Prisão divide opiniões de advogados, que apontam razões para a fiança próxima a um salário-mínimo (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Karina Souza
Publicado em 8 de julho de 2021 às 16h11.
Última atualização em 8 de julho de 2021 às 16h22.
O ex-diretor do departamento de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, foi preso na noite de quarta-feira, 7, sob o crime de falso testemunho perante a CPI da Covid-19. Cinco horas depois da prisão, Dias pagou fiança de 1.100 reais para sair, segundo informações divulgadas pela mídia. Afinal, o que pode ter motivado a decisão desse valor?
De acordo com o artigo 325 do Código de Processo Penal, para crimes como o de falso testemunho, em que a pena máxima não supera quatro anos, o valor da fiança pode ser fixado de um a 100 salários-mínimos. Ou seja, o valor cobrado de Dias esteve próximo do mínimo estabelecido pela lei. No geral, a fiança leva em consideração quatro fatores: gravidade do fato, periculosidade do agente, capacidade financeira e eventuais custos do processo.
Em relação a esse caso, Raquel Scalon, professora de direito da FGV São Paulo, afirma que a decisão de fixar o valor próximo a um salário-mínimo pode estar relacionada à forma como a prisão foi feita. “Nesse caso, como as circunstâncias da prisão foram um pouco ‘estranhas’, o valor pode funcionar como uma compensação. Uma fiança baixa, já que a prisão era questionável”, diz.
Ao mesmo tempo, outros fatos ajudam a contar essa história: crimes com pena inferior a quatro anos podem ser substituídos por penas restritivas de direito (por exemplo, pagamento de multas, serviço voluntário etc.). O artigo 44 do CPP estabelece um conjunto de condições para isso, como o réu não ser reincidente e “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente”. Isso quer dizer que, para penas com condenação máxima de até quatro anos, dentro dessas circunstâncias, quem for condenado pode não cumprir pena em regime fechado, mas sim ter isso substituído por trabalho voluntário, multas e outros.
Na opinião de Luiz Fernando Cintra, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri, isso pode ter sido levado em consideração na hora de definir a fiança. “Em casos de falso testemunho, normalmente são atribuídas fianças de valor baixo. Nesse caso, acho que a principal mensagem que a CPI queria passar, foi passada, a de uma prisão em flagrante. Isso é um fato raro e que com certeza chama a atenção. Tecnicamente falando, a fiança não destoa da acusação feita ontem”, afirma Luiz.
Juliana Sá de Miranda, sócia especializada em direito penal e compliance do escritório Machado Meyer, tem uma visão similar, afirmando que a prisão pode ter tido o intuito de "passar uma mensagem" sobre a condução da CPI, mais do que de fato manter Roberto Dias efetivamente preso.
Para os advogados consultados pela EXAME, as circunstâncias da prisão não foram tecnicamente ideais. Na visão deles, Dias deveria ter comparecido à CPI como investigado — condição em que há margem para não produzir provas contra si próprio — uma vez que as perguntas dirigidas a ele e os fatos explicitados até agora poderiam direcionar essa convocação por parte da Comissão. Todos são favoráveis ao trabalho que a CPI da Covid tem conduzido até agora.
“Na nossa Constituição existe o direito da não autoincriminação. Ainda que tenha provas, se alguém é ouvido na condição de investigado, a pessoa não é obrigada a produzir provas contra si própria, podendo ficar em silêncio ou, no limite, até mentir para que isso não aconteça”, diz Juliana.
A prisão também dividiu opiniões no Senado. Enquanto a ala governista, com os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI) reclamaram da prisão ainda nesta quinta-feira, outros, como Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e Humberto Costa (PT-CE) afirmaram em entrevista na noite de ontem que não há “racha” e que a decisão do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), será apoiada por eles.
A partir dos fatos dessa quarta-feira, há a expectativa de que mais e mais convocados vão à Comissão com habeas corpus capazes de garantir-lhes o direito de ficar em silêncio. Um pouco disso já foi sentido nesta quinta-feira, com o depoimento de Francieli Fantinato, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização. Ela se negou a jurar a dizer somente a verdade, munida de um documento como esse.
De acordo com informações divulgadas pelo jornal O Globo na noite de quarta-feira, Omar Aziz deu voz de prisão para o ex-diretor após virem à tona, em reportagem da CNN, áudios que desmentiam a versão de Dias sobre encontro com o cabo da Polícia Militar Luis Paulo Dominghetti, em restaurante em Brasília.
Segundo o presidente da CPI, Dias mentiu sobre o encontro com Dominghetti, em um restaurante em Brasília, onde ele teria feito o pedido de propina. À comissão, Dias disse que o jantar entre os dois não foi programado. Ele estava tomando chope com um amigo quando o PM apareceu. Omar, porém, citou áudios do celular de Dominguetti apontando que o encontro foi previamente combinado.
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