permanece. A esquerda está zonza e não vemos movimentação relevante. Então, há o sentimento de que, depois de Bolsonaro, por que não Luciano Huck, ou Joaquim Barbosa, ou o Doria?", disse Jairo Nicolau, do Centro de Pesquisa e Documentação (Cepedoc) da FGV.