"Ninguém está acima da autoridade da Constituição e das leis", diz Celso ao analisar recurso de Bolsonaro (Carlos Moura/SCO/STF/Divulgação)
Reuters
Publicado em 8 de outubro de 2020 às 17h34.
Última atualização em 8 de outubro de 2020 às 17h45.
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu um longo voto nesta quinta-feira a favor do depoimento presencial do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura a interferência dele na Polícia Federal e criticou a possibilidade de se reconhecer "inaceitáveis e odiosos privilégios" numa República.
A sessão de julgamento, que só contou com o voto do relator de cerca de 2 horas, foi encerrada logo em seguida pelo presidente do STF, Luiz Fux. Não foi informado se o julgamento será retomado na próxima semana.
Essa foi a última participação do decano no plenário da Corte, pois ele vai se aposentar no dia 13 de outubro, terça-feira que vem.
Em seu voto, feito de forma remota, Celso de Mello rejeitou o recurso apresentado pela defesa de Bolsonaro e se posicionou a favor do depoimento presencial. Segundo ele, Bolsonaro não tem razão em pedir depoimento por escrito porque não há amparo na legislação processual, na ampla orientação doutrinária do Supremo e em julgamentos da Corte que só permitem depoimento por escrito a testemunhas.
O decano ressalvou que o presidente tem prerrogativas próprias, como não poder ser privado de liberdade nem investigado por crimes comuns supostamente cometidos antes do mandato. Ele destacou que nem mesmo o chefe do Executivo está acima da Constituição e das leis da República e não deve ser tratado "aristocraticamente" de forma seletiva.
"O dogma republicano da igualdade, que a todos nos iguala, não pode ser mal ferido por tratamentos especiais e extraordinários inexistentes em nosso sistema de direito constitucional positivo e que possam justificar o absurdo reconhecimento em inaceitáveis e odiosos privilégios próprios de uma sociedade fundada em bases aristocráticas ou até mesmo por uma formação social totalitária", destacou.
Celso de Mello disse ainda que o depoimento oral faz parte da investigação e que pessoas alvo de inquéritos ou réus não dispõem da prerrogativa de depor por escrito, como testemunhas. Segundo o relator, o depoimento presencial permite se explorar eventuais contradições durante o interrogatório. Para ele, qualquer que seja o ângulo, o depoimento escrito é privilégio, não se cuidando de prerrogativa.
O decano citou exemplo de chefes de Estados que depuseram no exercício do cargo, como o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi.
Logo após o voto de Celso de Mello, Luiz Fux disse que a sessão de quinta teria apenas o voto do relator.
"Todos nós estamos aqui extremamente emocionados e nos lamentando que esta será uma última lição na qualidade de ministro. Mas temos certeza que toda vez que Vossa Excelência erguer sua voz sairão lições", disse Fux a Celso de Mello.
Apesar do voto do decano, a tendência, segundo duas fontes ouvidas pela Reuters, é que Bolsonaro seja autorizado a depor por escrito.
O depoimento do presidente deve ser um dos últimos atos do inquérito aberto em abril para investigar se o presidente tentou interferir na Polícia Federal, conforme declarações feitas na ocasião pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que pediu demissão após o fato.
Bolsonaro nega ter cometido irregularidades. Após a conclusão das investigações, caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se vai denunciar o presidente, pedir arquivamento da apuração ou ainda novas diligências.