Cracolândia: entidades de assistência social alertam que o espalhamento dos usuários de substâncias psicoativas pode dificultar o oferecimento de cuidados básicos de saúde e ações de redução de danos por uso de drogas (Rovena Rosa/Arquivo/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de março de 2022 às 11h36.
Última atualização em 23 de março de 2022 às 12h04.
Traficantes e usuários de drogas deixaram a região conhecida como Cracolândia, na Luz, ao longo do fim de semana passado, e se espalharam por outros pontos do centro de São Paulo. A saída foi ordenada por lideranças do crime organizado na noite de sexta-feira, de acordo com a Polícia Civil. A polícia atribui a saída dos traficantes à atuação de agentes infiltrados e às operações que resultaram em 92 prisões em quase um ano. O aumento do preço das pedras de crack, a "inflação do tráfico", também desmotivou a atuação do crime organizado na região.
Cerca de um terço dos usuários e traficantes, de acordo com estimativa da própria polícia, migrou para a Praça Princesa Isabel, também no centro. Com isso, parte do chamado fluxo no quadrilátero da Rua Helvetia, Alamedas Dino Bueno e Cleveland e a Praça Júlio Prestes mudou de endereço. A distância entre os dois pontos é de menos de 500 metros.
Além da Praça Princesa Isabel, os traficantes estão se instalando no túnel de interligação das Avenidas Paulista e Rebouças, na Praça Julio Mesquita, no bairro da Santa Ifigênia. A concentração é menor do que na região da Luz.
"Na sexta-feira, uma ordem das lideranças da facção criminosa que explora a Cracolândia determinou a saída dos traficantes da região. Os usuários, que são vítimas e dependentes, acompanharam os traficantes", afirma o delegado Roberto Monteiro, da 1ª Delegacia Seccional Centro.
Na visão da polícia, a saída do tráfico ocorreu pelas prisões feitas desde junho do ano passado, no início da Operação Caronte, ação da Polícia Civil com o apoio da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Foram 92 presos até o momento. "O crime organizado acabou estrangulado. Mas não podemos falar no fim da Cracolândia. Foi uma vitória numa batalha", diz Monteiro.
Desde janeiro de 2019 até o dia 28 de fevereiro deste ano, as forças de segurança estaduais informam a apreensão de mais 3,8 toneladas de drogas e 48,3 litros de drogas líquidas na região. No mesmo período, foram apreendidas 18 armas de fogo, 111 facas, 522 munições de diversos calibres, 446 balanças de precisão e mais de R$ 900 mil.
De acordo com o monitoramento da prefeitura, a região da Cracolândia recebia um fluxo médio de 527 pessoas por dia. Em fevereiro, o número caiu para 397. O esvaziamento rápido, no entanto, surpreendeu até os moradores e comerciantes. Imagens das câmeras de segurança da prefeitura mostraram moradores ocupando a chamada Praça do Cachimbo, nas proximidades da Estação Julio Prestes, pela primeira vez em vários meses. Muitos temem, no entanto, que o fluxo retorne à região nos próximos dias. "A gente não sente segurança de que eles não vão voltar", diz a comerciante Luciane Araújo, dona de uma mercearia na Alameda Glete.
A crise econômica, acentuada pela pandemia, também influenciou no enfraquecimento do tráfico de drogas. Policiais afirmam que o preço da pedra de crack subiu de R$ 10 a R$ 15 para cerca de R$ 30 e R$ 40 em pouco mais de três meses.
Entidades de assistência social alertam que o espalhamento dos usuários de substâncias psicoativas pode dificultar o oferecimento de cuidados básicos de saúde e ações de redução de danos por uso de drogas, como oferecimento de anticoncepcionais para as mulheres. O padre Julio Lancelotti vê com estranheza o esvaziamento. "É um vazio repentino e não se deve a nenhuma intervenção social do estado ou da prefeitura. O fluxo foi pulverizado, desde a Praça Princesa Isabel até outros locais do centro", afirmou o líder da Pastoral do Povo de Rua.