Brasil

Claudio Couto: aliados do governo no Congresso têm vantagem competitiva nas eleições

Em entrevista para o Especial 55 anos da Exame, cientista político diz que eleitor tende a se preocupar com questões mais pragmáticas do que em 2018, quando a onda “antipolítica” tomou conta das campanhas

Claudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) (Acervo pessoal/Reprodução)

Claudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) (Acervo pessoal/Reprodução)

AA

Alessandra Azevedo

Publicado em 21 de agosto de 2022 às 09h00.

O cientista político Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que os próximos anos serão desafiadores para o Brasil, independentemente de quem seja eleito para a Presidência da República nas eleições de outubro. Na opinião dele, o país precisa reestruturar políticas públicas em áreas estratégicas e repensar medidas que hoje contribuem para um “desequilíbrio presidencialista”, como as emendas de relator no Orçamento federal.

Este artigo faz parte do "Especial 55 anos da EXAME", presente na edição deste mês da revista. Acesse aqui a reportagem completa com as visões de 55 lideranças sobre o futuro do Brasil e veja as demais reportagens da edição.

Em entrevista para o Especial 55 anos da Exame, Couto aponta avanços na representatividade na política nos últimos anos, com mais incentivo a candidaturas de mulheres e pessoas negras. Ele acredita que, neste ano, o eleitor tende a se preocupar com questões mais pragmáticas do que em 2018, quando a onda “antipolítica” tomou conta das campanhas, mas prevê uma vantagem competitiva para os aliados do governo.

Em sua avaliação, uma possível terceira via "falhou", e as candidaturas de Simone Tebet e Ciro Gomes tendem a "derreter na reta final, por causa do voto útil". "Os votos deles vão migrar para os dois mais competitivos na última semana", diz Couto.

Veja os principais trechos da entrevista:

Quais são os principais desafios políticos que o país terá que enfrentar nos próximos anos?

Nos últimos anos, houve uma desestruturação de setores da burocracia pública e a descontinuidade de uma série de políticas públicas de longo prazo de maturação, que foram implementadas ao longo de décadas. Há uma perda de memória administrativa muito importante. Os próximos governos terão que reestruturar isso, levar os funcionários que têm essa memória administrativa de volta para aquela área, continuar essas políticas e recuperá-las financeiramente. 

Que tipo de política precisa ser retomada ou continuada?

Políticas relacionadas ao meio ambiente, à questão indígena, à ciência e tecnologia e à educação são alguns exemplos. Em política externa, houve um dano brutal à imagem do Brasil no exterior, tanto comercialmente como em outros âmbitos. É preciso rever essa grande quantidade de militares em cargos civis, que não têm preparo para essas funções, embora possam ser competentes eventualmente para suas áreas. 

Pensando em um futuro mais próximo, temos eleições em outubro. O que tem de diferente desta vez, em relação a 2018? Como tem observado as campanhas? 

Dessa vez, com os dois principais candidatos à Presidência sendo o presidente no cargo e um ex-presidente, a campanha começou muito mais cedo do que usualmente acontece. Bolsonaro fala de reeleição desde o terceiro dia de mandato. Lula deu uma guinada depois que teve os direitos reabilitados. Vemos uma concentração de votos em Lula e Bolsonaro e uma terceira via com muitas dificuldades de suprir uma demanda que havia antes. Um terço do eleitorado declarava, em julho de 2021, que gostaria de uma alternativa a Lula e Bolsonaro. 

Nesse sentido, já dá para dizer que a terceira via falhou?

Falhou. Faltou ir para além de mostrar que era uma alternativa para quem não gostava dos dois. Acabam anunciando candidatos com muita rejeição, como João Doria. Teve muita briga, muita divisão e, no fim das contas, quando tinha uma candidatura, saiu muito em cima da hora, e o cenário já estava em boa medida desenhado. Não tinha muito mais como ganhar esse espaço e não creio que ganhe até o fim da eleição. Simone Tebet e Ciro Gomes devem derreter na reta final, por causa do voto útil. Os votos deles vão migrar para os dois mais competitivos na última semana.

A disputa está mais polarizada do que em 2018?

Sim, entendendo polarização não como sinônimo de radicalização, mas como sinônimo de disputa muito concentrada em dois competidores. Poderia ser uma tripolarização, se tivesse três candidatos, como na disputa em 2014, com Marina Silva, Aécio Neves e Dilma Rousseff. Mas, no caso atual, não. É claramente bipolarizado, e não creio que vá mudar, a não ser que alguma coisa extraordinária aconteça. 

O que os eleitores vão levar em consideração para escolher representantes? O que vai pesar mais neste ano?

Tem muita água para rolar e muita coisa pode acontecer. As razões do eleitor a nível estadual tendem a ser mais pragmáticas, pensando em quem segue políticas públicas que resolvem os problemas e quem tem potencial de entregar mais do que o que está sendo entregue agora. Nesse ponto de vista, é diferente de 2018, que teve a onda bolsonarista e antipolítica correndo o país inteiro, que afetou não só a disputa para presidente, mas também em estados e no Congresso. Teve uma grande votação no PSL e a eleição de governadores absolutamente desconhecidos até pouco tempo atrás. Agora, é outro tipo de jogo. Para o Congresso, entendo que tende a ser uma eleição com vantagem competitiva significativa para os aliados do governo que têm acesso ao Orçamento secreto.

Nas últimas eleições, entraram muitos nomes novos na política, mas o Congresso se tornou um dos mais conservadores da história. Acha que isso vai se repetir? É uma tendência para os próximos anos?

Eu apostaria que o Congresso agora vai ser bem parecido ao de quatro anos atrás. Acho que vai ser muito conservador. Aliados do governo que são desse campo conservador têm vantagem competitiva. Quanto a isso, não tenho dúvida. Mas, quando a gente pensa no bolsonarista raiz, o cara “da bala”, acho que talvez haja menos força desse perfil de candidato neste ano do que em 2018. Acho que tende mais para candidatos de perfil bem tradicional, do velho Centrão. Apostaria mais nesse tipo de conservadorismo à la Centrão do que no reacionarismo à la Bolsonaro.

Em 2018, estava em alta a questão do combate à corrupção, que era vinculado a uma pauta antipetista. Agora, pesquisas mostram que as pessoas estão mais preocupadas com a economia. Isso pode sinalizar alguma mudança na política nos próximos anos?

Acho que a economia pesa muito. Mas o campo da oposição extrapola só a avaliação econômica, também se compõe muito pelo desafeto em relação ao Bolsonaro, embora não necessariamente tenha afeto pelo Lula. São duas coisas somadas: o pragmatismo na avaliação da política econômica e do resultado econômico e certas identidades, crenças e afetos que também acabam contando para o processo eleitoral mais do que em outros momentos.

Em relação à representatividade, qual a importância de ter renovação política, no sentido de mais inserção de mulheres e pessoas negras, além de pessoas de outras profissões, por exemplo? O Brasil caminha para isso? 

Acho que tem tido uma melhora muito gradual, muito lenta. Tem gente que aponta que se formos considerar o ritmo do aumento de mulheres na política, levaria ainda um século para chegar no nível de certas democracias no mundo. Tem havido movimento nessa direção, que extrapola as regras eleitorais apenas, vai além da preocupação de ter 30% de mulheres candidatas e destinar a elas recurso compatível. Tem isso, mas tem também um movimento da própria sociedade de reclamar mais essa participação de mulheres e de negros. Já a questão das profissões se tornou, recentemente, um pouco menos proeminente. Já foi mais, no início dos anos 2000. A inserção de outras categorias profissionais na política, e mesmo a questão mais classista, perdeu espaço no período mais recente.

Na sua opinião, é preciso alguma reforma política ou mudança na Constituição para o avanço de agendas importantes no país?

Quando se fala em reforma política, cada um fala de uma coisa. A gente já teve uma série de melhorias institucionais que vão nessa direção. Em 2017, quando teve a reforma com a cláusula de desempenho, quando foi criada a possibilidade de fusão partidária, por exemplo. Mais recentemente, a questão das federações, que acho super importante para reduzir o número de partidos. Desse ponto de vista, acho que a gente caminhou bastante. A discussão sobre semipresidencialismo acho muito oportunista. Acontece porque hoje temos um problema: um Congresso que se fortaleceu demais nesses últimos anos. A expressão máxima disso são as emendas de relator do Orçamento. Acho que a gente tem um problema de desequilíbrio presidencialista. O funcionamento do presidencialismo brasileiro precisa ser recuperado. 

Os próximos governos têm capacidade de fazer um movimento nesse sentido, como acabar com emendas de relator? Acha que isso será prioridade? 

Vai ser dificílimo. Colocar o gênio de volta na garrafa é sempre um problema. Mas, se o próprio governo não lidar de alguma forma com isso, como vai governar? Acaba se tornando refém do Congresso de uma maneira muito negativa. Um presidente habilidoso e responsável pode contribuir para caminhar nessa direção. Tem uma pressão importante que vem da sociedade civil, mas não vai ser fácil corrigir isso.

Como garantir que as instituições ficarão ainda mais fortes no futuro? 

A confiança nas instituições caiu nos últimos anos e, ao mesmo tempo, houve um descuido institucional de vários atores. A gente viu, ao longo de anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) funcionando de forma muito complicada, ministros decidindo de acordo com suas próprias conveniências, de forma isolada e não colegiada. Isso foi produzindo um grande desafio, interferindo em sistemas que não deveriam interferir. O Supremo fica numa berlinda, porque pecou demais num passado recente e agora está, em boa medida, desautorizado. 

Como resolver esses problemas?

É preciso uma liderança política que seja capaz de reforçar a necessidade de uma atuação colegiada. Se, mesmo diante de ameaças, os ministros do Supremo não entendem que é preciso dar um passo atrás e corrigir esse comportamento para torná-lo coletivo, fica muito difícil. Também é preciso pensar melhor as regras de nomeação do procurador-geral da República. É preciso recuperar a Administração Pública Federal no âmbito do Executivo; corrigir a relação com Legislativo, sobretudo na questão orçamentária; melhorar a conduta dos ministros do Supremo; e, finalmente, pensar em formas mais efetivas de fazer com que a indicação do procurador-geral da República gere uma PGR independente.

Acompanhe tudo sobre:CongressoEleições 2022Governo Bolsonaro

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022