Integrante do PCC no presídio de Alcaçuz no Rio Grande do Norte (./Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 06h59.
Última atualização em 4 de fevereiro de 2017 às 06h59.
São Paulo – A participação das mulheres nas engrenagens do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do Brasil, ainda é um mistério até para os maiores estudiosos sobre o assunto. Investigações apontam que a quadrilha é comandada por homens, mas a presença feminina nos quadros da organização sempre foi determinante nas ações do grupo.
De acordo com Karina Biondi, autora de Juntos e Misturados: uma etnografia do PCC, a participação das mulheres remonta aos primórdios da organização. Em 1993, após a fundação do PCC, feita por detentos do anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, as esposas dos membros ficaram encarregadas de auxiliar como pudessem de fora da prisão.
Uma das principais tarefas era mediar o compartilhamento de informações. São as mulheres que levam e trazem mensagens e dão ordens àqueles que executam os planos. O promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO) de Presidente Prudente, interior de São Paulo, explica que a função de “ponte” é uma das mais importantes da facção.
“Os presídios são adaptados para bloquear sinal telefônico, então as visitas íntimas se tornaram a base das informações necessárias para que os membros fora das cadeias executem as ações”, diz Gakiya. De acordo com ele, o trabalho de mensageiro é tão essencial que integrantes de fora de presídios recorrerem a essas mulheres para receber conselhos do que fazer. Gakiya explica que mesmo em momentos de crise penitenciária (como a atual) as mulheres são fundamentais.
“Existe um documento do PCC que se chama ‘salve’, ele sai das grandes prisões por meio das mensageiras e deve ser enviado a todos os integrantes da facção. Nele estão as instruções de como executar rebeliões e ataques. São as mulheres que encaminham o ‘salve’”, diz o promotor.
A algumas mulheres (geralmente esposas de líderes), também cabe a administração das contas bancárias. Uma denúncia da GAECO, formulada entre 2005 e 2006, condenou Adriana Cartopassi de Assumpção e Carina Aparecida Bueno, mulheres de dois líderes do PCC, por lavagem de dinheiro e envolvimento com crime organizado.
As investigações apontaram que as duas recebiam orientações por celulares clonados de seus maridos que estavam presos. Com isso, extorquiam dinheiro de outros presidiários e de suas famílias. A denúncia estima que, em um ano, as mulheres tenham conseguido R$ 101 mil e usavam esse montante para ações criminosas.
Durante as investigações, os promotores obtiveram a quebra do sigilo bancário de 500 contas que pertenciam a 300 pessoas – a maioria mulheres. “Elas são boas tesoureiras e são confiáveis. Por isso essa função, que é tão importante, fica com elas”, completa Gakiya.
Uma das características mais marcantes das mulheres que trabalham para o PCC é que, na maioria das vezes, elas não são familiares dos presos. Segundo o jornalista Josmar Josimo, autor do livro Casadas com o Crime, os homens não querem envolver suas esposas ou familiares no crime organizado e buscam alternativas. “Os integrantes do PCC abraçam o discurso de proteção da família e contratam outras para fazer a ponte das informações. É como uma profissão”, explica.
A estimativa de Gakiya é que as contratadas recebam, aproximadamente, R$ 3.000 por mês para ir ao presídio semanalmente e deixar o detento a par das situações na facção e receber informações necessárias para ações. “Uma vez por semana elas se reúnem e, aí sim, são guiadas pelas esposas dos líderes para as penitenciárias. Lá elas se passam por namoradas ou amantes e entram no rol de visitas constantes. Para essa estratégia funcionar, eles trocam cartas quando não há visita”, diz o promotor.
Apesar de a participação feminina ser crucial para o funcionamento da facção, todo aval do PCC é dado de dentro dos presídios masculinos. Essa é, segundo a pesquisadora Natália Corazza, do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp, a característica que explica por que é difícil para as mulheres encontrarem espaço na organização. “O PCC surgiu com o objetivo de dar conta de parte das falhas e problemas do sistema penitenciário e do Estado. Por isso, ele reproduz a estrutura hierárquica da sociedade e reflete seu funcionamento, onde os homens lideram e as mulheres auxiliam.”
Para fazer parte da quadrilha, as mulheres precisam seguir regras. De acordo com Gakiya, as contratadas não têm autorização para se envolver com integrantes do PCC. “Se a esposa de um integrante quiser se separar e se envolver com outro homem, o seu marido deve dar o aval. Caso o contrário, todos morrem”, explica o especialista.
Para Corazza, no entanto, não se pode romantizar a relação da mulher com o crime e dizer que o envolvimento acontece por influências masculinas. “Muitas mulheres escolhem estar ali não porque estão apaixonadas por um líder ou têm um irmão dentro da facção, mas sim porque querem. Elas também têm o poder de escolha”, explica.
O envolvimento das mulheres no PCC é tão significativo, que existem especulações da existência de um Comando Feminino, liderado por presas que subvertem a ordem da facção e ditam as ações com suas próprias regras. Não existe, porém, confirmação disso.