Plenário do Senado Federal (Adriano Machado/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 27 de abril de 2021 às 07h36.
Marcada para esta terça-feira, a primeira sessão da CPI da Covid será em formato presencial. Além de indicarem o presidente e o relator dos trabalhos — o acordo prevê que as vagas fiquem com Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) —, os senadores vão definir o formato sob o qual a comissão funcionará nos próximos meses.
A tendência é que seja definido um modelo misto, com sessões presenciais aliadas ao funcionamento virtual da CPI. Há expectativa de que seja apresentado o plano de trabalho que vai ditar o ritmo e o andamento da comissão, que vai contar com documentos já colhidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que já se debruçaram sobre a atuação do governo federal, mais especialmente do Ministério da Saúde, no curso da pandemia. A sessão também será marcada por um fato jurídico: o Senado deve ignorar a liminar de primeira instância que impede Renan de ser relator.
Por serem maioria, com sete dos 11 senadores titulares, os independentes e oposicionistas passaram os últimos dias focados em elaborar juntos o plano de trabalho. Entre eles, há consenso sobre a convocação dos ex-ministros da Saúde no governo Bolsonaro e do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten.
Parte do grupo também tem intenção de chamar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para falar sobre auxílio emergencial. A iniciativa, porém, enfrenta resistência de Renan, que é próximo ao ministro. O “grupos dos sete”, como está sendo chamada a ala formada por oposicionistas e independentes do governo, se reuniu na noite de ontem na casa de Omar Aziz para tentar alinhar os pontos principais a serem apresentados. O objetivo é atuar de forma unificada para vencer as votações contra os governistas, que estão em minoria.
O Ministério da Saúde fez alterações no Plano de Contingência para reduzir suas atribuições durante a epidemia. Entre elas, estava a responsabilidade pelo monitoramento do consumo de medicamentos e insumos.
Um relatório do Tribunal de Contas da União diz que, diante da situação, o Ministério da Saúde tinha obrigação de auxiliar os estados menos estruturados e que esse tipo de omissão configura “abuso de poder”.
Outro eixo percorrido pelos procuradores do Ministério Público Federal do Amazonas é o incentivo ao "tratamento precoce" por parte do ministro e seus subordinados, fazendo pressão para adoção de medicamentos sem eficácia comprovada. No ofício enviado à Secretaria municipal de Saúde de Manaus pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, ela pressiona pela adoção do tratamento precoce e ressalta "a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde".
Para sustentar que o Ministério da Saúde impulsionava o tratamento com remédios sem eficácia comprovada conscientemente, o Ministério Público Federal cita a nota informativa produzida pelo órgão em maio do ano passado, logo após o ex-ministro Eduardo Pazuello assumir a pasta. O documento traz orientações sobre o manejo de pacientes desde os sintomas iniciais da doença e orienta prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada como cloroquina e hidroxicloroquina.
O MPF chama a atenção, no entanto, para o fato de a própria pasta admitir, no mesmo documento, em páginas posteriores à indicação dos medicamentos uma ressalva de que "até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação famarcológica específica para Covid-19".
O relatório do MPF-AM também indica a omissão e a lentidão do Ministério da Saúde em lidar com o colapso no sistema de saúde do Amazonas. Atas e depoimentos colhidos pelo órgão mostram, por exemplo, que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tinha conhecimento da situação crítica no estado desde 2020, conforme trechos do chamado "Plano Manaus", do próprio ministério, citado pelos procuradores.
A pasta cita que decidiu enviar uma comitiva à cidade apenas após o Ano Novo, embora já se soubesse que o número de hospitalizações havia dobrado em comparação com a semana anterior.
Consideração do MPF:
"Do documento citado, extrai-se mais do que a ciência concreta da cúpula do Ministério da Saúde quanto à situação de iminente colapso que vivia Manaus. Vê-se também que, a despeito da emergência posta, o então Ministro da Saúde não adotou medidas com a urgência necessária ao enfrentamento da pandemia".
O documento do TCU aponta ainda que o governo foi lento para comprar testes para detectar a Covid-19 e que sua política de testagem não era adequada à gravidade da doença no país.
Técnicos descobriram que a distribuição de kits de testes pelo Ministério da Saúde aos estados não atendia a um plano estratégico definido. Foi possível concluir que a distribuição dos testes aos Estados, Municípios e DF não obedece a nenhum critério ou tampouco está vinculada a qalquer estratégia, sendo realizada de acordo com a demanda. E que a pasta tinha testes suficientes para realizar uma ampla testagem na população,o que poderia evitar o “recrudescimento da epidemia”.
Os técnicos também descobriram que, apesar de o país ter vivido escassez de medicamentos do chamado “kit intubação” em meados de 2020, o Ministério da Saúde continuava sem ter um mecanismo próprio de monitoramento sobre o consumo dos medicamentos. Nas últimas semanas, diversos estados relataram a falta do medicamento usado para anestesiar pacientes que precisam ser intubados. A pasta acompanhava o uso desses medicamentos somente nos leitos de hospitais públicos e não considerava o consumo em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e que a distribuição dos medicamentos do kit intubação não considerava as peculiaridades das demandas dos Estados.
Na avaliação dos técnicos do TCU, a gestão da compra e distribuição dos medicamentos feita pela equipe comandada por Pazuello foi “ineficaz”.
O relatório do TCU aponta que não houve planejamento orçamentário para este ano. A proposta de recursos para o Ministério da Saúde era de R$ 20,05 bilhões para ações de combate à pandemia, sendo R$ 19,9 bilhões para a compra de vacinas. Técnicos avaliam que verba é "pequena" e o cenário "preocupante".