Cigarro eletrônico: proibição carrega com ela uma iminente crise de saúde pública (Joe Raedle/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 20 de maio de 2023 às 10h19.
*Por Alessandra Bastos
Não é nenhuma novidade que a fabricação e comercialização dos cigarros eletrônicos estão proibidas no Brasil, desde 2009, conforme resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas o que é bastante atual - e preocupante - é que, mesmo com essa determinação, o consumo desses dispositivos vem crescendo a cada ano. Um levantamento que acaba de ser divulgado pelo Ipec - Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica comprova que a proibição não tem sido efetiva, uma vez que o número de consumidores quadruplicou entre 2018 e 2022 no país.
De acordo com a primeira pesquisa realizada em 2018, eram cerca de 500 mil consumidores de cigarros eletrônicos. Quatro anos depois, ainda segundo o Ipec, esse número chegou a 2,2 milhões de adultos que afirmaram que consomem o produto. O estudo apontou, também, que cerca de 6 milhões de adultos fumantes já experimentaram o dispositivo eletrônico – produto ilegal no Brasil -, o que representa 25% do total de consumidores de cigarros industrializados, um acréscimo de 9 pontos percentuais em relação à 2019.
Ou seja, é possível perceber que, além de não funcionar, a proibição carrega com ela uma iminente crise de saúde pública. Uma vez que o produto é ilegal no Brasil, não é possível obter informações essenciais, como a composição, a procedência e a segurança no uso dos dispositivos, que em um mercado legalizado poderiam ser garantidos. A recente pesquisa nacional demonstra que os brasileiros adultos têm interesse pelo cigarro eletrônico, mas enquanto não existir regulamentação, mais de 2 milhões de consumidores estão expostos aos riscos de um produto 100% ilegal, proveniente do contrabando.
Portanto, só com a definição de regras claras para fabricação, importação, consumo e comercialização, empresas regulares do setor podem oferecer um produto com rigorosos padrões de segurança e qualidade. É possível criar, ainda, parâmetros para a produção, importação e divulgação dos dispositivos, no lado da oferta; e, para a perspectiva do consumo, determinar mecanismos de monitoramento e estabelecer restrição de idade para sua utilização, proibindo o acesso a menores de 18 anos.
Se há 14 anos, quando a agência optou pela proibição, não existiam muitas evidências científicas resultando na medida cautelosa tomada pela reguladora, hoje há uma infinidade delas. E, o que já foi comprovado em vários estudos, é que a principal diferença entre o cigarro convencional e o cigarro eletrônico está em não haver combustão no dispositivo eletrônico e, consequentemente, não há queima do tabaco, portanto as centenas de substâncias potencialmente tóxicas provenientes da fumaça se transformam em menos de cinco no aerossol do vaporizador. Essa diferença discrepante não pode ser ignorada!
A experiência internacional tem demonstrado que esses dispositivos podem reduzir as consequências associadas ao tabagismo. Em setembro de 2022, o Ministério de Saúde Inglês reafirmou que os vaporizadores são 95% menos prejudiciais do que os cigarros comuns, ou 20 vezes menos nocivos. E, em março de 2023, iniciou o projeto intitulado ‘trocar para parar’ com fornecimento de vaporizadores para auxiliar 1 milhão de adultos fumantes a abandonarem o fumo. Outro exemplo é a Suécia, que reconheceu os produtos alternativos de entrega de nicotina, por exemplo os cigarros eletrônicos, como menos prejudiciais e também incentiva que fumantes migrem para os dispositivos. Com essa medida, o país está próximo de se tornar o primeiro país ‘livre do tabagismo' da Europa, com uma taxa abaixo de 5% na incidência de fumantes adultos na população. Esses são exemplos a serem seguidos.
Assim como a Anvisa, há alguns anos, a população também não tinha conhecimento suficiente sobre o cigarro eletrônico. Mas a partir das informações levantadas pelo Ipec, atualmente quase 90% das pessoas, ou seja, 144 milhões de brasileiros, sabem que o cigarro eletrônico existe. Em 2021, esse número girava em torno de 108 milhões (68%). Com mais conhecimento da existência do produto, mais possibilidades de aumento no consumo e de riscos à saúde por uso de dispositivos ilegais provenientes do contrabando. Não podemos continuar alimentando esse ciclo.
Por fim, fica claro que a proibição não está funcionando, ao contrário - apenas tem levado os consumidores a um cenário de risco imensurável e desinformação. A discussão sobre redução de riscos à saúde no Brasil deve incluir o exemplo de 84% dos países da OCDE que já regulamentaram os cigarros eletrônicos, entre eles, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia e todos os países da União Europeia. Normatizar esse mercado soa como a medida mais plausível, capaz de livrar o país de uma crise sanitária.
*Alessandra Bastos é Farmacêutica, ex-Diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e consultora científica da BAT Brasil.