Mais Médicos: o convênio firmado entre governo brasileiro, governo cubano e Organização Pan-Americana de Saúde, previa que profissionais recrutados para trabalhar no programa ficariam no país três anos (Manu Dias/ GOVBA/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de março de 2017 às 20h35.
Última atualização em 24 de março de 2017 às 22h34.
Brasília - Três meses depois de obter na Justiça uma liminar garantindo o direito de ser reintegrada ao programa Mais Médicos, a cubana Yolexis Jaramillo passou a receber sua remuneração.
Em cumprimento a uma nova decisão da 20ª Vara Federal do Distrito Federal, a União depositou nesta semana os salários atrasados da profissional, que chegou ao Brasil em agosto de 2013, recusou-se a voltar para Cuba quando o contrato terminou e agora luta na Justiça para permanecer no programa.
"Não queria voltar. Minha família veio para cá, fiz laços com o Brasil", contou a médica que trabalha em Ponte Alta de Bom Jesus, em Tocantins.
Além de Yolexis, a decisão foi comemorada por um grupo de cubanos que, como ela, chegou ao País pelo Mais Médicos e agora não quer voltar.
Erfen Ribeiro Santos, advogado de Yolexis, representa ao todo 84 profissionais cubanos que ingressaram na Justiça para garantir o direito de permanecer no Brasil.
"O pagamento feito pela União representa um pequeno buraco numa verdadeira muralha", comparou. "É mais um passo, um bom indício."
Dos pedidos realizados até o momento, ele conta que dois terços permanecem em primeira instância, boa parte deles, com pedidos de liminares já julgados.
"Há toda sorte de resultados. Obtivemos liminares, tivemos pedidos indeferidos. Há ainda um longo caminho a percorrer", reconheceu.
Diante de liminares, recursos foram interpostos tanto por ele quanto pela União. Por enquanto, nenhuma decisão de mérito foi concedida.
Ribeiro Santos defende que médicos cubanos devam ter o mesmo tratamento dispensado aos outros profissionais do programa.
"O contrato firmado entre Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana de Saúde cria desigualdade. Médicos que atuam no programa têm as mesmas atribuições. Mas cubanos recebem um terço do valor do que seus colegas brasileiros ou formados em outros países", disse.
"Há um tratamento indigno, que fere a isonomia."
Em nota, o Ministério da Saúde informou que Advocacia Geral da União (AGU) ingressou com recurso no caso de Yolexis.
De acordo com a pasta, o Ministério da Saúde foi intimado em 50 demandas judiciais dessa natureza: 13 liminares deferidas em 1ª instância, 23 negadas e 14 ainda aguardam apreciação. O ministério diz ainda que recursos têm sido bem sucedidos.
"A maioria do Judiciário tem entendido que, como está estabelecido na legislação do programa, o médico cubano participa por meio de cooperação internacional, cumprindo missão humanitária no país e, desta forma, continua ligado ao governo cubano."
O convênio firmado entre governo brasileiro, governo cubano e Organização Pan-Americana de Saúde, previa que profissionais recrutados para trabalhar no programa ficariam no País três anos.
Na renovação do acordo, em setembro de 2016,ficou determinado que, embora a lei permitisse ao grupo ficar mais três anos no Brasil, a maior parte dos 4 mil recrutados no primeiro ciclo do convênio deveria regressar ao país de origem para dar lugar a novos profissionais.
A estratégia tem como objetivo evitar que cubanos estreitem os laços com o Brasil e, com isso, resistam a regressar para Cuba, quando o contrato chegar ao fim.
Pelo acordo, a permissão de prorrogar o prazo desses profissionais por mais três anos seria dada apenas para aqueles que tivessem estabelecido família no Brasil ou criado vínculos.
"Mas na prática todos foram chamados a voltar. Para mim, nem perguntaram se gostaria de continuar", contou Yolexis.
Os últimos três meses foram de resistência, diz a médica.
"Mesmo com a decisão da Justiça determinando minha reintegração ao programa, o governo não pagava", relatou.
Durante a espera, ela sobreviveu com a ajuda de outros colegas cubanos e da população da cidade.
"Nunca entendi a resistência do governo federal me pagar. A Justiça disse que podia ficar, eu estou trabalhando...", contou, logo depois que a 20ª Vara da Justiça Federal publicou a decisão obrigando a União a pagar os salários da médica.
Entre os que comemoraram a decisão da Justiça de determinar à União o pagamento dos vencimentos de Yolexis está a médica cubana Maireilys Alvarez Rodriguez, que chegou ao Brasil em 2013 com o marido para trabalhar no Mais Médicos e que, concluído o prazo, decidiu apostar e permanecer no País.
"É um bom indício. Espero também que dentro de pouco tempo eu também comece a receber", afirmou.
Assim como Yolexis, Mairereilys e seu marido também obtiveram uma liminar que garantia sua permanência no programa.
O casal, que trabalha na cidade de Santa Rita do Maranhão, também até o momento não recebeu pagamento pelos meses que trabalhou por força de liminar.
"Vivemos apenas com os repasses da Prefeitura. É pouco, mas é mais do que ganharia em Cuba", disse a médica.