A presidente Dilma Rousseff: "não existe nenhum ato ilícito praticado por mim. Não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2015 às 21h13.
Brasília - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou nesta quarta-feira que aceitou pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, que declarou "indignação" pouco depois de a decisão ser anunciada.
O pedido de impedimento elaborado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, com apoio da oposição, é baseado, entre outros pontos, nas chamadas "pedaladas fiscais", já condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e em indícios apontados pelo Ministério Público junto ao órgão de contas de que essas manobras tiveram continuidade neste ano.
"O embasamento disso (aceitação do pedido de abertura de processo de impeachment) é única e exclusivamente de natureza técnica, e a juízo do presidente da Câmara é única e exclusivamente de autorizar a abertura, não o de proferir o seu juízo de mérito", disse Cunha a jornalistas.
O deputado alegou lamentar "profundamente" o que estava acontecendo e disse não ter nenhuma "felicidade" no ato que estava praticando. "Que o nosso país possa passar por esse processo, superar esse processo e que a gente possa com isso conseguir superar as nossas crises política e econômica sem eu fazer qualquer juízo de valor do mérito... A minha posição será a mais isenta possível", afirmou.
A decisão de Cunha foi anunciada no dia em que representantes do PT no Conselho de Ética da Câmara anunciaram que votarão pela continuidade do processo que pede a cassação do mandato do presidente da Casa, que é acusado de mentir à CPI da Petrobras por ter afirmado que não tinha conta bancária no exterior.
Com a aceitação do pedido, que se baseia na acusação de descumprimento da lei orçamentária, uma comissão de deputados será criada para emitir um parecer sobre a abertura efetiva ou não do processo de impedimento da presidente.
O parecer da comissão de deputados terá ainda de ser votado em plenário da Câmara e, em caso de decisão de abrir processo de impeachment, irá ao Senado, e Dilma será afastada do cargo até o julgamento.
Pouco depois do anúncio de Cunha, feito enquanto o Congresso aprovava a proposta que mudou a meta fiscal deste ano, Dilma reagiu em uma declaração à imprensa e manifestou "indignação" com a decisão do presidente da Câmara.
"Recebi com indignação a decisão do senhor presidente da Câmara dos Deputados de processar pedido de impeachment contra mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro. São inconsistentes e improcedentes as razões que fundamentam este pedido", disse a presidente.
"Não existe nenhum ato ilícito praticado por mim. Não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público. Não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público a existência de bens pessoais", acrescentou Dilma.
No meio político, a oposição afirmou que a decisão de Cunha estava em sintonia com o desejo da população e que pode servir para superar o impasse vivido pelo país.
"Apoio a proposta de impeachment. O Congresso não faz nada que não esteja em sintonia com a população... A lei no Brasil é para ser cumprida por todos, em especial pela presidente da República", disse o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), candidato derrotado por Dilma na eleição do ano passado.
Governistas, por sua vez, viram retaliação do presidente da Câmara ao posicionamento dos petistas no Conselho de Ética e uma tentativa de golpe contra o mandato de Dilma.
“O impeachment não passa. Entre a base e os parlamentares da base que prezam pela democracia, não passa”, afirmou o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
ADMISSIBILIDADE
O pedido assinado por Bicudo, um dos fundadores do PT, elenca decretos de liberação de verbas assinados pelo governo federal que não passaram pelo Congresso Nacional, o que representaria repetição de irregularidades que ocorreram no primeiro mandato de Dilma no atual exercício.
O Planalto, que enfrenta uma crise política agravada pela falta de apoio de aliados no Congresso, baixa popularidade de Dilma e período de recessão econômica, já se articulava para tentar deter o avanço de um processo de impeachment.
Até a véspera, o Planalto tentava convencer os três parlamentares petistas que estão no Conselho de Ética a votar contra a admissibilidade do processo por quebra de decoro de Cunha, mas a bancada petista na Casa se rebelou e, nesta quarta-feira, os parlamentares anunciaram que votariam pelo andamento do processo.
Cunha, que planejava anunciar sua resposta aos pedidos de impedimento na última segunda-feira, segurou sua resposta e avisou, em um almoço com o vice-presidente, Michel Temer, que iria depender da posição dos petistas no Conselho de Ética. Segundo uma fonte ligada ao vice, Temer foi avisado da decisão de Cunha pouco antes do anúncio à imprensa em telefonema que partiu do presidente da Câmara.
ENFRENTAR
Com o adiamento da sessão do conselho contra Cunha, o Planalto acreditava ter até a próxima terça-feira para “encontrar uma solução”, mas quando o deputado marcou uma entrevista para o final da tarde, já se imaginava que iria anunciar a aceitação do pedido de impeachment.
Parlamentares do PT já avaliavam durante a tarde que era preferível enfrentar o processo do que se manter vítima da chantagem de Cunha, disseram à Reuters três petistas em condição de anonimato. Informações apuradas pela Reuters com duas fontes palacianas davam conta que parte dos ministros do chamado núcleo duro da coordenação política defendia a mesma posição dos parlamentares.
Outro grupo avaliava que a base ainda não é sólida o suficiente para encarar o processo de impeachment. Ainda assim, antes mesmo de Cunha anunciar sua decisão, o tom era de que o Planalto precisava se preparar para o processo que pode resultar no impedimento da presidente.