Celso de Mello: o decano também afirma que a Constituição de 1988 "pluralizou de maneira excessiva as prerrogativas de foro" (WIKIMEDIA COMMONS/Wikimedia Commons)
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de abril de 2017 às 20h20.
Última atualização em 19 de março de 2018 às 11h57.
Brasília - A aprovação em primeiro turno no Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limitaria o foro privilegiado aos chefes dos Três Poderes da República foi classificada como "histórica e de fundamental importância" pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello.
"Sempre entendi que caberia ao Congresso Nacional suprimir todas as hipóteses de prerrogativa de foro ou, quando muito, limitar estas hipóteses apenas aos chefes dos Três Poderes da República. Sob este aspecto, entendo que a deliberação parlamentar do Senado da República foi muito importante", disse Celso de Mello nesta quinta-feira, 27, antes da sessão plenária do STF.
O ministro elencou alguns dos argumentos que já utilizou para defender o fim do foro.
"O princípio republicano tem como uma das suas consequências mais importantes a igualdade entre todos os cidadãos, e não tem sentido essa desequiparação entre os cidadãos da República", disse.
Celso também afirma que a Constituição de 1988 "pluralizou de maneira excessiva as prerrogativas de foro".
"Entendo que a presente Constituição, embora inquestionavelmente democrática, pretendendo ser republicana, mostrou-se extremamente aristocrática", disse.
Nos termos em que foi aprovada em primeiro turno no plenário Senado, a PEC manteria o foro privilegiado no STF apenas para os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo.
Se ela for promulgada com este mesmo teor, haveria um "êxodo" de inquéritos do STF, que seguiriam para a primeira instância.
Isso incluiria 74 dos 76 inquéritos abertos com base nas delações da Odebrecht - dois permaneceriam por envolverem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Celso de Mello afirmou que não há risco de insegurança em relação aos inquéritos e ações penais em andamento que seriam, nesta hipótese, enviados à primeira instância.
"Cumprir uma determinação constitucional não traduz fator apto a gerar insegurança jurídica. Pelo contrário. Se essa for a deliberação final do Congresso Nacional, acho importante que ela seja observada e respeitada não só pelo Supremo Tribunal Federal mas por todos os órgãos do Poder Judiciário, afinal o respeito à Constituição é um pressuposto legitimador de todas as decisões e todas as deliberações no âmbito de um Estado fundado em bases democráticas."
Oriundo do Ministério Público em São Paulo, Celso de Mello defende também a atuação dos promotores e juízes de primeira instância.
"Entendo que os membros do MP em primeira instância e os magistrados que também atuam no primeiro grau de jurisdição são profissionais responsáveis, são capazes de realizar uma atividade perfeitamente correta e compatível com a gravidade de suas funções. Eu confio, portanto, no MP de primeira instância, na magistratura de primeiro grau e deixo no ar esta indagação: quem tem medo da primeira instância?", disse.
Sobre a possibilidade de o Supremo ter de se posicionar sobre o que vier a ser decidido pelo Congresso, Celso de Mello diz que, em princípio, não haverá necessidade.
"A não ser que haja alguma regra constante do texto de uma futura emenda à Constituição que propicie esse debate. Caso contrário, a eficácia de uma emenda à Constituição é imediata. Opera de modo imediato, tornando-se aplicável desde logo", disse.
Marcada para julgamento no dia 31 de maio, uma questão de ordem do ministro Luís Roberto Barroso que trata da possibilidade de a Corte restringir o alcance do foro não deve sair de pauta neste momento, segundo Celso de Mello.
"Eu acho que o Supremo não deve demitir-se desse encargo que lhe compete de interpretar a Constituição a qualquer momento", disse.