Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, após resultado no TRF4, dia 24/01/2018 (./Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 12h18.
Última atualização em 26 de janeiro de 2018 às 21h56.
São Paulo – Dos três cenários possíveis para o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em segunda instância, a condenação por unanimidade é o pior desfecho que o petista e seu partido poderiam enfrentar.
Tanto que, ao reafirmar-se candidato no final da manhã de ontem (25), o petista admitiu pela primeira vez que pode não estar nas eleições deste ano. Horas depois, seu passaporte foi apreendido em uma amostra de que Luiz Inácio terá um caminho penoso para se consolidar para o próximo pleito – mesmo que continue na liderança das pesquisas de intenção de voto.
Contudo, isso está longe de significar o fim da linha para o fenômeno Lula, segundo analistas ouvidos pelo site EXAME. “Todos os cenários seriam ruins para o Lula, mas nenhum o tiraria da parada”, afirma o cientista político Bolivar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria. “Ele vai se vitimizar, vai fazer campanha dizendo que é um golpe pessoal contra ele, vai tentar ao máximo ser uma sombra nas eleições”.
A Lei da Ficha Limpa determina que condenados por órgão colegiado ou decisões por trânsito em julgado (quando todos recursos se esgotam) ficam inelegíveis. Logo, Lula já estaria inabilitado para o próximo pleito. Mas ainda cabem recursos para reverter a decisão. A chance de que ele participe da disputa é de 30%, segundo relatório da consultoria Eurasia.
Mesmo que a condenação seja mantida, o PT ainda poderia registrar a candidatura de Lula até 15 de agosto. Um eventual processo de impugnação de seu registro só seria aberto depois que a candidatura fosse questionada na Justiça Eleitoral.
De acordo com o advogado eleitoral Francisco Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Palomo e Advogados Associados, o trâmite de uma ação desse tipo pode durar cerca de 30 dias. Nesse meio tempo, Lula estaria livre para “praticar todos atos de campanha, inclusive aparecer no horário eleitoral”, afirma o jurista.
Com uma eventual impugnação da candidatura de Lula, o PT teria até 10 dias depois da sentença e 20 dias antes das eleições para apresentar um substituto. “A capacidade de transferência de votos de Lula depende essencialmente de quando ele sair [da disputa]. Quanto mais próximo da eleição, maior a capacidade de transferência”, afirma Maurício Moura, presidente da Ideia Big Data.
Os especialistas ouvidos pelo site EXAME calculam que o possível substituto de Lula teria entre 10% e 15% dos votos válidos – um número que, em uma eleição extremamente pulverizada, poderia até conduzi-lo ao segundo turno a depender da distribuição dos votos dos demais candidatos.
Lula hoje congrega cerca de 35% das intenções de voto e, segundo a série histórica da pesquisa Barômetro Político Estadão-Ipsos, sua taxa de aprovação estava em ascensão nos últimos seis meses. Em dezembro, chegou ao ápice com 45%.
As caravanas do ex-presidente pelo país (e sua presença constante nas diferentes mídias e imaginário popular) explicam, em partes, essa recuperação da imagem do petista. Mas ele também pode ter se beneficiado dos escândalos envolvendo outros partidos e políticos.
“No início das investigações, o foco todo era contra o PT. Mas, nos últimos meses, as suspeitas se espalharam por quase todos os partidos políticos. O desencantamento com a classe política se aprofundou, mas a ideia entre os eleitores é de que pelo menos Lula os tirou da pobreza”, afirma Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria de análise política e econômica Eurasia.
Essa tendência de alta, contudo, tende a arrefecer depois da condenação – principalmente se Lula for impedido de circular pelo país. "Esse público oscilante, que passou a apoiá-lo por conta de sua campanha informal, pode voltar a vê-lo com desaprovação", diz Danilo Cersosimo, diretor da consultoria Ipsos Public Affairs.
Por outro lado, Ricardo Gondo Macedo, professor de marketing político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que a condenação até pode fortalecer a reconstrução da imagem do ex-presidente como ícone. “Mas mitos não necessariamente elegem presidentes”, avalia.
A questão, para Roberto Romano, professor emérito de filosofia política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ultrapassa o debate se o PT conseguirá ou não eleger um presidente em 2018. O ponto é se o partido saberá usar "com prudência e inteligência" o capital político que Lula acumulou com vistas a recompor suas bases e bancada no Congresso.
“O PT precisa repensar a si mesmo e a sua história, precisa gerar um discurso que utilize a imagem positiva do Lula junto com um plano viável alternativo às propostas do atual governo”, afirma o professor.
A maior parte dos analistas políticos ouvidos pelo site EXAME vê essa hipótese com ceticismo. Primeiro porque a imagem do partido está combalida depois de uma temporada de escândalos que atingiu praticamente todas as suas principais lideranças. O segundo argumento é que a legenda se fortaleceu ao longo dos anos em torno de apenas um indivíduo e, hoje, é nisso que reside sua maior fraqueza.
“O paradoxo do PT é que ele tem um mito como líder político e, por conta disso, não estimulou que surgissem novas lideranças. Esse é o paradoxo de todo partido que tem dono”, afirma o cientista político Fernando Luis Schuler, professor do Insper.
Ontem, ao reafirmar que seria candidato, Lula alertou a Executiva Nacional do PT que a candidatura à presidência da República não poderia depender apenas dele. O aviso, contudo, pode ter chegado tarde. Cersosimo, da Ipsos, avalia que o PT não tem tempo hábil “para se reorganizar a ponto de apresentar uma proposta para o país”.
De qualquer forma, candidato ou não, fora ou atrás das grades, a imagem de Lula deve permanecer latente no imaginário político brasileiro por um bom tempo e não ficará de fora das próximas eleições – nem que seja apenas na narrativa da militância que o segue.
*Colaboração de Karin Salomão