Aras: eles, que não chegou a se candidatar ao cargo oficialmente, se define como cristão e conservador (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 25 de setembro de 2019 às 06h27.
Última atualização em 25 de setembro de 2019 às 15h55.
São Paulo — A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado acaba de aprovar, por 23 votos a 3, o nome de Augusto Aras, indicado do presidente Jair Bolsonaro, para o cargo de procurador-geral da República. Um voto foi em branco.
Durante cinco horas de sabatina, o subprocurador destacou que alinhamento com o governo não significa submissão e afirmou que nenhum candidato ao cargo foi tão escrutinado quanto ele, apesar de não ter participado do processo de eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República e ter sido escolhido por fora da lista tríplice.
Em regime de urgência, agora a indicação será votada no Plenário, onde são necessários pelo menos 41 votos “sim” para aprovação de Aras na PGR. Se aprovado, sua gestão tem duração de dois anos, até 2021.
Em sua fala inicial, o candidato à PGR defendeu um Ministério Público moderno e desenvolvimentista, que atue de forma multidisciplinar, se afastando de "caprichos pessoais". Aras destacou ainda, sem citar nomes, que o mérito individual de procuradores deverá ser reconhecido, mas ressalvou que a confiança deve se voltar para as instituições por causa do princípio da impessoalidade.
O indicado também defendeu que se compatibilize o desenvolvimento econômico juntamente com a preservação do meio ambiente, e reafirmou o compromisso de uma atuação firme e imparcial.
Questionado se considera que há um "ativismo judiciário" no Brasil, principalmente em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Aras disse é contra a prática, mas que o Congresso também deve se incumbir de suas responsabilidades. "Aborto e descriminalização da maconha são temas caros e relevantes, que merecem a apreciação do Congresso Nacional e não pode ser objeto de ativismo judicial. O que precisamos interpretar é em que nível está operando o STF, se faz interpretação, mutação ou usurpação da Constituição de 88", disse.
Em um dos momentos mais tensos, foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) por ter assinado uma carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos se comprometendo com a defesa da "família heterossexual" e terapia de conversão sexual. Ele disse que não leu a carta que assinou.
Sobre a Operação Lava Jato, o indicado afirmou que “talvez a principal tarefa da Procuradoria-Geral da República seja combater os crimes de colarinho branco”. Ele defendeu a operação, mas admitiu que o modelo da força-tarefa é “passível de correções”.
"A Lava Jato é um marco. Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato. [...] A Lava Jato é resultado de experiências anteriores que não foram bem-sucedidas na via judiciária. Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, modelo esse passível de correções".
Ele criticou, ainda, o coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol, sobre a condução da operação durante as investigações. O subprocurador declarou que faltou "cabeça branca" à Lava Jato para conter o que classifica como excessos. O termo é usado para classificar políticos da velha guarda nos partidos políticos.
"Talvez, se tivesse lá alguma cabeça branca, talvez dissesse para ele (Dallagnol), para os colegas, jovens como ele, que nós poderíamos fazer tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta", declarou.
O indicado fez uma avaliação de que a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, para a embaixada brasileira em Washington, não configura nepotismo.
Para justificar o argumento, Aras citou uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que trata sobre o tema com a interpretação de que a restrição não se estende a agentes políticos. “A súmula que disciplina o nepotismo não a estende a agentes políticos. Em todos os Estados e municípios, há filhos e parentes de primeiro e segundo grau ocupando cargo de secretaria de Estado, secretaria de município sem que isso atinja nenhum valor constitucional”, declarou.
Ele reforçou que o Senado poderá decidir o que pensa em torno do tema e, batendo a mão em um livro com a Constituição Federal, prometeu respeitar a decisão dos senadores.
No início da reunião, Aras apresentou à CCJ documentos que comprovariam que ele se desvinculou de um escritório de advocacia e que devolveu sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Como ingressou no Ministério Público em 1987, antes da Constituição de 1988, Aras pode ser sócio em escritório de advocacia, mesmo integrando o MP.
O subprocurador já havia se comprometido a deixar o escritório, caso se tornasse procurador-geral, mas se adiantou. Ele lembrou que procuradores-gerais da República nunca advogam enquanto estão no cargo, e sim antes ou depois de ocupar a função.
"Não só me retirei da associação de advogados com sede na Bahia, como devolvi meu documento de identificação como advogado. Embora não devesse fazer do ponto de vista legal, faço do ponto de vista moral e de compromisso com esta Casa", disse.
O clima favorável na sabatina na CCJ fez com parte dos 19 parlamentares inscritos deixassem de falar. O senador Wellington Fagundes (PL-MT) chegou a entregar as perguntas a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), para que fossem feitas depois.
A situação pró-Aras levou a presidente da CCJ, a pedido dos senadores, abrir o painel de votação para que os parlamentares que quisessem votar saíssem antes de terminar a sabatina.
O governo não mandou nenhum representante. Nem mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), compareceu nas primeiras horas de sabatina. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) ficou pouco mais de 40 minutos, votou, e abandonou a sessão no período da manhã.
Em 2017, a sabatina da antecessora, Raquel Dodge, durou 7h54. A recondução do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 2015, teve a duração de 10h27.
Essa foi a primeira vez desde 2003, que o presidente da República não escolheu alguém da lista tríplice dos mais votados pelo MPF, na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República.
A decisão de Bolsonaro foi alvo de críticas por procuradores, que classificaram a escolha como “o maior retrocesso institucional e democrático em 20 anos”. Apesar disso não estar previsto em lei, Bolsonaro está quebrando uma tradição que é entendida como uma forma de manter a autonomia e força política do cargo.
É o PGR que exerce as funções do MP junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de poder propor ações diretas de inconstitucionalidade e pedir federalização de casos de crimes contra os direitos humanos. Ele também designa os(as) subprocuradores (as)-gerais e pode entrar com representação contra a União no STF.
Aras, que não chegou a se candidatar ao cargo oficialmente, se define como cristão e conservador e é visto por aliados do presidente como o mais alinhado ideologicamente com o governo.
Em uma entrevista em maio, ele defendeu uma “disruptura” no Ministério Público para a instituição “retomar os trilhos” da Constituição, além de ter elogiado a atuação da Operação Lava-Jato.
Aras também também se coloca como favorável à agenda de reformas do governo, tem o apoio dos filhos de Bolsonaro e de um dos ministros mais prestigiados pelo presidente, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura. O novo PGR foi considerado importante para destravar a concessão da Ferrovia Norte-Sul.
Formado em direito pela Universidade Católica do Salvador e doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Aras é subprocurador-Geral da República com atuação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
É membro do MPF desde 1987. Também é professor de direito comercial e eleitoral, na Universidade de Brasília e na Escola Superior do Ministério Público da União.
Bolsonaro diz que buscava um nome que não atrapalhasse o progresso do país. Em discurso recente, o presidente afirmou que não pretendia indicar um “xiita” da questão ambiental nem das minorias para o cargo.
O relator da matéria na CCJ, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), afirmou que Aras cumpriu todos os requisitos documentais e burocráticos para ser o novo chefe do MPF.
Esclarecendo que seu relatório é restrito ao aspecto técnico da indicação, o senador indicou seu voto favorável ao atual subprocurador-geral da República.
Durante todo o mês, Aras frequentou o Senado em busca de votos. Ele, inclusive, participou da reunião de líderes, ocasião em que os senadores e o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), discutem as pautas prioritárias e costuram acordos para votações.
Após a derrota de ontem no Congresso, quando teve 18 vetos derrubados por parlamentares na Lei de Abuso de Autoridade, o governo deve ter uma quarta-feira mais tranquila: a expectativa é que a indicação de Aras passe sem susto pela CCJ e, depois, pelo Plenário.
(Com Reuters, Agência Senado e Estadão Conteúdo)