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Cerco judicial se fecha em torno de Temer

O presidente Michel Temer foi acusado pela Procuradoria-geral da República (PGR) de tentativa de obstrução à Justiça

Michel Temer: acusações contra o presidente se baseiam nas delações premiadas dos executivos da gigante mundial alimentícia JBS (Ueslei Marcelino/Reuters/Reuters)

Michel Temer: acusações contra o presidente se baseiam nas delações premiadas dos executivos da gigante mundial alimentícia JBS (Ueslei Marcelino/Reuters/Reuters)

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AFP

Publicado em 20 de maio de 2017 às 09h29.

O presidente Michel Temer foi acusado pela Procuradoria-geral da República (PGR) de tentativa de obstrução à Justiça, em um novo revés para o chefe de Estado que nesta sexta-feira (19) se esforçava para impedir a debandada de sua base aliada e se manter no poder.

Segundo a PGR, Temer teria agido em coordenação com o senador e ex-candidato à Presidência Aécio Neves, suspenso na quinta-feira (18), para impedir a continuação da Operação 'Lava Jato'.

"Verifica-se que Aécio Neves, em articulação, dentre outros, com o presidente Michel Temer, tem buscado impedir que as investigações da Lava Jato avancem, seja por meio de medidas legislativas, seja por meio de controle de indicação de delegados de polícia que conduzirão os inquéritos", afirmou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em seu pedido para que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize a investigação, ao qual a AFP teve acesso.

"Desta forma, vislumbra-se também a possível prática do crime de obstrução à Justiça", concluiu.

O documento também menciona a participação na trama de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça de Temer.

As acusações se baseiam nas delações premiadas dos executivos da gigante mundial alimentícia JBS, entre eles seus donos, Joesley e Wesley Batista.

As delações só serão consideradas provas depois de validadas pela Justiça.

Desde quarta-feira (17), o Brasil vive um estado de comoção política, quando o jornalista Lauro Jardim, do Jornal O Globo, revelou uma conversa entre Temer e Joesley Batista, na qual, segundo Janot, o presidente deu sua anuência ao pagamento de propina para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

"Depreende-se dos elementos colhidos o interesse de Temer em manter Cunha controlado", assinala o texto.

Nessa reunião, Temer também indicou a Batista que o empresário poderia entrar em contato com o deputado Rodrigo Rocha Loures, seu homem de confiança, para discutir temas de interesse do grupo JBS.

Autoridades registraram Loures e Batista discutindo crimes como garantir a concordância das versões dos acusados no esquema de propinas na Petrobras e da compra de seu silêncio.

O presidente Temer, de 76 anos, negou enfaticamente as acusações, assim como os pedidos para que renunciasse.

- Alarmes -

Os mercados ligaram seus alarmes diante da possibilidade de que a agitação política bloqueasse o avanço das medidas de austeridade impulsionadas por Temer, como o aumento da idade mínima para se aposentar e a flexibilização das leis trabalhistas.

A Bolsa de São Paulo registrou uma queda de quase 9% e o real se desvalorizou fortemente frente ao dólar. Nesta sexta-feira, o mercado de ações recuperou um pouco o terreno, chegando a subir mais de 2,7%, embora depois do anúncio do pedido de abertura de inquérito contra Temer, tenha reduzido os ganhos para 1,8%.

O chefe de Estado se reuniu nesta sexta pela manhã com seus assessores legais e transferiu para a parte da tarde um encontro com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e com os comandantes militares.

"O governo está trabalhando em três frentes para voltar à normalidade depois da crise: política, judicial e econômica. O próprio presidente faz parte das negociações com a base aliada", disseram à AFP fontes do Palácio do Planalto.

Esta crise acontece um ano depois da queda da ex-presidente Dilma Rousseff, acusada de maquiar as contas públicas. O seu impeachment possibilitou que Temer chegasse ao poder para completar o mandato até o fim de 2018, uma missão que parece cada vez mais difícil.

- Pressões -

Temer enfrenta desde quinta-feira oito solicitações de impeachment, além de um processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que poderá anular as eleições de 2014 por supostas contribuições de campanha dadas pela Odebrecht, uma das principais envolvidas no escândalo do Petrolão.

A pressão social também cresce. Na quinta-feira, milhares de pessoas pediram "Fora Temer!" no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, e há mais manifestações previstas para o fim de semana.

A ex-ministra e senadora ambientalista Marina Silva, que nas eleições presidenciais de 2014 alcançou quase 20% dos votos, declarou que Temer "não está em condições de governar".

O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa comentou em seu Twitter: "não há outra saída: os brasileiros devem se mobilizar, ir para as ruas e reivindicar com força a renúncia imediata de Michel Temer".

Em um editorial, o Jornal O Globo fez coro ao apelo em um duro editorial: "a renúncia é uma decisão unilateral do presidente. Não o que é melhor para si, mas para o país".

Um eventual impeachment somente acontecerá se a base aliada de Temer, ou pelo menos uma parte dela, lhe der as costas.

"Por isso, a primeira questão é saber se os partidos que formam a base do governo deixarão ou não o governo", disse à AFP Thomaz Pereira, professor de Direito Constitucional na Fundação Getúlio Vargas.

Por enquanto, seu gabinete só sofreu uma baixa: o ministro da Cultura, Roberto Freire, que renunciou ao cargo na quinta-feira.

A Constituição prevê que, em caso de vácuo na Presidência na segunda metade de um mandato, o Congresso elegerá um nome para concluí-lo. No entanto, há interpretações e propostas que permitiriam antecipar as eleições.

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