BOLSONARO E GUEDES: debate sobre congelamento de salários de servidores em meio à pandemia (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de junho de 2020 às 12h10.
Última atualização em 4 de junho de 2020 às 14h00.
Relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News mostra que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que apresentam "conteúdo inadequado". A lista inclui páginas que difundem fake news, que promovem jogos de azar e até sites pornográficos. Canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro também receberam publicidade oficial.
O documento, produzido por consultores legislativos, tem como base informações da própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) referente ao período de junho a julho do ano passado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CPI e revelados pelo jornal O Globo. O Estadão também teve acesso ao relatório.
No topo da lista dos que mais receberam verba pública para divulgar a publicidade oficial está o site "Resultados Jogo do Bicho", com 319.082 impressões – a quantidade de vezes que o anúncio foi exibido aos usuários do site. O jogo do bicho é proibido no Brasil e sua prática é considerada uma contravenção.
Outra descoberta da CPI é que, dos 20 canais no YouTube que mais veicularam anúncios da Nova Previdência (nome da campanha governo), 14 são primordialmente destinados ao público infanto-juvenil. Entre eles, até mesmo um que tem todo o seu conteúdo em russo.
"Juntos, esses 14 canais infanto-juvenis concentraram 2.392.556 das 12.026.980 impressões da campanha da Nova Previdência veiculadas no YouTube entre 06 de junho e 13 de julho de 2019 (19,89% de todos os anúncios veiculados no YouTube nesse período)", diz trecho do relatório.
Ao todo, a CPI identificou que os mais de 2 milhões de anúncios foram exibidos em 843 canais diferentes. Destes, 741 eram no YouTube, mas foram removidos após a página de vídeos apontar irregularidades, como conteúdo inadequado ou que desrespeita direito autoral.
Sites de notícias falsas também embolsaram uma boa fatia da verba pública destinada pelo governo. O relatório da CPI aponta como um dos campeões de veiculação de anúncios oficiais, com 66.431 impressões, o “Sempre Questione”. "O portal traz 'matérias' sobre múmias alienígenas escondidas em pirâmides do Egito, colisores de átomos que abrem portais para o inferno e baleias encontradas em fazendas a centenas de quilômetros do litoral", aponta o levantamento da comissão.
Há também publicidade oficial em páginas de apoiadores e que promovem Bolsonaro. O relatório cita como exemplo o canal de YouTube "Bolsonaro TV" e os aplicativos para celular “Brazilian Trump”, “Top Bolsonaro Wallpapers” e “Presidente Jair Bolsonaro”. A destinação de dinheiro público para este tipo de conteúdo pode gerar questionamentos legais ao governo com base no princípio constitucional da impessoalidade, pois, segundo a consultoria legislativa, "abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna."
O site Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, também aparece na lista dos que receberam dinheiro público por meio de anúncios da Nova Previdência. Santos é um dos alvos do inquérito das fakes news, no Supremo Tribunal Federal, e teve documentos e equipamentos apreendidos na semana passada pela Polícia Federal. Ele nega irregularidades no conteúdo que propaga.
No ano passado, em depoimento à CPI das Fake News no Congresso, Santos chegou a afirmar que não recebia dinheiro público seu seu site.
Governo diz que ferramenta do Google selecionou sites
Procurada, a Secom informou que não patrocina qualquer site ou blog e os anúncios citados no relatório da CPI são veiculados por critérios técnicos adotados pelo Google Adsense. Na ferramenta da empresa de internet, no entanto, é possível adicionar filtros que bloqueiam a veiculação em sites determinados.
Também em nota, o Google afirma que as suas plataformas "oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos" (leia a íntegra da empresa abaixo).
Leia abaixo a íntegra da nota da Secom, que faz referência à reportagem do jornal O Globo por este ter sido o primeiro a noticiar o relatório:
"A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República repudia matéria tendenciosa de O Globo intitulada CPMI das Fake News identifica 2 milhões de anúncios da Secom em canais de 'conteúdo inadequado' em só 38 dias. O dever do bom jornalismo é levar esclarecimento às pessoas, mostrar e explicar fatos e dados, e não somente repetir narrativas que promovem a desinformação.
Na semana passada, a Secom já havia informado ao O Globo que não patrocina qualquer site ou blog. Foi explicado também que as verbas publicitárias são direcionadas pelo Google Adsense, que utiliza inteligência artificial e critérios próprios para distribuição de anúncios. Ou seja, cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom.
Cabe citar que o próprio jornal Folha de S. Paulo já teve seus anúncios veiculados em sites considerados impróprios porque a distribuição do investimento publicitário foi realizada pelo Adsense do Google de forma automática. Entretanto, sua ombudsman considerou que o jornal foi sabotado por algoritmos. Ou seja, dois pesos e duas medidas. A Secom pública anúncios em sites de fake news. A Folha é sabotada.
Mais uma vez, a Secom informa que o processo de escolha de veículos conduzido pelas agências de publicidade prestadoras de serviço, contam diretamente com a assessoria técnica do Google para apoiar os critérios da ferramenta.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República"
“O Google tem ajudado parceiros do setor privado e do setor público a usar a publicidade digital para levar suas mensagens a milhões de brasileiros de modo eficiente, com escala e alcance.
Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas.
Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.
Cientes do dinamismo do ecossistema digital, também trabalhamos no aperfeiçoamento de nossas plataformas para oferecer os melhores resultados possíveis para nossos parceiros. Preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade.
Agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas."