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Como o Brasil pode reduzir cadeias lotadas com uma mudança

Déficit de vagas no sistema prisional brasileiro é de 250 mil – mesmo número de presos que aguardam julgamento no Brasil

Detentos no presídio de Pedrinhas, no Maranhão: Brasil opera com uma taxa de ocupação de 67% acima da capacidade máxima de suas cadeias (Agência Brasil)

Detentos no presídio de Pedrinhas, no Maranhão: Brasil opera com uma taxa de ocupação de 67% acima da capacidade máxima de suas cadeias (Agência Brasil)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 4 de julho de 2016 às 16h35.

Última atualização em 3 de janeiro de 2017 às 13h37.

São Paulo – O último levantamento do Ministério da Justiça sobre a situação dos presídios brasileiros traz uma pista sobre como pelo menos reduzir o problema de superlotação carcerária, que há décadas contribui para que as cadeias do país sejam como verdadeiras "masmorras medievais".

Em dezembro de 2014, quando foi feito o estudo, o Brasil operava com uma taxa de ocupação de 67% acima de sua capacidade máxima. Faltavam 250 mil vagas para dar conta do crescente número de presos no país.

Curiosamente, a quantidade de presos provisórios (que ainda não tinham sido julgados), naquele momento, era equivalente ao tamanho do déficit de vagas no sistema prisional: exatamente 249.668 detentos estavam nessa situação.

Por lei, um juiz só pode determinar a prisão preventiva nos casos em que a liberdade dos acusados coloca em risco o andamento do processo ou a segurança das testemunhas, ou quando há risco concreto de fuga ou sinais contundentes de que o suspeito pode voltar a cometer crimes.

Especialistas sugerem que nem todos presos provisórios, de fato, precisariam estar nessa condição. “A frase já ficou batida, mas é bom lembrar: o Brasil prende muito, mas prende muito mal”, afirma Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz. “Se o remédio para todos os crimes é a prisão, a gente vai ter esse resultado que temos hoje”.

Um caminho

Uma medida para reduzir o volume excessivo de prisões preventivas e suas consequências desastrosas para o sistema carcerário é elevar o número de audiências de custódia. Lançado em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça, o projeto garante que um preso em flagrante seja apresentado a um juiz em menos de 24 horas.

Depois da instalação das audiências de custódia em São Paulo há três anos, o número de prisões preventivas caiu pela metade. “É muito mais fácil para um juiz decretar uma prisão no papel do que olhando no olho”, afirma o defensor público Bruno Shimizu, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Ao menos quatro estados brasileiros poderiam praticamente zerar o problema da superlotação carcerária se, como a cidade de São Paulo, reduzissem pela metade o número de presos provisórios.

A proposta, contudo, ainda engatinha no Brasil. Para se ter uma ideia, no estado de São Paulo, apenas capital e região metropolitana fazem parte do projeto. Na maior parte do país, a decisão de um juiz para manter um réu na cadeia antes de julgá-lo ainda é feita sem que o acusado tenha a oportunidade adequada para se defender.

“O delegado ouve o suspeito e encaminha o auto de prisão em flagrante para o juiz, que tem 24 horas para decidir sem ouvir o preso, sem saber se ele está torturado. E, normalmente, decide pela prisão”, diz Shimizu.

Desde 2011, tramita no Senado um projeto de lei que institui a audiência de custódia em todo país. No final do ano passado, o projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Casa que pediu urgência para a apreciação da matéria no plenário. Desde maio, o assunto aguarda na fila de votação.

O preço

Segundo estudo do IPEA divulgado no ano passado, 37% dos réus que respondem a um processo encarcerados acabam não recebendo uma sentença de restrição de liberdade. Dito de outra forma: essas pessoas cumpriram uma pena em regime fechado sem ao menos terem sido condenadas a isso.

Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a taxa de presos provisórios que foram encarcerados indevidamente em 2013 é de 54%, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz. De cada 10 réus nessa condição, 3 foram condenados apenas a prestar serviços comunitários, reparar os danos causados, pagar uma multa ou ao regime semiaberto.

Além do custo social e humano, esse encarceramento sem necessidade também pesa para os cofres públicos. No Rio, o custo mensal de uma prisão provisória é de 1,7 mil reais. Só em 2013, as mais de 7,7 mil prisões preventivas levadas a cabo na capital fluminense custaram 45 milhões de reais. 

E a conta ainda pode aumentar. Está na agenda de análise dos ministros do Supremo  Tribunal Federal o caso de um detento que pede indenização por danos morais ao estado do Mato Grosso do Sul por ter ficado sete anos em um presídio com capacidade para 262 pessoas, mas que abrigava 674 presos. Se os magistrados derem ganho de causa para o ex-detento, devem pipocar ações semelhantes pelo país. 

Em 2016, os ministros do STF já reiteraram seu questionamento ao atual quadro do sistema prisional. Foi aprovada uma súmula vinculante que determina que a falta de vagas no regime semiaberto permitirá ao preso uma pena mais branda.

Nos últimos 14 anos, a população carcerária no Brasil aumentou 167%. Reduzir o número de presos provisórios não irá resolver o problema da superlotação, mas – no mínimo – pode ajudar a desafogar um pouco os níveis de insalubridade que definem as cadeias brasileiras. 

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