SEPÚLVEDA PERTENCE: até 10 milhões de reais por caso, o que faz dele o mais bem pago advogado de Brasília / Geraldo Magela/Agência Senado (Geraldo Magela/Agência Senado)
Raphael Martins
Publicado em 10 de fevereiro de 2018 às 09h08.
Última atualização em 14 de fevereiro de 2018 às 13h58.
Num país em que uma nova e combativa leva de advogados ganhou status de celebridade – e muito, muito dinheiro – um nome continua a pairar acima da turma: o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence.
Do time de juristas brasileiros na ativa, Pertence é o camisa 10. Entre os colegas de profissão, a opinião é que se trata do mais influente criminalista do país, à frente, inclusive, de seus ex-colegas de Plenário.
Daqueles de sua geração, a única comparação que lhe faria frente, segundo advogados consultados por EXAME, seria o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, falecido em 2014. Aos 80 anos, sendo 18 deles como ministro do Supremo, Pertence volta a campo para um dos maiores desafios de sua carreira: livrar a pele do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Pertence foi anunciado semana passada como o defensor de Lula nos recursos aos tribunais superiores de sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato. O petista foi condenado em primeira instância pelo juiz federal Sergio Moro e teve sentença confirmada no mês passado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por receber, como agradecimento por sua influência política na divisão de contratos públicos, um apartamento em Guarujá, construído e reformado pela empreiteira OAS. A pena: 12 anos e um mês de prisão, que pode começar a ser cumprida muito em breve, segundo alguns analistas.
E é aí que entra o novo advogado. Pertence precisa cumprir uma dupla missão: evitar que o petista seja preso e garantir que Lula possa participar da eleição. Para isso, precisa montar uma estratégia para que sua condenação seja suspensa nos tribunais superiores ou garantir que os ministros do Tribunal Superior Eleitoral não neguem ao réu o registro de candidatura com base na Lei da Ficha Limpa.
Como os desembargadores do TRF-4 concordaram que Lula pode começar a cumprir pena ao fim dos recursos na segunda instância, não há tempo a perder. O advogado tem cerca de um mês para resolver a questão da prisão. É o tempo médio que se leva no TRF-4 entre a apresentação pela defesa e a apreciação entre os desembargadores dos chamados embargos de declaração, único tipo de recurso possível depois da condenação por unanimidade. É o tempo para que Pertence trabalhe pela liberdade de Lula no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.
Nesta sexta-feira, o ex-ministro conseguiu sua primeira vitória. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo, negou-se a tomar uma decisão sozinho e encaminhou o pedido de habeas corpus de Lula ao Plenário da Corte, além de unificar a discussão de um pedido semelhante da defesa que corria no Superior Tribunal de Justiça. Junto, abriu a possibilidade que se discuta novamente o início do cumprimento de pena após a condenação em segunda instância.
O entendimento atual do Supremo, que autoriza o réu a ser preso em uma “antecipação de pena”, foi aprovada em caráter liminar pelo Supremo por 6 a 5, em outubro de 2016. Alguns ministros deram a entender que mudaram de ideia desde então. Fosse revertido o resultado, Lula não seria preso imediatamente. A decisão de Fachin tem dedo de Pertence. Um dia antes, o ministro recebeu o advogado em audiência para debater as questões.
“Sepúlveda Pertence é de uma outra linhagem de advogados. Não é nenhum demérito ao Cristiano Zanin. São coisas que só o tempo te dá”, afirma Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da USP. “Não é qualquer qualquer advogado que abre espaço na agenda de um ministro para sentar e discutir as teses da defesa”.
Paz no Judiciário
Tamanha influência não sai de graça. Por ser o mais cobiçado jurista em Brasília, estima-se que Sepúlveda Pertence seja o mais bem pago advogado do Brasil. Em reportagem de 2016 da revista GQ, seus honorários são avaliados em 10 milhões de reais, margem que lhe dá vantagem de escolher a clientela e o teria feito recusar a defesa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em seu processo de impeachment, em 2016. O Instituto Lula não respondeu se este foi o valor cobrado para defender o ex-presidente, e nem de onde vem o dinheiro para pagar o advogado.
Segundo EXAME apurou, o honorário se mantém neste patamar e chega a ser cinco vezes maior que grandes nome da capital federal, como Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que tem entre seus clientes os mais renomados políticos do Congresso Nacional, como Romero Jucá (MDB-RR), empresários de alto calibre, como Joesley Batista, do grupo J&F, e mais umas dezenas de réus da Operação Lava-Jato. Pertence tinha, antes de Lula, apenas o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.
“Apesar de ambos terem um bom trânsito entre os ministros, Kakay não tem o conhecimento jurídico do Sepúlveda”, diz um jurista, frequentador dos tribunais superiores. “Kakay pega qualquer um para defender. Sepúlveda escolhe muito bem onde quer entrar”.
Até o momento, a defesa conduzida pelo advogado Cristiano Zanin Martins falhou em dizer que Lula é inocente pois não cometeu “ato de ofício”, ou seja, agiu deliberadamente e foi comprovado seu envolvimento em caso de corrupção. Zanin baseou as respostas às condenações ou em suspeição de Sergio Moro para julgar o caso ou em cartel dos desembargadores para confirmar a condenação por unanimidade.
Julgadores consultados por EXAME consideram suficiente a tese dos procuradores, que tiveram como ponto pacífico que configura prova de corrupção as fotos do ex-presidente no apartamento e mensagens de texto do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro tratando das reformas com executivos do grupo. A mera intenção de receber o apartamento, faria de Lula um corrupto, segundo a interpretação.
O descrédito à decisão dos juízes foi resultado replicado em palanque político por Lula, que reforçou o discurso de perseguição jurídica. Aliados, como a senadora e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), e o senador Lindbergh Farias (RJ) engrossaram o tom. A primeira chegou ao absurdo de dizer que seria necessário “matar gente” para prender o ex-presidente, enquanto o senador deu a entender que o correto seria desrespeitar decisões da Justiça.
O clima que se criou irritou e causou reações do Judiciário. Exemplo foi a declaração do ministro Luiz Fux em seu discurso de posse na Presidência do TSE nesta semana. “A estrita observância da Lei da Ficha Limpa se apresenta como pilar fundante da atuação do TSE. A Justiça Eleitoral, como mediadora do processo sadio, será irredutível na aplicação da Ficha Limpa”, disse Fux na terça-feira. “Ficha suja está fora do jogo democrático”.
Pertence sabe disso e entra em jogo para criar uma tese que convença os ministros do Supremo e do STJ por meio da academia. “Falar em desrespeitar uma decisão da Justiça poderia gerar justificativa para uma prisão preventiva contra o Lula. Com Sepúlveda no comando da equipe, o cenário muda drasticamente”, diz o advogado criminalista Adib Abdouni.
“A tese do golpe e da perseguição jurídica serão sempre lembradas pelo PT, mas notaram que é preciso uma modulação. Sepúlveda vem para pacificar a situação com os membros do Judiciário”, afirma o cientista político Humberto Dantas, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “São preocupações que andam lado a lado. O PT não pode desapegar do que diz à sociedade, mas não pode tensionar a relação com os tribunais”.
Colega de Pertence no Supremo, o ex-ministro Carlos Velloso dá mostra da mudança de rumos. Chama o novo defensor de “notável criminalista” e um “advogado impecável sob o ponto de vista da ciência jurídica e do ponto de vista ético”, não sem fazer crítica à postura bélica de Zanin Martins. “O pessoal do Lula pôs a cabeça em ordem. Xingar juiz jamais ocorreria pela cabeça do Pertence. Vai apresentar uma defesa de verdade, na observância dos princípios éticos”, diz. “Aquilo não era adequado. Questões jurídicas não se resolvem com gritos”.
Pertence teria que operar um milagre. O constitucionalista e professor da Fundação Getúlio Vargas Rubens Glezer não acredita que seja possível uma reversão da decisão tomada por Moro e pelo TRF-4 até aqui. “Seria uma desmoralização muito grande, muito severa, da Lava-Jato e do Judiciário como um todo. Não vejo a disposição de fragilizar a instituição nesse grau”, diz. “Seriam opções diminuir a pena, que poderia gerar um regime mais suave, como o semiaberto, ou buscar a prescrição, já ela depende da pena fixada e Lula tem o tempo reduzido pela metade por conta da idade”.
Depois de conquistar a Presidência da República com o “Lulinha Paz e Amor”, agora o ex-presidente usa a mesma tática para se relacionar com a Justiça.