Rodrigo Janot: para analistas, um legado incontornável no Ministério Público (Adriano Machado/Reuters)
Luiza Calegari
Publicado em 17 de setembro de 2017 às 06h30.
Última atualização em 17 de setembro de 2017 às 06h30.
São Paulo – O último ato de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República pode ter sido uma “flechada” na água. A percepção entre analistas políticos ouvidos por EXAME.com é de que a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer não deve passar no Congresso (etapa necessária antes de ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal).
No entanto, esse último “fracasso” importa pouco na avaliação do legado de Rodrigo Janot, segundo os mesmos analistas. No posto desde 2013, ele ditou o ritmo da Lava Jato e determinou uma mudança no perfil do Ministério Público – que, agora, não pode mais voltar atrás sem causar estragos na própria instituição.
“A Raquel Dodge, ao assumir, só vai poder fazer mais que o Janot. Ele teve problemas, em alguns aspectos foi pouco cuidadoso, mas a Dodge pode ‘consertar’ isso. Ele foi o verdadeiro PGR, atuando de forma independente. Não tem mais como voltar a engavetar os processos sem acabar com o próprio MPF”, afirma Cesar Alexandre Carvalho, da CAC Consultoria.
Até pouco antes da entrega da segunda denúncia, o Congresso continuava tão alinhado a Temer quanto antes da primeira, de acordo com um levantamento do Congresso em Números, projeto do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (CTS/FGV) no Rio de Janeiro.
Cesar Alexandre Carvalho, da CAC Consultoria, também aponta que a base do governo está formada e está sólida. “Mesmo com o Temer não podendo mais distribuir dinheiro para emendas, ainda sobra uma agenda para os políticos. Os aliados estão bem amarradinhos pela manutenção do status quo, ninguém quer trocar o presidente a um ano da eleição e criar ainda mais instabilidade”, afirma.
Para João Augusto de Castro Neves, da Eurasia, a rejeição da primeira denúncia pavimentou o caminho para uma nova rejeição. “Claro que um escândalo a poucos dias da votação pode influenciar, há uma certa volatilidade nesse aspecto. Mas, depois que ele ganhou a primeira, vai ganhando o jogo de expectativas: agora é cada vez mais fácil rejeitar novas denúncias”, afirma.
Para Rafael Cortez, da Tendências, o fato de a economia estar dando sinais de recuperação também vai pesar a favor do presidente. "A melhora na economia vai ser mais um argumento para evitar uma nova transição, ele [Temer] vai poder dizer que é preciso continuar com a melhora e aprofundar as reformas".
Essa retomada também deve restringir novas manifestações populares significativas contra o presidente. Com a pressão das ruas, talvez os parlamentares se sentissem constrangidos a votar pelo encaminhamento da denúncia, mas isso é pouco provável, segundo Cortez.
Carvalho, da CAC, ainda aponta que, historicamente, o que derruba ou não o presidente não são os fatos alegados, mas o apoio parlamentar. “É só pegar o Collor, que foi inocentado pelos tribunais depois do impeachment. A mesma coisa a Dilma, ela também caiu por falta de apoio no Congresso. Com o Temer, pode acontecer exatamente o contrário: se manter na presidência, mas ser condenado depois”, explica Carvalho.
As travas políticas, de certa forma, foram um ponto negativo na gestão de Janot. Mas, para o professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie de Campinas, Orlando Sbrana, elas não apagam o legado positivo do PGR.
“Ninguém no lugar dele teria conseguido competir com o Congresso pela aceitação da denúncia. O Temer é um político, e a Procuradoria não é um cargo político”, afirmou.
Entre as virtudes de Janot à frente da PGR, o professor destaca sua capacidade de adaptação e a coragem de encabeçar as denúncias, além da coesão institucional.
“O Janot teve muita notoriedade no cargo, até por causa da notoriedade da própria Lava Jato. Mas ele teve coragem de denunciar grandes caciques da política nacional, chamou a responsabilidade para si, e soube se adaptar conforme a Lava Jato foi se estendendo para vários lados. Ele ainda conseguiu ficar acima das intrigas particulares de gabinete, o que mostra que o MPF foi uma instituição bastante coesa sob a atuação dele”, destaca Sbrana.
Para Carvalho, da CAC, houve uma “falta de cuidado” de Janot ao fatiar as denúncias contra Temer (a princípio, o plano era apresentar três denúncias, e duas foram entregues ao STF), mas que o perfil de sua sucessora, Raquel Dodge, pode amenizar essa característica.
“O Temer indicou ela justamente por ter esse perfil mais cuidadoso, porque daí ele ganha tempo. Mas a equipe que ela está montando é ótima, não é um grupo de gente que vai ficar parado, só vai ser um pouco mais prudente. A Lava Jato já ganhou vida própria, agora não tem como voltar atrás, a sociedade vai pressionar”, resume o analista.
No começo do mês, o próprio Janot colocou sob suspeita o acordo de delação fechado com Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos da J&F (holding que é dona da JBS), e, na quinta, decidiu por sua rescisão. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda precisa decidir se as provas entregues nas delações vão continuar válidas, mesmo depois de os empresários terem perdido os benefícios combinados no acordo.
Para os analistas, no entanto, ainda é cedo para afirmar o peso que essas suspeitas vão ter sobre o legado de Janot e a avaliação de seu desempenho.
“Muito vai depender das investigações, mas ainda é cedo para afirmar o impacto para Janot”, alega João Augusto de Castro Neves, da Eurasia. “Ele sai da PGR com um tom final um pouco mais preocupante, que arranhou a imagem dele, mas o legado vai depender das investigações”.
Para Cesar Alexandre Carvalho e para o professor Orlando Sbrana, no entanto, a foto de Janot em um bar com o advogado da JBS, Pierpaolo Bottini, é o ponto mais obscuro do fim da carreira do PGR.
“Não precisava disso. Eles disseram que foi um encontro casual, mas pareceu mais um encontro casualmente forçado, especialmente por parte do advogado”, afirmou Sbrana.