Brasil

Casos de covid-19 entre ianomâmis cresce mais de 250% em 3 meses

O levantamento mostra que houve casos confirmados em 23 das 37 regiões da terra indígena, que fica entre os Estados de Roraima e Amazonas

Ianomâmi: Foram, até agora, 1.202 casos confirmados e 23 mortes registrados no relatório "Xawara – Rastros da Covid19 na TI Ianomâmi e a Omissão do Estado" (Adriano Machado/Reuters)

Ianomâmi: Foram, até agora, 1.202 casos confirmados e 23 mortes registrados no relatório "Xawara – Rastros da Covid19 na TI Ianomâmi e a Omissão do Estado" (Adriano Machado/Reuters)

R

Reuters

Publicado em 19 de novembro de 2020 às 16h17.

Última atualização em 19 de novembro de 2020 às 20h05.

O número de casos de covid-19 dentro da terra ianomâmi aumentou 259% entre os meses de agosto e outubro, e mais de um terço da população indígena da região pode ter sido exposto ao novo coronavírus, de acordo com um relatório produzido pela Rede Pró-Yanomami e Ye'kwana e pelo Fórum de Lideranças da Terra Ianomâmi.

Foram, até agora, 1.202 casos confirmados e 23 mortes registrados no relatório "Xawara – Rastros da Covid19 na TI Ianomâmi e a Omissão do Estado". Os números, no entanto, podem ser ainda piores.

Maior terra indígena do país, com 96.650 quilômetros quadrados de território e 26,7 mil indígenas vivendo em 366 aldeias --vários deles grupos ainda isolados-- o próprio tamanho do território dificulta o monitoramento. De acordo com Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, o levantamento foi feito em comunicação por rádio com as várias aldeias e também com dados registrados nos distritos sanitários indígenas.

O levantamento mostra que houve casos confirmados em 23 das 37 regiões da terra indígena, que fica entre os Estados de Roraima e Amazonas. No entanto, o número de testes para Covid-19 aplicados entre os ianomâmis até agora, 1.270, representa apenas 4,7% da população da terra indígena. Dessas, 70% tiveram resultados positivo.

Em cerca de um terço dos 37 territórios praticamente nenhum teste foi aplicado. Mas, em uma das regiões, chamada de Demini, onde foram feitos a maioria dos testes, 90% da população estava infectada.

"Na terra ianomâmi essa contaminação já chegou. Cada vez mais ianomâmis estão expostos para se contaminar mais ainda. Já fizemos pesquisa hoje demonstrando que 10 mil foram expostos e cada vez mais vão ser contaminados daqui para a frente", disse Dário Yanomami.

O primeiro caso registrado entre os ianomâmis foi em abril, com o adolescente Alvanei Xirixan, que morreu depois de seis dias internado em uma UTI em Boa Vista. No final de maio já eram 68 casos, em agosto chegou a 550 e o número mais que dobrou até o final de outubro.

"Hoje na terra ianomâmi os profissionais de saúde estão trabalhando, mas não tem equipamento, não tem profissionais suficiente, não tem estrutura", disse Dário. "É difícil esse combate e o governo federal não dá apoio suficiente."

A divulgação do relatório foi uma forma de pressão, para aumentar a visibilidade do que está acontecendo entre os indígenas.

Em julho deste ano, uma missão militar visitou parte da terra indígena para levar equipamentos de proteção e suprimentos, mas a chegada do grupo, com a presença de jornalistas, incomodou as lideranças indígenas. Como mostrou a Reuters, eles reclamaram que não foram avisadas e disseram que os militares causaram aglomerações e obrigaram a um contato com forasteiros enquanto os indígenas estavam tentando manter o isolamento.

Procurada, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da Reuters.

GARIMPO E COVID

O epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Paulo Basta, um dos pesquisadores da rede de apoio ianomâmi, explica que o número de casos teve uma estabilidade, mas nos últimos meses, enquanto havia alguma redução no país, na terra ianomâmi a tendência se mantinha em expansão.

"O que a gente tem observado em áreas indígenas é um alto potencial de espalhamento. Felizmente a letalidade é equilibrada", disse.

Segundo Basta, os números recolhidos no relatório pela rede são mais próximos da realidade do que os recolhidos pelos distritos de saúde indígena --os registros oficiais são de 1.052 casos entre os ianomâmis e 9 óbitos--, mas ainda assim certamente são subnotificados.

"O relatório feito pela rede é mais abrangente, envolveu além da Sesai uma rede de pessoas que trabalham no território e estão fazendo monitoramento. Sem dúvida é mais próximo da realidade, mas ainda não foi possível fazer de toda população, é território muito grande", explicou. "Pode ter outras populações impactadas, especialmente onde há maior atuação de garimpo ilegal.

A retirada dos garimpeiros de dentro do território ianomâmi é uma das principais reivindicações dos líderes indígenas. Junto com organizações não governamentais, os ianomâmis têm uma campanha chamada "Fora, Garimpo" e um abaixo-assinado com 430 mil assinaturas pedindo a ação do governo para retirada dos invasores. A conta é de que 20 mil garimpeiros estejam atuando hoje dentro do território.

"Tem cada vez mais garimpeiros entrando na terra indígena, contaminando os indígenas com Covid-19, contaminando nossos rios, com mercúrio, fazendo ameaças de mortes, causando danos ambientais", disse Dário.

Em julho, uma decisão judicial determinou a retirada imediata dos garimpeiros do território e exigiu a presença de militares, servidores do Ibama e da Funai para garantir a proteção do território. Até agora, no entanto, os garimpeiros continuam atuando na área.

Acompanhe tudo sobre:CoronavírusIndígenasPandemia

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022