Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, em depoimento à CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 25 de maio de 2021 às 17h26.
Última atualização em 31 de maio de 2021 às 15h16.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ouviu nesta terça-feira, 25, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. Em quase 7 horas de depoimento, a servidora, conhecida como "Capitã Cloroquina", negou que tenha recebido ordens para indicar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada para covid-19 e voltou a defender o "tratamento precoce".
Mayra honrou o apelido nas várias vezes em que falou sobre a "orientação" do uso da cloroquina, mas deixou claro que "capitã" não é a palavra ideal para se referir a ela. "Não acho o termo adequado, porque eu não sou oficial de carreira militar. Eu sou uma médica, respeitada no meu estado. Então, eu prefiro ser chamada de 'doutora Mayra Pinheiro'", disse.
Em duas ocasiões, a secretária contradisse declarações do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, feitas em depoimento na semana passada. Primeiro, ao dizer que o aplicativo TrateCov, ao contrário do que alegou o general, não foi hackeado. Depois, sobre a data em que o ministério soube do desabastecimento de oxigênio em Manaus — segundo ela, 8 de janeiro, não 10 de janeiro, como disse Pazuello.
A situação ocorrida em Manaus no início do ano foi um dos assuntos abordados durante o depoimento, mesmo com o habeas corpus concedido a Mayra pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que permitia que ela não respondesse perguntas sobre o assunto para não se incriminar.
Leia os principais pontos do depoimento:
Mayra afirmou que o Ministério da Saúde nunca "indicou tratamentos para covid", mas "orientou" o uso de cloroquina. O que houve foi a criação de uma nota orientativa "onde estabelecemos doses seguras para que os médicos pudessem usar medicamentos, com consentimento de pacientes, de acordo com seu livre arbítrio", disse.
"A orientação é para todos os médicos brasileiros, não só para Manaus", afirmou, ao ser perguntada pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se houve indicação para tratamento precoce no Amazonas. "Eu mantenho a orientação, enquanto médica, de que possamos usar todos os recursos possíveis para salvar vidas", ressaltou a secretária.
Mayra insistiu que a cloroquina tem ação "antiviral" e foi contestada pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. "Hidroxicloroquina não é antiviral em estudo sério nenhum no mundo", disse o parlamentar. “É um antiparasitário. Não existe nenhuma medicação que possa evitar a infecção pelo vírus. Como é que inventaram agora que hidroxicloroquina pode evitar que uma pessoa se contamine do coronavírus? É um absurdo”, continuou Alencar.
Mayra disse que não foi informada sobre risco de falta de oxigênio na visita que fez a Manaus entre 3 e 5 de janeiro. "Não houve uma percepção que faltaria”, afirmou. Segundo ela, o governo soube do problema em 8 de janeiro, não em 10 de janeiro, como disse Pazuello em depoimento à CPI. “O ministro teve conhecimento do desabastecimento de oxigênio em Manaus creio que no dia 8”, afirmou.
Na data, Pazuello teria perguntado por que ela não relatou o problema durante a viagem que fez ao estado. A secretária respondeu que não foi informada. “Eu confirmei a informação com o secretário estadual de Saúde, perguntando: ‘Secretário, por que, durante o período da minha prospecção, não me foi informado?’ Ele disse: ‘Porque nem nós sabíamos’”, contou Mayra.
A Secretaria de Saúde do Amazonas diz que entrou em contato com o Ministério da Saúde em 7 de janeiro para alertar sobre a iminente falta de oxigênio no estado. Mayra disse que o ministério não teve culpa do colapso. "Não, nenhuma responsabilidade. A responsabilidade é da doença é o vírus, senador, não é o Ministério da Saúde", disse Pinheiro.
Mayra confirmou que o aplicativo TrateCov, que indicava remédios sem eficácia comprovada, como cloroquina e ivermectina, para pessoas com sintomas de covid-19, foi desenvolvido pelos técnicos da pasta comandada por ela. “Quem criou a plataforma foram os técnicos da minha secretaria”, disse, sem indicar de quem partiu a ideia.
A secretária negou que o aplicativo tenha sido hackeado, como alegou Pazuello em depoimento à CPI. O que houve foi uma "extração indevida de dados", afirmou. "Todos nós, leigos, a primeira ideia que nós fazemos quando a gente escuta dizer que alguém invadiu um dispositivo é chamar de hackeamento", justificou.
Segundo Mayra, o jornalista que acessou o sistema "não conseguiu" alterá-lo. "O sistema é seguro, ele não conseguiu hackear", disse. "Ele fez uma cópia da capa inicial dessa plataforma, abrigou nas redes sociais dele e começou a fazer simulações fora de qualquer contexto epidemiológico, causando prejuízos à sociedade", disse a secretária.
Pazuello, no entanto, alegou que houve alterações e que esse seria o motivo para retirar o aplicativo do ar. Questionada sobre as diferenças entre os depoimentos, Mayra afirmou que o programa foi suspenso por conta da investigação sobre a extração de dados.
“Nunca fiz a defesa da imunidade de rebanho”, afirmou Mayra. “Eu acho que o efeito rebanho não pode ser usado indistintamente para as populações, porque não é possível que a gente vá prever quanto eu tenho de expor da população para que eu atinja esse benefício. Então, isso pode resultar em muitas mortes”, disse.
Para a secretária, "é extremamente perigoso" induzir imunidade pelo efeito rebanho. "Para grandes populações, você não sabe quantas pessoas vão precisar ser submetidas a esse tipo de teoria, e ela pode induzir a milhares de óbitos. Então, eu não concordo com isso de forma generalizada. Em pequenos grupos populacionais, isso pode ser usado", explicou.
Renan Calheiros mostrou um vídeo em que Mayra afirma que, com as medidas de isolamento social, "nós atrapalhamos a evolução natural da doença naquelas pessoas que seriam assintomáticas, como as crianças, e que a gente teria um efeito rebanho".
"Nós tínhamos que, no início da doença, ter deixado isolados os nossos idosos, as pessoas de grupos de risco e, garantidos os equipamentos de proteção individual, deixar que as nossas crianças frequentassem as escolas, deixa que o comércio, a indústria, os estabelecimentos comerciais funcionassem com as orientações de distanciamento social", defende Mayra, no vídeo.
A secretária afirmou que se referia às crianças, que, na opinião dela, não deveriam ficar fora das escolas. "Nunca fiz a defesa da imunidade de rebanho. No vídeo, eu me referi às crianças. O risco de elas adquirirem a doença é 37,5 vezes menor do que o dos adultos", disse. “O lockdown foi adotado, muitas vezes, de forma completamente inadequada", acrescentou.
Renan Calheiros perguntou por que a insistência em contrariar orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é contrária ao uso da cloroquina para covid-19. “O Brasil não é obrigado a seguir as orientações da OMS”, respondeu Mayra. Segundo ela, se seguisse, “teríamos falhado, assim como a OMS falhou várias vezes”. Ela citou como exemplo o fato de a OMS ter demorado para recomendar o uso de máscaras.
Mayra também afirmou que o Ministério da Saúde "não precisa, necessariamente, seguir opiniões de sociedades médicas", em resposta a uma pergunta da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre o porquê de ela não ter obedecido à determinação da Sociedade Brasileira de Pediatria, que não recomenda o uso da cloroquina para crianças e adolescentes. "As sociedades falham também", disse a secretária.
A senadora perguntou, então, de onde vêm as orientações do ministério. "A nossa referência, primeiro, para os médicos exercerem sua autonomia, é dada pelo Conselho Federal de Medicina. E temos os nossos técnicos, as pessoas que nós escolhemos para dar o nosso parecer", respondeu a secretária. O ministério considera as posições de entidades científicas de saúde "quando os pareceres são condizentes com a realidade e com a verdade", disse.