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Congresso quer Ernesto Araújo fora, mas Bolsonaro resiste. Entenda a crise

Presidentes da Câmara e do Senado reclamaram da atuação do ministro das Relações Exteriores

Ernesto Araújo (Wilson Dias/Agência Brasil)

Ernesto Araújo (Wilson Dias/Agência Brasil)

AO

Agência O Globo

Publicado em 26 de março de 2021 às 11h33.

Última atualização em 26 de março de 2021 às 11h42.

A atuação do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tornou-se um dos principais focos de críticas à condução do governo federal da crise provocada pela pandemia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrou, em uma reunião fechada, uma gestão mais incisiva do Itamaraty para facilitar a chegada de vacinas e insumos — depois, em plenário, reafirmou a necessidade de “boas relações diplomáticas” com a China, país com quem o chanceler não mantém boas relações.

No Senado, enquanto parlamentares cobraram diretamente a Araújo que ele renunciasse, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco citou a área comandada pelo ministro como uma daquelas onde houve “erros” no enfrentamento da crise sanitária.

Para piorar a situação, o assessor especial da Presidência Filipe Martins, ligado a Araújo, fez um gesto associado a supremacistas durante uma sessão do Senado, o que levou a cobranças por sua demissão. O chanceler também não tem o endosso da ala militar: em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão indicou que Araújo poderia ser substituído em uma reforma ministerial. Bolsonaro, no entanto, vem resistindo às pressões.

Em quatro pontos, entenda os principais fatores que explicam a crise:

Pressão do Senado

No dia seguinte a uma sessão em que senadores cobraram sua saída do cargo, o ministro Ernesto Araújo enfrentou a oposição do próprio presidente do Senado. Para Rodrigo Pacheco, a atuação do ministério está “muito aquém da desejada”:

"O que se tem de mudar é a política externa do Brasil. As relações internacionais precisam ser mais presentes, num ambiente de maior diplomacia. Isso é algo que está evidenciado a todos, não só no Congresso Nacional mas a todos os brasileiros que enxergam essa necessidade de o Brasil ter uma representatividade externa melhor do que tem hoje".

Pacheco disse ainda que o Itamaraty não conduziu relações diplomáticas “produtivas” para a contenção da crise sanitária:

"Eu considero que nós tivemos muitos erros no enfrentamento dessa pandemia, um deles foi o não estabelecimento de uma relação diplomática de produtividade com diversos países que poderiam ser colaboradores nesse momento agudo de crise que nós temos no Brasil. Então, ainda está em tempo de mudar para salvar vidas.

No dia anterior, em uma sessão atribulada, Araújo foi cobrado por parlamentares de diversos partidos. Em comum, o pedido para que se afaste do cargo:

"Com toda a humildade, faço um apelo: renuncie. O senhor não tem mais condições de continuar à frente do ministério. Pode ser um excelente diplomata, mas não é o seu momento. Pelos brasileiros, renuncie a esse ministério".

Lira defende relações com a China

Durante a reunião convocada por Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já cobrou uma atuação mais efetiva do Itamaraty para facilitar a chegada de vacinas. Horas mais tarde, o deputado reafirmou a cobrança, desta vez em público:

"Pandemia é vacinar, sim, acima de tudo. Mas para vacinar temos de ter boas relações diplomáticas, sobretudo com a China, nosso maior parceiro comercial e um dos maiores fabricantes de insumos e imunizastes do planeta. Para vacinar temos de ter uma percepção correta de nossos parceiros americanos e nossos esforços na área do meio ambiente precisam ser reconhecidos, assim como nossa interlocução", disse Lira, durante discurso em plenário.

A relação tumultuada com a China — o chanceler já chamou o coronavírus de “comunavírus”, no início da pandemia — é vista no Congresso como um fator que atrapalha o Brasil nas negociações.

O deputado Fausto Pinato (PP-SP), que já presidiu a Frente Parlamentar Brasil-China, disse ontem que a ala ideológica, que tem em Araújo um de seus representantes, “vem interferindo na política externa do país”:

"O Supremo Tribunal Federal, o Senado e a Câmara declararam guerra à ala ideológica. Bolsonaro vai ter pela frente uma escolha difícil: ou a ala ideológica ou quem dá sustentação ao seu governo", disse, em entrevista à rádio Jovem Pan.

Assessor abre nova crise

Na mesma sessão em que o chanceler Ernesto Araújo foi pressionado por senadores em busca de mudanças na política externa do Brasil, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, provocou reações de revolta ao fazer um gesto associado a supremacistas brancos.

Enquanto Pacheco conduzia a sessão, Martins, sentado atrás dele, fez com a mão um gesto — juntando os dedos polegar e indicador em um círculo e deixando os outros três dedos esticados — que no Brasil é conhecido como um xingamento e em países como os Estados Unidos como “OK”, que, entre supremacistas, é associado às letras W e P, de White Power (poder branco).

As imagens viralizaram nas redes sociais e provocaram revolta entre dezenas de políticos que se manifestaram publicamente sobre o caso. O presidente do Senado confirmou que determinou a abertura de uma investigação pela Polícia Legislativa sobre o caso e que Martins terá o direito de se explicar às autoridades. Independente da intenção do assessor, Pacheco disse que, ao observar as imagens, é possível identificar um gesto "completamente inapropriado".

Nesta quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro comunicou a aliados que vai exonerar Filipe Martins do governo. A seu núcleo político, Bolsonaro disse que gosta de Martins, mas que o servidor errou ao fazer o gesto, durante a fala de Pacheco no Senado. E que não iria se desgastar com "gente grande" por conta do ocorrido.

Desgaste com militares

O desgaste de Araújo com a ala militar foi construído a partir de uma sequência de críticas por episódios em negociações diplomáticas. Em janeiro deste ano, o vice-presidente, general Hamilton Mourão fez uma declaração pública de que o governo poderia realizar uma reforma ministerial após a eleição dos comandos da Câmara dos Deputados e do Senado, citando como uma possível troca o Ministério das Relações Exteriores.

"Não tenho bola de cristal, nem esse assunto foi discutido comigo. Mas em um futuro próximo, depois da eleição dos novos presidentes das duas Casas do Congresso poderá ocorrer uma reorganização do governo para que seja acomodada uma nova composição política que emergir desse processo. Talvez com isso aí alguns ministros sejam trocados, entre eles, o próprio Ministério das Relações Exteriores", disse Mourão em entrevista à Rádio Bandeirantes.

Mas ainda em 2019, o chanceler já recebia críticas de um setor expressivo da ala militar do governo Bolsonaro. Em uma viagem realizada aos Estados Unidos um dia antes da operação do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, para tentar depor Nicolás Maduro causou profundo mal-estar entre altos militares brasileiros.

Segundo fontes, a informação que causou forte impacto entre os militares foi uma conversa de Araújo com Mike Pompeo, então secretário de Estado americano, e com John Bolton, então conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, a participação do Brasil numa eventual intervenção militar na Venezuela. O trio também avaliou a possibilidade de esta participação implicar a passagem de militares americanos pelo estado de Roraima, para entrar na Venezuela pelo Sul do país.

 

 

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