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Da Noruega ao Pará: as contradições da mineradora Hydro Alunorte

Acusada de ter dutos irregulares para despejar água contaminada no rio Pará, a norueguesa Hydro Alunorte se vê envolvida em discussão de responsabilidades

ALUMINA: moradores de Barcarena recebem água potável após contaminação de mananciais / MÁCIO FERREIRA | Agência Pará

ALUMINA: moradores de Barcarena recebem água potável após contaminação de mananciais / MÁCIO FERREIRA | Agência Pará

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2018 às 07h12.

Última atualização em 19 de março de 2018 às 11h37.

“Parece que a empresa não age assim na Noruega”. A frase é do promotor de Justiça de Barcarena, no Pará, Laércio de Abreu sobre a mineradora norueguesa Hydro Alunorte, em entrevista a EXAME. Sob investigação desde o fim do mês passado acusada de ter dutos irregulares e utilizá-los para despejar água contaminada no rio Pará, em Barcarena, a empresa se vê envolvida em uma discussão internacional de direitos e responsabilidades. O governo norueguês, dono de 34,3% da Hydro Alunorte, é um dos mais rigorosos do planeta no respeito a normais ambientais. A empresa também é reconhecida por sua preocupação com sustentabilidade, com apoio a projetos sociais e investimentos em meios inovadores de manejo dos dejetos. Mas sua postura na investigação em curso tem intrigado autoridade e especialistas brasileiros.

Considerada a maior refinaria de alumina (matéria-prima para produção de alumínio) do mundo, a Hydro Alunorte foi alvo de uma denúncia feita pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) de que a região da refinaria estaria contaminada com água tóxica. No dia 22 de fevereiro o IEC denunciou a empresa, afirmando que as comunidades que habitam aquela área estavam expostas à elementos como chumbo e altos níveis de nitrato, sódio e alumínio causadores de danos à saúde.

Duas multas foram aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis): uma de 10 milhões de reais por realizar atividade potencialmente poluidora sem licença válida da autoridade ambiental competente e outra de 10 milhões por operar tubulação de drenagem também sem licença. A empresa recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) negou a defesa.

O promotor também relatou que, em depoimentos, a população não tem recebido água nem os recursos emergenciais suficientes. Após as fortes chuvas, ficou estipulado que a empresa forneceria água potável para os moradores da região, que tinha igarapés e mananciais contaminados por substâncias tóxicas que poderiam ter vindo da Hydro Alunorte.

Segundo o vice-presidente de Bauxita e Alumina da Hydro, Eivind Kallevik, a sede norueguesa está trabalhando em conjunto com a refinaria para melhorar a ação da empresa em momentos climáticos atípicos. “Tivemos diversas discussões internas na companhia, e o CEO veio para o Brasil para conhecer a comunidade e conversar com as autoridades locais.” Kallevik ressaltou que a empresa está revendo os procedimentos de despejo de água. “Uma equipe da Hydro e um grupo independente contratado estão conduzindo um estudo para evitar novos vazamentos em nosso sistema. E nossos corpo sênior tem se reunido para discutir a integridade da companhia.”

Na sexta-feira, a empresa informou que vai iniciar um investimento de NOK 500 milhões de coroas norueguesas (cerca de 200 milhões de reais) no sistema de tratamento de água da refinaria. O objetivo é aumentar a capacidade em 50% e melhorar a eficiência para que a unidade possa suportar condições climáticas extremas no futuro.

A Hydro Alunorte afirmou ainda, em nota, que já vedou com concreto a comporta de lançamento de efluentes ao canal antigo, e que o canal foi utilizado para descarregar a água de chuva, com pH tratado, da área da refinaria para o rio Pará no dia 17 de fevereiro, durante as fortes chuvas que começaram no dia anterior, e entre os dias 20 e 25 de fevereiro. A empresa ainda afirmou que a água de chuva da área da refinaria “pode conter poeira de bauxita e vestígios de soda cáustica, mas que não teve contato com áreas de depósito de resíduos de bauxita”.

Nos próximos dias o Ministério Público vai publicar o relatório em que avalia o cumprimento ou não da vedação do segundo duto não autorizado. Este pode ser apenas o começo de uma série de investigações sobre a empresa, tanto no aspecto civil quanto no criminal, com avaliações ambientais e a respeito do cumprimento dos acordos (como a vedação e a paralisação das atividades).

Enquanto as decisões legais são tomadas, surge a discussão de fundo sobre os erros e as responsabilidades que fazem com que danos ambientais dessa natureza continuem acontecendo no Brasil, mesmo na operação de uma companhia multinacional que tem a sustentabilidade como uma de suas principais bandeiras.

O papel da Noruega

Há 20 anos em operação, a Hydro Alunorte exporta seus produtos para dez países do Oriente Médio, América do Norte e Europa. O conglomerado norueguês Hydro Norsk, dono da refinaria no Brasil, atua na produção de alumínio e energia renovável em mais de 50 países. Em 2016, o conglomerado faturou mais de 84 bilhões de coroas norueguesas, o equivalente a 34 bilhões de reais. A companhia de capital aberto tem ações na Bolsa de Valores de Oslo, e uma das principais acionistas é o governo norueguês.

O Estado possui ações das empresas, e é representado pelo ministro do Comércio e Indústria Torbjørn Røe Isaksen. O segundo acionista principal é o Folketrygdfondet, que administra o Fundo de Pensão do governo da Noruega e que está vinculado ao Ministério de Finanças do país. O Departamento de Propriedades do governo é o responsável por atuar junto com as empresas privadas em que o governo possui ações de investimento.

O departamento participa das assembleias gerais anuais da empresa, e, junto com outros acionistas e os nove conselheiros, toma decisões quanto à atuação e ao desempenho do conglomerado. Sobre as denúncias, o governo se limitou a afirmar que “exige que as empresas norueguesas afiliadas que operam no exterior respeitem os direitos humanos fundamentais em todas as suas atividades, trabalhem ativamente contra a corrupção, protejam o meio ambiente, e contribuam para o desenvolvimento sustentável”.

Referência na área de desenvolvimento sustentável, a Noruega é participante ativa em temas globais como a redução da emissão de gases do efeito estufa. Detentora do maior fundo soberano no mundo, tem ativos avaliados em mais de um trilhão de dólares – que equivalem a mais de 1% de todas as ações negociadas mundialmente – e dá preferência a empresas com investimentos em negócios sustentáveis. Aqui no Brasil, o governo é o maior financiador de projetos para a preservação da floresta Amazônica, o Fundo Amazônia, tendo já doado mais de 1 bilhão de reais (o fundo é estimado em 7 bilhões de reais).

O professor e pesquisador em responsabilidade social de empresas energéticas norueguesas da Universidade de Bergen, Ståle Knudsen, afirma que há uma contradição entre o discurso e alguns investimentos do governo norueguês. “Empresas petrolíferas nos Estados Unidos, por exemplo, são mal vistas por ativistas ambientais, e têm dinheiro norueguês”, exemplifica. “O governo tenta se proteger ao não atuar nas decisões das companhias”, afirma.

Para Luiz Eduardo Rielli, consultor de sustentabilidade da consultoria Novi, é comum encontrar inconsistências no discurso de investidores de empresas tidas como referência em sustentabilidade. “Cada vez mais investidores estão cobrando práticas sustentáveis, mas acabam cobrando resultados financeiros da mesma maneira que antigamente”, diz. “É notável perceber que os últimos relatórios trimestrais da Hydro não falam sobre sustentabilidade, nem sobre programas sociais. Mas logo no início mostram lucro, preço, volume”, finaliza .

O problema é a fiscalização?

Quando adquirida pela companhia norueguesa Hydro, em 2015, a refinaria Alunorte já tinha um histórico de irregularidades e de acidentes ambientais. Em 2005 e 2009, a Alunorte foi responsabilizada por dois acidentes ambientais na região. Segundo o Ibama, em 2009, três autos de infração já tinham sido aplicados contra a empresa Alumia do Norte do Brasil (Alunorte) em decorrência de poluição pelo lançamento de bauxita no rio Murucupi. O evento ocorreu durante processo de beneficiamento de bauxita, que provocou vazamento de uma barragem de rejeitos pertencente à empresa em Barcarena/PA. As multas totalizam 17,1 milhão de reais e não foram pagas até o momento. A empresa informou que as multas estão sendo discutidas administrativamente.

Para o consultor Luiz Eduardo Rielli, é comum que empresas calculem se se vale a pena postergar o pagamento de multas e levar o processo até os limites ou regularizar sua situação. “As empresas acabam esticando os compromissos porque sabem que existe abertura para negociações.”

Especialistas ouvidos por EXAME afirmam que a recorrência de acidentes na região poderia ter sido evitada se houvesse mais fiscalização. Problema também recorrente na área ambiental de todo país, ela pode ser explicada pela falta de mão de obra. Atualmente, há cerca de 3.600 servidores no Ibama, com previsão de aposentadoria de cerca de 30% desse total nos próximos 5 anos. Segundo o Instituto, a falta de verba e a paralisação na contratação de novos fiscais tem dificultado a fiscalização das áreas de atuação de mineradoras no país.

“Muitas empresas se aproveitam das fragilidades para não aplicar o mesmo padrão ético que usam em países desenvolvidos para tratar as questões socioambientais nos países periféricos como o Brasil”, afirma o professor especialista em Direito Ambiental da UFMT, Teodoro Irigaray.

As investigações e as correções feitas pela Hydro Alunorte vão deixar mais claro se este é o caso da companhia e de seus controladores noruegueses. Até aqui, como afirma o promotor Laércio de Abreu, a postura da companhia é “atípica”.

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