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Como evitar que os crimes da ditadura voltem a acontecer

Trinta anos após fim da ditadura, violações de direitos humanos persistem na realidade brasileira. Comissão da Verdade enumerou ações para inibir essas práticas; veja as principais

Memória: "é lamentável que o Exército fique impondo obstáculos às investigações" (Paulo Pinto / Fotos Públicas)

Memória: "é lamentável que o Exército fique impondo obstáculos às investigações" (Paulo Pinto / Fotos Públicas)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 10 de dezembro de 2014 às 15h27.

São Paulo – Durante quase cinco décadas, cerca de 434 pessoas foram vítimas da repressão política no Brasil. O resultado é fruto de mais de dois anos de investigações da Comissão Nacional da Verdade sobre violações contra os direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.

A maior parte dos casos aconteceu durante o regime militar, quando ”a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado”, afirma o relatório da comissão divulgado nesta quarta-feira e entregue à presidente Dilma Rousseff, que também foi torturada durante a ditadura. 

Com isso, o documento nega a versão das Forças Armadas de que as violações contra os direitos humanos no período eram casos isolados.

No entanto, segundo o relatório, o problema de violações de direitos humanos está longe de ser extinto do território nacional. Quase trinta anos após o fim da ditadura, crimes semelhantes aos vividos por presos políticos continuam sendo praticados no Brasil.

“A prática de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e mesmo ocultação de cadáveres não é estranha à realidade brasileira contemporânea”, afirma o texto.

Para inibir tais práticas e eliminar qualquer condição para que um regime de exceção volte a tomar corpo no país, a comissão listou 29 ações. Entre elas estão a criação de ouvidorias para os presídios, desmilitarização da Polícia Militar e reformar na legislação vigente.

Veja um resumo das principais sugestões da Comissão da Verdade para o governo brasileiro.

1. Reconhecer e punir responsáveis pelas violações de direitos humanos

A primeira recomendação do relatório é para que as Forças Armadas reconheçam as violações de direitos humanos durante a ditadura militar. A Comissão pede também a punição dos agentes públicos que se envolveram em tais atos. Ao todo, 377 pessoas foram consideradas responsáveis pelos crimes cometidos no período. Veja a lista

Estudantes simulam o pau de arara, método de tortura, durante protesto contra a impunidade dos crimes da ditadura militar (Antonio Cruz/ABr/Wikimedia Commons)

O relatório afirma que as prisões arbitrárias, os casos de tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultações de cadáveres podem ser considerados crimes contra a humanidade. E, portanto, os responsáveis por cada ato não teriam direito à anistia.

2. Mudar o currículo e os processos de seleção das Forças Armadas e órgãos de segurança pública

O documento recomenda que o processo de seleção para integrar as Forças Armadas ou polícias e o currículo das academias militares e de polícia devem incluir temas voltados para a promoção da democracia e dos direitos humanos.

3. Retificar registros oficiais como atestados de óbito

A causa da morte e demais informações sobre vítimas da ditadura devem ser revisadas e retificadas, sugere o documento. O caso do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, é o mais emblemático da prática que visava a encobrir os crimes.

Apesar de ter sido assassinado nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) em 1975, o atestado de óbito de Herzog afirma que ele teria morrido por asfixia e, portanto, seria mais um caso de suicídio.

Suposta foto do jornalista Vladimir Herzog durante prisão no DOI-Codi (José Cruz/Abr)

4. Combater a tortura

O documento mostra que, quase trinta anos após o fim da ditadura militar, a tortura continua sendo praticada no Brasil. Parte do motivo para isso está na omissão da administração pública que, segundo o relatório, não denuncia ou combate de maneira eficaz tais práticas.
A Comissão da Verdade aconselha, então, que sejam criados mecanismos para combate e prevenção à tortura no Brasil.

5. Fazer uma reforma no sistema prisional e expandir o acesso à Justiça

Das 29 recomendações da Comissão, três são dedicadas à mudanças pontuais no sistema prisional. O texto afirma que a revista íntima de pessoas que visitam detentos deveria ser abolida e critica a privatização dos presídios.

Suposta foto do jornalista Vladimir Herzog durante prisão no DOI-Codi (Agência Brasil)

Além disso, a comissão constatou que “a dificuldade de acesso dos presos à Justiça facilitou a possibilidade de que [eles] fossem vítimas de abusos, por ação ou omissão da administração pública”, afirma o texto.

Por isso, o relatório recomenda o fortalecimento das Defensorias Públicas, que oferecem atendimento jurídico gratuito para pessoas de baixa renda.

6. Desmilitarizar a Polícia Militar

O relatório defende uma mudança constitucional para a desmilitarização das polícias militares estaduais, constituídas dessa forma durante a ditadura militar.

  “Essa anomalia vem perdurando, fazendo com que não só não haja a unificação das forças de segurança estaduais, mas que parte delas ainda funcione a partir desses atributos militares, incompatíveis com o exercício da segurança pública no Estado democrático de direito”, afirma o texto.

O documento sugere a extinção da Justiça Militar estadual e a exclusão de civis da jurisdição militar. Além disso, a comissão defende que seja cortada do Código Penal Militar qualquer referência que discrimine homossexuais.

7. Aperfeiçoar a legislação vigente

O relatório defende a revogação da Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Segundo o documento, o texto de 1983 “reflete as concepções doutrinárias que prevaleceram no período de 1964 a 1985”.  

O documento sugere também que a legislação brasileira adote as medidas penais para crimes contra a humanidade e por desaparecimento forçado. 

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