Racismo: denúncias contra racismo podem levar a prisão e é imprescritível (Luiz Souza/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 20 de novembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 20 de novembro de 2018 às 06h00.
São Paulo — Em 13 de maio de 1888, o Brasil encerrava uma das páginas mais sombrias de sua história, o período escravocrata. Naquele dia, o Senado do Império brasileiro aprovava a Lei Áurea, que foi ratificada pela Princesa Isabel. Impulsionada pelo movimento abolicionista, sua assinatura determinou a libertação da população negra das mãos dos donos de engenho.
A partir desse marco histórico, o povo negro se deparou com outra luta, ainda mais árdua: a de conquistar reconhecimento e igualdade social. Após 130 anos, os movimentos seguem batalhando contra o racismo do dia a dia e a desigualdade na sociedade brasileira.
Os números provam essa realidade. No Brasil de hoje, os negros continuam sendo os que mais sofrem com recessão econômica, desemprego e pobreza.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deste último trimestre mostram que, dos 12,5 milhões de desempregados, 64,2% são homens e mulheres negras.
Outra estatística confirma também que as comunidades carentes brasileiras têm cor. Apesar de 46% da população se declarar parda e 8% se considerarem negras, dados da organização social TETO Brasil mostram que em São Paulo, um total de 70% dos moradores de favelas são negros, incluindo os que se autodenominam pretos e pardos.
Em 2014, um levantamento do IBGE revelou que, no Brasil, as favelas têm 76% de moradores negros.
Comemorado nesta terça-feira (20), o dia da Consciência Negra é uma data importante para se refletir sobre a luta e as dificuldades daqueles que são discriminados pela cor da pele.
O dia foi instaurado em 2003, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da Lei 10.639. Mais do que definir que as escolas públicas deveriam incluir no calendário o feriado da Consciência Negra, a legislação torna obrigatório o ensino sobre história e cultura Afro-Brasileira para as turmas do ensino fundamental e médio.
Escolheu-se 20 de novembro por ser o dia da morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. Escravo, ele representou a luta dos negros durante o regime escravista. Liderou diversas batalhas para libertação de seu povo, mas foi capturado e decapitado em 1695. Sua cabeça foi exposta em praça pública, em Recife, para servir de exemplo a outros escravos.
Em um artigo, o pesquisador do movimento negro e professor de história da Universidade Federal de Sergipe, Petrônio Domingues, explica que a figura do Zumbi dos Palmares está presente até hoje na luta do movimento negro. "Zumbi, aliás, foi escolhido como símbolo da resistência à opressão racial. Para os ativistas, 'Zumbi vive ainda, pois a luta não acabou'", diz o texto.
Em 1989, o governo de José Sarney determinou que racismo é crime no Brasil, que atualmente é inafiançável e imprescritível. Neste ano, foi promulgada a Lei 7.716, chamada Lei Caó, em homenagem a seu autor, o então deputado e ativista do movimento negro Carlos Alberto de Oliveira.
Essa legislação determina como racismo impedir pessoas habilitadas de assumir cargos no serviço público ou se recusar a contratar trabalhadores em empresas privadas por preconceito contra raça, cor, etnia e nacionalidade.
Também comete o crime de racismo quem, pelos mesmos motivos, recusa o atendimento a pessoas em estabelecimentos comerciais (um a três anos de prisão), veda a matrícula de crianças em escolas (três a cinco anos), e impede que cidadãos negros entrem em restaurantes, bares ou edifícios públicos ou utilizem transporte público (um a três anos).
Uma propaganda do Conselho Nacional de Justiça do ano passado, alerta para a importância de denunciar o crime racial.
Para conscientizar a população de que racismo é crime, o movimento negro instaurou, também no dia 13 de maio, o Dia Nacional da Denúncia contra Racismo.
Petrônio Domingues escreve ainda em seu artigo que "movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural".
Diferente do racismo, que determina crime contra a coletividade e não contra uma pessoa ou grupo específico, a injúria racial é quando se ofende diretamente uma vítima.
Especificado no artigo 140 do código penal, no terceiro parágrafo, a injúria é inafiançável, mas prescreve em oito anos, a partir do momento do ato. A pena de reclusão é de um a três anos, mais multa.
De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Promulgada durante o segundo governo Lula, em 2010, a lei 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.
Sua função é garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Para isso, determina que a igualdade no país será promovida por meio de políticas públicas de desenvolvimento econômico e social, modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito.
Além disso, propõe a eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada.
Para implementar esse conjunto de políticas públicas, o Estatuto criou o Sistema Nacional de Promoção e Igualdade Racial (Sinapir), que tem adesão de estados, municípios e o Distrito Federal.
O Sistema tem por objetivo incentivar a sociedade civil e a iniciativa privada a participar da articulação para fortalecer e ampliar a defesa dos direitos da população negra. Por meio desses sistema, foram criadas as Ouvidorias Permanentes, garantindo acesso à Justiça e à Segurança.