Luiz Inácio Lula da Silva: Lula inspirou com promessas de um “novo Brasil” que deixaria para trás cinco séculos de pobreza e corrupção (Paulo Fridman/Bloomberg News)
Da Redação
Publicado em 8 de maio de 2015 às 16h54.
Com o desdobramento de um imenso escândalo de corrupção, os brasileiros se deparam com algumas verdades duras: os poderosos e os bem relacionados ainda dividem as riquezas do país entre si.
O milagre econômico da década passada foi, em grande parte, uma miragem. E o futuro é adiado novamente.
Em meados de 2013, a investigadora da Polícia Federal do Brasil, Erika Mialik Marena, percebeu que havia alguma coisa estranha.
Alberto Youssef, suspeito de chefiar um banco paralelo para os ricos, havia pago R$ 250.000 (cerca de US$ 125.000 na época) por um Land Rover.
O SUV Evoque, na cor negra, era um presente para Paulo Roberto Costa, ex-gerente de uma divisão da companhia petrolífera nacional do Brasil, a Petrobras.
“Nós estávamos investigando um caso de lavagem de dinheiro e nosso foco nunca foi a Petrobras”, diz Marena. “Paulo era apenas mais um cliente dele. Foi aí que começamos a questionar, ‘Por que ele está recebendo um carro deste valor de um doleiro desses? Quem é esse cara?”.
Marena havia passado a década anterior reunindo provas contra suspeitos de lavagem de dinheiro e Youssef era um alvo constante.
Ele havia sido preso pelo menos nove vezes por usar jatos privados, carros blindados, coletas clandestinas feitas por transportadores de malas e uma rede de empresas de fachada para movimentar dinheiro ilícito.
Mas Youssef vinha sendo poupado de um longo período de prisão por testemunhar repetidas vezes contra outros doleiros, a gíria brasileira para descrever os especialistas na lavagem de dinheiro não declarado.
A conexão com a Petrobras sugeria que Youssef estava envolvido com algo maior. Marena e seu parceiro, o investigador Márcio Anselmo, se debruçaram sobre Costa a partir de seus escritórios na moderna sede de vidro e concreto da Polícia Federal na cidade de Curitiba, 400 quilômetros ao sul de São Paulo.
Mais uma dezena de investigadores e procuradores se uniram a eles e o caso se tornou tão grande que o procurador-geral da República criou uma força-tarefa em um espaço de escritório temporário do outro lado da cidade.
Em março de 2014, o juiz federal Sérgio Moro havia começado a capturar dezenas de suspeitos. (Pelo sistema judiciário brasileiro, um juiz acusa um réu formalmente, aprova os principais passos da investigação da polícia e do Ministério Público, ouve testemunhas e depois decide se o réu é culpado ou inocente).
Eles foram acusados no tribunal de Moro de participarem de um esquema de manipulação de propostas de proporções impressionantes.
Por anos, segundo afirmado pelos procuradores no tribunal de Moro, um cartel formado pelas maiores e mais ricas construtoras do Brasil concentrou uma enorme fatia da sétima maior economia do mundo, subvertendo as concorrências na indústria petrolífera e, possivelmente, os enormes programas de obras públicas que impulsionam o crescimento e a criação de empregos.
Os brasileiros estão paralisados pelo escândalo, apelidado de Operação Lava Jato porque parte dos fundos foram lavados por meio de uma rede de postos de combustíveis.
Moro ordenou mais de uma dúzia de operações até o momento e prisões de executivos, banqueiros, políticos e transportadores de malas, mandando alguns para a cadeia diante de uma falange de câmeras de televisão. Um suspeito usou seu jatinho privado para se entregar em Curitiba.
Outro passou suas últimas horas de liberdade na suíte de um hotel na lendária praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, para evitar ser levado de casa algemado.
Os presos dividiram quatro celas na sede da polícia de Curitiba com sanitários coletivos sem porta. Outros dormiram em colchões colocados diretamente sobre o chão.
Uma dúzia deles confessou ter pago ou aceito propinas e combinado contratos, alguns em depoimentos gravados em vídeo postados na internet.
Um ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco, descreveu como recebeu quase US$ 100 milhões em propinas; depois disso, ele devolveu a maior parte do dinheiro para tentar uma delação premiada.
De março de 2014 para cá, os procuradores acusaram mais de 110 pessoas de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros. Seis empresas de construção e engenharia foram acusadas de enriquecimento ilícito em processos administrativos.
Em 22 de abril, Moro definiu as primeiras condenações.
Ele decidiu que Costa e Youssef são culpados de lavagem de dinheiro, o que inclui a compra do Land Rover. Moro concedeu sentenças reduzidas a ambos -- dois anos de prisão domiciliar para Costa e três anos de prisão para Youssef -- por cooperarem com os investigadores.
Tudo isso é uma espécie de prévia do grande show: os investigadores dizem que conseguirão denunciar algumas das maiores construtoras do Brasil por formação de cartel ilegal.
“Restou provada a existência de um esquema criminoso no âmbito da Petrobras, e que envolvia cartel, fraudes à licitação, pagamento de propinas a agentes públicos e a agentes políticos e lavagem de dinheiro”, escreveu Moro, nas sentenças de Costa e Youssef. “Vai ter uma acusação de cartel”, diz Carlos Lima, um dos chefes da investigação do caso.
“Eu não gosto de me adiantar e dizer que isso vai acontecer, mas vai. É só questão de tempo”.
Nos processos abertos no tribunal do juiz Moro, os procuradores nomearam 16 empresas que teriam formado um cartel para arranjar contratos com a Petrobras entre 2006 e 2014. A lista inclui algumas das maiores firmas de construção e engenharia do Brasil, como Camargo Corrêa, OAS, UTC Engenharia e a maior de todas, a Construtora Norberto Odebrecht.
A Camargo Corrêa preferiu não comentar o assunto e as demais empresas negam que tenham feito parte de um cartel.
A Petrobras diz que não sabia nada a respeito da manipulação de ofertas e que está “colaborando” com as autoridades na investigação.
“A empresa tem certeza” de que foi vítima de um cartel, disse Mario Jorge Silva, gerente de desempenho da Petrobras, em 22 de abril, em entrevista coletiva.
Em seus balanços financeiros, a Petrobras diz que um total de R$ 199,6 bilhões em contratos foram manipulados pelo suposto cartel.
Durante anos um coproprietário da empresa de engenharia UTC convocou os membros do cartel para reuniões em seu escritório em São Paulo por meio de mensagens de texto, segundo um depoimento e documentos apresentados ao tribunal presidido por Moro.
Os participantes eram recebidos por um assistente, que entregava etiquetas com nomes a eles.
Nas reuniões, os executivos tomavam anotações detalhando de que forma o suposto cartel dividiria os contratos da Petrobras aplicando preços inflados.
Uma construtora elaborou um guia codificado de duas páginas e meia para os membros do grupo que descreve as ofertas para as licitações como um torneio de futebol, com ligas e equipes.
Outro documento desenhado por um membro do grupo lista os vencedores escolhidos de licitações seguintes de 14 contratos para construção de uma refinaria, com o título Proposta de Fechamento do Bingo Fluminense, usando o gentílico do estado do Rio de Janeiro.
Os procuradores dizem que as construtoras ficavam impunes porque pagavam subornos, normalmente 3 por cento sobre o total, por cada contrato.
A Petrobras estima que a corrupção totalizou pelo menos R$ 6,2 bilhões, uma boa parte disso, segundo os procuradores, desviados para os cofres de partidos que apoiaram Luiz Inácio Lula da Silva, presidente entre 2003 e 2010, e sua sucessora escolhida a dedo, Dilma Rousseff.
Lula e Dilma não foram acusados de nenhuma irregularidade, mas procuradores especiais abriram investigações criminais sobre mais de 50 membros do Congresso e outros políticos implicados no esquema de corrupção.
Não é somente o drama do crescente escândalo o que chama a atenção dos brasileiros. Existe um sentimento crescente de resignação -- e raiva - pelo fato de o Brasil, um país que parecia tão perto de se juntar ao grupo dos países desenvolvidos do mundo, não vai chegar lá.
Lula inspirou o país com promessas de um “novo Brasil” que deixaria para trás cinco séculos de pobreza e corrupção.
Os brasileiros agora acreditam que por trás da mensagem de Lula havia um jogo de fraude e corrupção que enriqueceu alguns poucos e tirou competitividade do país.
Um escândalo de corrupção é a última coisa de que a economia do Brasil precisa: o país está vivendo, nos últimos quatro anos, a pior crise em um quarto de século.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está tentando reduzir déficits para evitar um catastrófico rebaixamento do rating de crédito do Brasil para junk (grau especulativo). Ele propõe a redução dos programas sociais que atendem milhões de pessoas.
O que talvez seja mais sério é que o escândalo corroeu a democracia brasileira, enfraquecendo tanto o governo de Dilma que ela perdeu o poder de aprovar leis importantes no Congresso.
O índice de aprovação de Dilma caiu para 9 por cento em abril, o pior da história para um presidente brasileiro. Em 15 de março, e novamente em 12 de abril, multidões foram às ruas nas grandes cidades do Brasil para exigir o fim da corrupção e o impeachment de Dilma.
Os revezes do país ressuscitaram, com um novo tom de amargura, um velho refrão popular: “O Brasil é o país do futuro e sempre será”.
Numa abafada manhã de fevereiro, Antônio Delfim Netto está sentado em seu escritório em uma velha casa de pedra em São Paulo, sem acreditar no tamanho do escândalo da Petrobras.
Mas talvez o economista de 87 anos não devesse estar surpreso. De alguma forma, Delfim lançou a base do entrelaçado mundo da política, dos negócios e das finanças do Brasil.
Em 1969, no auge da ditadura militar que assumiu o poder após um golpe de Estado, em 1964, e governou o Brasil até março de 1985, Delfim, na qualidade de ministro da Fazenda, criou uma política chamada reserva de mercado.
Isso deu às construtoras brasileiras o controle de contratos com o governo ao deixar de fora a maior parte das concorrentes estrangeiras. Na sequência vieram incentivos fiscais e crédito subsidiado.
Os comandantes militares tinham planos de realizar enormes obras públicas para ligar as vastas regiões desabitadas do Brasil e algumas construtoras familiares receberam os principais contratos.
“Nós precisávamos que as construtoras fossem fortes e completamente leais ao Brasil”, diz Delfim, com seu enorme dorso fazendo parecer pequena uma grande cadeira de madeira.
Duas dúzias de caricaturas emolduradas de Delfim produzidas pelos mais famosos cartunistas do Brasil cobrem as paredes e algumas de suas dezenas de milhares de livros de economia preenchem uma estante.
Quando Delfim elaborou essas políticas protecionistas, as construtoras cultivaram laços com os ditadores, segundo a Comissão Nacional da Verdade, que emitiu um relatório em dezembro a respeito dos abusos cometidos durante a ditadura militar.
A Camargo Corrêa, que está implicada no escândalo atual, estava entre as empresas que ganharam favores ajudando a financiar a Operação Bandeirantes, uma campanha criada para caçar e torturar insurgentes suspeitos nos anos 1970, concluiu a comissão.
Uma das vítimas da operação foi Dilma Rousseff, à época uma jovem integrante de um grupo armado esquerdista de oposição. Ela foi presa e torturada (Delfim disse, em audiência da Comissão da Verdade, no ano passado, que não sabia de nenhuma tortura).
A Construtora Norberto Odebrecht, maior empresa do ramo na América Latina em receita, é, talvez, uma das mais hábeis na mistura de negócios e política. Isso ocorre desde 1944, quando Norberto Odebrecht, à época um engenheiro de 24 anos de fala mansa, convenceu um banco estatal a resgatar a construtora falida de seu pai, a Emílio Odebrecht Cia., na cidade de Salvador, no Nordeste do Brasil.
Norberto, então, criou a empresa que ostenta seu nome e que absorveu as operações do negócio de seu pai. A construtora é, agora, parte, da Odebrecht SA, um conglomerado com 15 divisões espalhadas por 21 países.
A Petrobras foi fundamental para o crescimento da Odebrecht nos anos 1950 e 1960. A empresa ganhou uma série de contratos com a Petrobras para construir dutos, canais, usinas de energia e poços de petróleo por todo o Nordeste.
Um dos primeiros grandes trabalhos da Odebrecht fora do Nordeste foi o edifício-sede da Petrobras, de 27 andares, no Rio de Janeiro, concluído em 1971.
O imponente monolito de concreto fica em frente ao oblíquo edifício-sede em vidro negro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, também construído pela Odebrecht.
A ditadura militar continuou entregando contratos à Odebrecht, incluindo os das obras do aeroporto internacional do Rio e da Usina Nuclear de Angra. A Odebrecht também se valeu de suas ligações políticas para conseguir negócios fora do Brasil, começando com contratos para a construção de uma usina hidrelétrica no Peru e para desviar um rio no Chile do ditador Augusto Pinochet.
Em 1981, quatro executivos da Odebrecht voaram para Moscou em uma missão comercial com Delfim Netto, que era ministro do Planejamento na época.
A Odebrecht queria a ajuda do governo para influenciar os soviéticos a persuadirem aliados a darem negócios à empresa, diz Delfim. A viagem ajudou a produzir grandes contratos no Brasil e no Peru e o primeiro projeto da Odebrecht em Angola.
“Não há nada de estranho em nada disso; isso é o que os governos fazem por suas empresas o tempo todo”, diz Delfim.
O filho de Norberto, Emílio, se tornou CEO da empresa em 1991. Pouco depois, o governador do estado de São Paulo, Mário Covas, apresentou Emílio a um líder que seria preso 90 dias depois pelo regime militar: Luiz Inácio Lula da Silva.
Marcelo Odebrecht, que sucedeu seu pai, Emílio, em 2008, conta a história em uma entrevista na sede da Odebrecht em São Paulo.
“Ele disse, ‘Emílio, esse é um dos políticos que eu acho que tem o melhor futuro no Brasil. Vale a pena voce conhecer’”, diz Marcelo. “Desde então, a gente sempre teve uma interação com Lula”.
A Odebrecht colocou dinheiro em campanhas políticas, inclusive nas de Lula, uma prática adotada por todas as grandes construtoras. As construtoras que estão sendo investigadas no escândalo da Petrobras contribuíram legalmente com R$ 344 milhões para os partidos políticos em 2014, um ano eleitoral.
Cerca de metade foi para os três partidos implicados no escândalo, segundo os registros eleitorais brasileiros. A participação da Odebrecht e de suas subsidiárias foi de R$ 88 milhões, a maioria para os três partidos.
Marcelo Odebrecht diz que sua empresa fez contribuições para cerca de 150 membros do Congresso. “Se você acredita em um cara que vai ser importante e que pode te apoiar no Congresso, você tem que apoiar ele”, diz ele.
“E obvio, se você e uma pessoa que doa para alguém, no mínimo ele vai te receber para escutar”.
Depois que Lula ganhou a presidência, em 2002, pela maior margem da história do Brasil, a Odebrecht cresceu rapidamente. Lula e sua legenda, o Partido dos Trabalhadores, PT, prometeram uma revolução que levaria o Brasil a um novo patamar, tendo projetos ousados de obras públicas como base de seus planos. A Odebrecht ganhou alguns dos maiores contratos.
Lula logo apresentou Marcelo a Dilma, que na época era a ministra de Minas e Energia. “Interagimos com ela muito”, diz Marcelo. “Sempre foi uma relação de muita confiança”.
Lula tinha também objetivos de política externa; ele falava em transformar o Brasil em uma espécie de superpotência do mundo em desenvolvimento. Isso significava novos negócios para as construtoras brasileiras em lugares como Cuba e Equador, possibilitados por financiamentos subsidiados do BNDES.
Nos governos Lula e Dilma, os projetos da Odebrecht fora do Brasil foram regados com R$ 5,5 bilhões em financiamentos do BNDES entre 2009 e 2014, mais do que o recebido por qualquer outra empresa brasileira exceto a fabricante de aeronaves Embraer.
A Odebrecht não foi acusada de conexão com a Operação Lava Jato; também não teve funcionários acusados individualmente.
“A Construtora Norberto Odebrecht nunca participou de cartel, seja em contratos com a Petrobras ou com qualquer outro cliente público ou privado”, disse a Odebrecht em um comunicado enviado à Bloomberg. No entanto, a empresa está sob apuração, juntamente com outras construtoras, em pelo menos três investigações criminais e regulatórias.
Em novembro, Moro ordenou que agentes federais efetuassem buscas nas residências e escritórios de dois executivos da Odebrecht. As diligências não renderam acusações formais.
Um desses executivos era Márcio Faria. Segundo depoimento de Youssef, o doleiro condenado, concedido sob juramento no tribunal de Moro, Faria negociou com Costa uma recompensa de R$ 20 milhões por R$ 4,5 bilhões em contratos de refinarias da Petrobras que a empresa ganhou em dezembro de 2009. Youssef disse que a propina foi destinada a políticos.
Faria, agora diretor de uma divisão de engenharia industrial da Odebrecht, encaminhou as perguntas à Odebrecht. Faria não fez nada ilegal nos fechamentos de negócios com a Petrobras, disse a Odebrecht em um comunicado enviado por escrito.
“A Odebrecht nega em especial ter feito qualquer pagamento ou depósito em suposta conta de qualquer executivo ou ex-executivo da estatal”, disse a empresa em referência à Petrobras.
Desde que Lula deixou a presidência, no dia 1º de janeiro de 2011, a Odebrecht levou o ex-presidente de avião para o exterior como palestrante pago em eventos para clientes e grupos empresariais.
“A gente tenta de reforçar a imagem do país”, diz Marcelo. “Eu vejo isso no mundo todo”.
Delfim Netto, o economista, assessorou todos os presidentes, exceto um, nas últimas três décadas. Ele entende como o poder é exercido no Brasil. Contudo, ele diz estar surpreendido pelo cartel que teria penetrado na Petrobras.
“O que é chocante é como um cartel entrou em conluio com o Estado na empresa mais importante do Brasil”, diz Delfim, balançando a cabeça em sinal de descrença. “Mas eu não me arrependo de nada que eu fiz. Essas empresas construíram o Brasil moderno”.
No início de setembro de 2007, Lula caminhou com dificuldade em meio a uma chuva torrencial no canteiro de obras da refinaria Abreu e Lima da Petrobras, no estado de Pernambuco, no Nordeste do Brasil.
Vestindo luvas brancas de proteção e um capacete de segurança da Petrobras, ele subiu em uma retroescavadeira e ajudou a guiar o braço de aço da máquina em direção à terra vermelha, inaugurando o projeto.
A Petrobras construiria Abreu e Lima com financiamento do então presidente venezuelano, Hugo Chávez, socialista como Lula, para transformar o petróleo do país, que parece piche, em combustível para os brasileiros. (Posteriormente a Venezuela desistiu do acordo).
Cada real seria gasto de forma inteligente pela Petrobras, disse Lula, e Dilma, na época ministra-chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras, cuidaria disso. “Antigamente diziam que a Petrobras não prestava contas a ninguém”, disse Lula.
“Agora eu solto a Dilma Rousseff em cima dele”.
Nos meses posteriores à visita de Lula, dizem os procuradores, o cartel traçou planos para Abreu e Lima. Em abril ou maio de 2008, Rogerio Araújo, à época diretor da divisão de engenharia industrial da Odebrecht, entregou a Barusco, gerente-executivo da divisão de engenharia da Petrobras, uma lista de membros do cartel para serem convidados a apresentar ofertas para os contratos da refinaria, disse Barusco, em depoimento para o caso criminal no tribunal de Moro.
Araújo, atualmente um executivo da divisão de engenharia industrial da Odebrecht, negou, por meio de um comunicado emitido pela empresa, ter feito parte de um cartel ou cometido qualquer irregularidade.
“A Odebrecht nega veementemente as alegações caluniosas feitas pelo réu confesso”, disse a empresa.
Em dois meses, Barusco firmou um plano de recebimento de propostas para 12 pacotes de contratos, que posteriormente foram concedidos a empresa integrantes do suposto cartel.
Os parceiros do suposto cartel dentro da Petrobras eram fundamentais para o esquema. Eles cobravam das construtoras propinas de até 3 por cento pelo direito de manipular contratos, segundo depoimentos de Costa e de outras testemunhas. As propinas, segundo eles, eram divididas entre três partidos políticos e os próprios executivos por meio de pagamentos que passavam por Alberto Youssef e outros intermediários.
Auditores do governo logo começaram a alertar que as empreiteiras estavam superfaturando enormemente a construção de Abreu e Lima. Isso levou o problema ao minúsculo cubículo de Homero de Souza na Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, o braço interno de auditoria do Congresso no labiríntico anexo legislativo em Brasília.
Souza, auditor sênior da Consultoria, recomendou que o Congresso bloqueasse o financiamento ao projeto. “Era muito óbvio esse padrão de roubo”, diz Souza.
“Eu nunca vi nada com a escala de Abreu e Lima”. O Comitê de Obras Irregulares do Congresso recomendou a retirada da refinaria do orçamento federal de 2010, interrompendo, efetivamente, as obras, e o Congresso decidiu pela aprovação da medida.
Lula vetou a recomendação, garantindo à Petrobras o financiamento de que a empresa precisava para pagar as construtoras para que seguissem adiante.
A refinaria foi erguida em uma época em que o Brasil parecia não ter limites.
Os preços recordes do petróleo, do minério de ferro, da soja e de outras commodities de exportação; uma moeda próspera, que tornou os bens de consumo mais acessíveis para a crescente classe média; e as taxas de juros, em queda, impulsionaram uma expansão que quase triplicou o tamanho da economia durante o governo Lula.
E, além disso, um programa social extremamente bem-sucedido tirou 40 milhões de pessoas da pobreza.
Na época em que Lula entregou o poder a Dilma, o crescimento vertiginoso do Brasil havia parado, revelando uma fundação construída em cima de sorte (aqueles altos preços das commodities), corrupção (incluindo um escândalo de compra de votos que chegou aos principais assessores políticos de Lula) e na quase duplicação da dívida nacional, para US$ 1,2 trilhão.
Quando Dilma viajou ao Nordeste para inaugurar Abreu e Lima, em dezembro de 2013, havia pouco que comemorar. A refinaria havia custado à Petrobras US$ 18,5 bilhões, oito vezes o orçamento original.
Em vez de policiar o projeto, Dilma não conseguiu interromper aquele que pode ser um dos maiores casos pontuais de corrupção da história do Brasil.
Dilma diz que não sabia nada a respeito do suposto esquema de cartel. “Não é pura e simplesmente uma questão de gestão. O conselho da Petrobras era integrado por empresários bastante qualificados”, disse Dilma à Bloomberg, em abril, em uma entrevista de uma hora no Planalto, o palácio presidencial, em Brasília.
“Nenhum de nós sequer viu um sinal. Tudo indica que envolve formação de cartel, corrupção de funcionários”.
Maria das Graças Foster, uma amiga de longa data de Dilma que se tornou presidente da Petrobras em 2012, também disse que não sabia de nada do que estava ocorrendo. No final do ano passado, Graça iniciou uma grande investigação.
Ela também proibiu temporariamente mais de 20 empresas que estão sob investigação no escândalo de fazerem negócios com a empresa; isso contribuiu diretamente para que três grandes construtoras -- Galvão Engenharia, Grupo Schahin e OAS -- pedissem recuperação judicial. Em fevereiro, Dilma forçou a saída de Graça, juntamente com seus principais executivos.
Com seu novo CEO, Aldemir Bendine, a Petrobras está tentando ser reembolsada pelos danos causados pelas empresas do suposto cartel. A empresa petroleira está, também, criando uma nova divisão de governança, risco e conformidade. “A gente está com sentimento de vergonha”, disse Bendine, em 23 de abril. “Estamos corrigindo os erros”.
O escândalo praticamente paralisou a empresa. Em fevereiro, a Moody’s Investors Service cortou seu rating de crédito para junk. Em abril, a Petrobras assumiu encargos de R$ 44,6 bilhões, a maior parte por refinarias superfaturadas e inacabadas que foram alvo do suposto cartel das construtoras.
A baixa contábil provocou um prejuízo de R$ 21,6 bilhões referente a 2014.
Bendine está tentando vender US$ 13,7 bilhões em ativos para levantar dinheiro. Trata-se de uma mudança de destino impressionante em relação ao auge da era Lula, em 2010, quando a Petrobras levantou um colossal montante de US$ 70 bilhões vendendo ações a investidores.
Todos no Brasil conhecem o termo em português para as ineficiências que atrasam a economia: custo Brasil.
No que diz respeito à facilidade para criação de uma empresa, o Brasil caiu sete posições neste ano, para o 167º lugar no mundo, atrás de Uganda, segundo o Banco Mundial.
A corrupção custará à economia até R$ 120 bilhões neste ano, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Fiesp, a maior associação industrial do país.
Um Poder Judiciário cada vez mais independente poderá finalmente impedir o suposto cartel da Petrobras de aumentar os custos e desviar recursos dos investimentos de que o país tanto precisa para competir, mas o dano que ele causou não será sanado tão rapidamente.
E o problema vai além da Petrobras. No ano passado, a reguladora antitruste brasileira multou fabricantes de cimento em R$ 3,1 bilhões por operarem um cartel durante anos.
Recentemente, a reguladora iniciou investigações sobre cartéis que podem ter manipulado o mercado de materiais escolares e medicamentos.
O custo Brasil está se tornando cada vez mais difícil de suportar.