Jair Bolsonaro: até o início da campanha, candidato foi tratado com desdém por políticos de partidos tradicionais (Diego Vara/Reuters)
Reuters
Publicado em 5 de outubro de 2018 às 21h12.
Brasília - O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), chega à reta final da disputa eleitoral com reais chances de vencer em uma campanha que pode ser classificada como a de um "nanico teflon", aquele que, mesmo contando com uma irrisória estrutura partidária e duramente criticado por opositores pelas polêmicas posições que defende, lidera a corrida ao Palácio do Planalto no primeiro turno com certa folga.
Ao vestir o figurino do antipetismo, Bolsonaro conseguiu se manter durante a corrida como o segundo na disputa presidencial até a saída do principal antípoda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve candidatura barrada com base na Lei da Ficha Limpa na madrugada do dia 1º de setembro.
Com a saída de Lula, o presidenciável foi alçado à dianteira das pesquisas e, no momento em que virou o alvo principal da propaganda eleitoral no rádio e na TV dos adversários, um atentado à faca que sofreu mudou radicalmente a dinâmica da campanha.
Bolsonaro, que tinha pífios 8 segundos do programa oficial, passou a ter uma cobertura maciça da mídia durante três semanas. Ele foi beneficiado por uma trégua inicial dos demais candidatos e, em uma mistura de comoção coletiva e onda eleitoral, conseguiu ampliar seu teto de intenções de voto das pesquisas para além do nicho da chamada extrema-direita, como costumam acusar os críticos.
Hoje, atinge quase 40 por cento dos votos válidos. Integrantes da campanha se empenham em um esforço de última hora para tentar elegê-lo já no primeiro turno, neste domingo.
Curiosamente, no período de recuperação do atentado, os principais percalços pelos quais sua campanha passou vieram de declarações e propostas de pessoas próximas dele.
O candidato a vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, fez críticas ao décimo terceiro salário e defendeu uma nova Constituição sem a participação de eleitos pelo povo.
Seu principal assessor econômico e potencial superministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu uma proposta de recriar um tributo nos moldes da malfadada CPMF.
Quando ainda estava no hospital, Bolsonaro comandou uma operação para rebater essas polêmicas sugestões, numa operação que levou a uma "lei do silêncio", segundo fontes, na reta final da campanha e uso de redes sociais e entrevistas também.
"Olha só, o presidente serei eu, tratei desse assunto com ele (Guedes), ele falou que foi um ato falho. Ele quer diminuir a quantidade de impostos, agregando tudo num novo nome, pessoal fala em IVA, imposto de valor agregado, ele escorregou nessa palavra", explicou Bolsonaro em entrevista à Rádio Jornal, de Pernambuco, na quinta-feira.
Nem mesmo os expressivos protestos de mulheres ocorridos no último sábado nas ruas de várias cidades do Brasil impediram o crescimento de Bolsonaro - ao contrário, ele conseguiu aumentar sua intenção de voto até entre o eleitorado feminino.
Apesar desses percalços, a verborragia nas declarações e o jeito simples galvanizam ardorosos apoiadores que celebram Bolsonaro como "mito" e o defendem nas ruas e nas redes sociais, ao mesmo tempo em que outra legião, de críticos, o acusa de discriminação, de ser preconceituoso e avaliavam que ele iria morrer na praia na campanha presidencial.
Essa posição de franco atirador dele tem sido apontada, por entusiastas, como uma de suas principais virtudes e também era tido como uma de suas principais fragilidades na disputa.
Declarações em apoio à ditadura militar --já comparou a um "tapa no bumbum" execuções determinadas pelo ex-presidente Ernesto Geisel, segundo revelou documento da CIA-- e polêmicas que viraram investigações criminais preocupavam aliados. Ele é réu em dois processos no episódio em que, em 2014, disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela "não mereceria".
Essas falas já lhe renderam acusações de homofóbico, misógino e racista.
Durante a campanha, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou transformá-lo em réu por acusação de racismo. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, acusou-o de ter feito um discurso de incitação a ódio e preconceito direcionado a diversos grupos, como culpar indígenas pela não construção de hidrelétricas em Roraima, em palestra que deu ano passado.
Na reta final da campanha, o candidato procurou suavizar antigas posições.
Aos 63 anos, Jair Messias Bolsonaro coloca-se como o nome ao Planalto contra o establishment político, boa parte do qual dizimado pela operação Lava Jato, e como um outsider, mesmo tendo sete mandatos de deputado (27 anos de Congresso) e passado por vários partidos.
É uma grande mudança de perfil para quem, até pouco tempo atrás, tinha como principal foco de atuação política a defesa, no Congresso, de demandas corporativas das Forças Armadas.
O deputado filiou-se no início do ano ao Partido Social Liberal (PSL) e, por meio de um eficiente e aguerrido apoio nas redes sociais, conseguiu no primeiro turno superar a força da campanha no rádio e na TV, um dos principais meios para transmitir as ideias e programas do candidato.
Desde a eleição presidencial de 1989, a campanha na TV - ligada aos palanques nos Estados - teve grande influência na corrida ao Planalto. Bolsonaro não tem nenhum dos dois. As redes sociais e seus apoiadores espontâneos subverteram essa ordem.
"Essa eleição vai se definir entre a política tradicional e a rede social", disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do parlamentar, em julho à Reuters.
Até o início da campanha, o pré-candidato foi tratado, de maneira geral, com desdém por políticos de partidos tradicionais - acreditando se tratar de uma bolha que estouraria nas eleições.
A operação para dar visibilidade ao trabalho dele nas redes sociais envolve um grupo restrito de pessoas, segundo o assessor de imprensa de Bolsonaro, Eduardo Guimarães.
São assessores, o filho e vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, e o próprio deputado que gravam, editam, escrevem e publicam em cada uma das redes. Esse é o principal canal para mobilizar seus apoiadores.
"Nas posições dele, ele é muito enfático realmente. Quando entra na discussão, ele faz valer a opinião dele da maneira mais enfática possível", disse à Reuters Frederico D'Ávila, um dos diretores da Sociedade Rural Brasileira e um dos coordenadores de Bolsonaro para o setor agropecuário.
"Mas ele é um cara brincalhão, afetuoso, risonho. É um cara acessível, ele deixa as pessoas agarrarem ele, abraçar ele, tirar foto com ele, grava recado no celular das pessoas, percebe a condição humana de cada um", acrescentou.
Mesmo sem apoio dos principais partidos com atuação no Congresso, na última semana para o primeiro turno, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), grupo que reúne 261 deputados federais e senadores que defendem pautas de interesse do setor, anunciou de forma oficial apoio ao candidato do PSL.
Outras duas importantes frentes no Legislativo, a dos evangélicos e a da segurança pública, também contam com parlamentares que, em sua maioria, respaldam Bolsonaro.
Por ora, Bolsonaro só conta com o apoio oficial de seu PSL e o PRTB, do vice, embora seja esperado para um eventual segundo turno novas adesões políticas.
Apesar do apelo popular, o presidenciável tem contado com uma restrita lista de apoiadores de peso no país em prol do seu plano presidencial publicamente. Paulo Guedes é um dos raros a trabalhar pelo capitão da reserva, numa relação que nasceu praticamente do acaso.
No final do ano passado, segundo Guedes, o economista encontrou-se com Bolsonaro em uma sala reservada de um hotel no Rio de Janeiro. A reunião foi intermediada por um conhecido do economista que mora fora do país, a pedido de interlocutores do deputado.
O então pré-candidato do PSL disse que queria ajuda para lidar com assuntos econômicos, mas Guedes afirmou que na ocasião não poderia porque estava trabalhando para construir a candidatura do apresentador Luciano Huck, segundo relato do próprio economista à Reuters.
O deputado pediu-lhe que, se Huck desistisse, poderia ajudá-lo nessa área. A falta de preparo econômico é uma das críticas feitas ao pré-candidato do PSL.
Recebeu um sim dele e, com a saída do páreo do apresentador uma semana depois, Guedes - economista com Ph.D. na Universidade de Chicago, considerado um templo mundial do liberalismo- virou o conselheiro de Bolsonaro, que historicamente defendeu a presença firme do Estado.
"Gostei do Paulo, veio no quartel-general do inimigo e falou a verdade", disse Bolsonaro ao final daquele encontro no hotel, segundo relato feito por Guedes.
Em tom humilde, o pré-candidato tem dito que "não entende" de economia, mas tem se reunido duas vezes ao mês com Guedes, além das habituais trocas de mensagens por WhatsApp com seu conselheiro.
A parte mais evidente das ideias de Bolsonaro está na segurança pública, quando faz um enfático discurso em defesa da possibilidade de o cidadão ter direito ao porte de armas para combater a violência.