Silvio Cascione: “Não acredito que o governo simplesmente usou a intervenção do estado como uma desculpa para não votar a reforma” (foto/Divulgação)
Raphael Martins
Publicado em 23 de fevereiro de 2018 às 18h40.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2018 às 18h41.
A intervenção federal no Rio de Janeiro levantou teorias sobre uso eleitoral da pauta de segurança pública e de uma possível saída sem acusar a derrota para o governo de um fracasso na reforma da Previdência. O presidente Michel Temer (MDB) nega as narrativas.
Para analistas políticos, porém, há um fundo de verdade nas duas hipóteses. A falta de votos para sancionar a PEC das aposentadorias, na verdade, abriu espaço para uma reaglutinação da base por meio da intervenção, uma pauta que soa como positiva a qualquer um que tema pelo avanço da violência.
Quem explica a relação entre todos os fatores é o cientista político Silvio Cascione, analista para Brasil da consultoria de risco Eurasia. “Não acredito que o governo simplesmente usou a intervenção do estado como uma desculpa para não votar a reforma”, diz. “O governo gostaria de intervir, mas só o fez quando percebeu que não ia mais atrapalhar a pauta do Congresso”.
Veja abaixo a entrevista completa.
A pauta de segurança pública agora vai ser a pauta principal do governo?
Não é a única prioridade do governo, porque ainda quer aprovar muitas medidas econômicas e fiscais. Mas as duas áreas vão dividir espaço no Congresso. Os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentavam emplacar uma pauta de segurança pública antes da volta do Legislativo. É uma pauta com cada vez mais apelo popular. Temer também percebeu essa questão e quis ocupar este espaço junto. Segurança pública é um problema muito grave e, para um governo que está com uma rejeição altíssima, faz sentido procurar alguma narrativa para concorrer às eleições. A Previdência e as reformas não seriam esse mote. A população em geral não comprou o discurso de que as reformas estão revolucionando o país. Na segurança, a situação é tão grave que não dá para dizer que o apelo é somente eleitoreiro. Muitas medidas justificam-se por si só. É uma pauta de governo, mas o timing dos anúncios mostra que convém o momento pré-eleições.
Qual é o principal impacto da medida no Congresso?
Não achamos que a segurança vai deslocar a pauta econômica. Pelo contrário: segurança pública ajuda a manter a base mobilizada, por ser popular, e isso facilita com que as outras pautas continuem tramitando. Mostra que o governo continua tento poder de articulação no Congresso. Esse impacto pode ser sentido mais de imediato e o governo não vira um pato manco tão cedo, com a queda da Previdência. Mas há um efeito colateral, que é a disputa pelo protagonismo entre Maia e Temer. Maia está dando declarações para mostrar que está incomodado com esse protagonismo que Temer está buscando. A relação está difícil. O lado positivo é que muitas das medidas econômicas de Temer também estão na pauta de Maia. Ele garantiu que pautaria, por exemplo, a votação do Cadastro Positivo, a privatização da Eletrobras. São prioridades para os dois lados, então, a disputa em público, a marcação de posição, não deve obstruir a pauta econômica. Um terceiro impacto da intervenção, que já é sabido, é que impede a tramitação de PECs. A da Previdência já não tinha os votos mesmo. Mas agora se confirma que o resto da agenda, como foro privilegiado e Regra de Ouro, vão acabar ficando para o próximo governo.
Temos indicadores de violência de outros estados que estão até piores. Escolher o Rio foi por conta do estado da segurança pública, ou porque é uma vitrine e repercute mais na imagem do governo tentando resolver o problema?
A situação do Rio está muito séria, e vem piorando. Então, algum tipo de intervenção ou de ação mais dura era justificada. Não é só uma questão de visibilidade. Mas o ponto mais importante é a anuência do governo do estado. Temer não fez muita pressão no Ceará porque o governo do estado não tem interesse nisso. Temer também não deseja fazer uma intervenção à revelia. Trouxeram o governador Pezão, foram até o Rio de Janeiro participar de uma cerimônia. Tudo para mostrar que isso estava sendo feito em conjunto. No Ceará, o governo é do PT, é um estado onde o próprio partido está mais alinhado ao PT. Eunício Oliveira (MDB-CE) está mais alinhado ao governador que ao presidente. A presença do exército no Rio também é mais constante e o governador não tem pretensão política, eles [MDB] estão sendo rejeitados. Quem não foi preso, está prejudicado nas eleições.
Estar na região do centro econômico do país faz diferença?
Não faz. Se tivesse uma grave crise num estado periférico, também teria uma interferência. O ponto é que essa interferência é uma medida muito extrema. Tanto que ela não acontece há trinta anos, e não deve continuar no próximo governo. Se o governo que vier tiver que aprovar a Previdência, não vai continuar uma intervenção no Rio. A não ser que o Congresso procure algum subterfúgio para aprovar PECs. Mas não enxergamos nenhuma medida neste sentido e acreditamos que elas continuem sendo medidas de última instância, para casos de extrema necessidade, e para que não se repita em outros estados.
A questão das inseguranças jurídicas, como o pedido dos mandados coletivos, que tipo de consequência política o governo pode ter com isso?
Acho que este foi um primeiro sinal de riscos na opinião pública envolvidos na operação. Ao que tudo indica, é uma operação por enquanto popular, mas corre o risco de não render todos os frutos que o governo espera colher em termos de imagem. Existem riscos de abuso de autoridade, aumento de casos de violência, ou simplesmente não dar certo. Tudo isso significa que o governo não deve se beneficiar tanto em termos de popularidade. Mais para o meio do ano, se ficar claro que o governo não subiu a popularidade como esperado, a capacidade do Temer fazer um sucessor será prejudicada. Eles terão importância na eleição, porque se trata de um partido muito grande e capilar, mas não tanto quanto gostariam se a impopularidade aumentar.
A intervenção pode ter sido subterfúgio para o governo ter desistido das reformas porque não tinha voto?
O papo de intervenção vinha à tona desde meados do ano passado. Mas isso nunca foi levado pra frente porque tinha a reforma da Previdência e uma agenda que exigia PECs no Congresso. O fato de o governo perceber que não tinha votos para aprovar a reforma abriu um caminho para a intervenção. Não acredito que o governo simplesmente usou a intervenção do estado como uma desculpa para não votar. O governo gostaria de intervir no estado, mas só o fez quando percebeu que não ia mais atrapalhar a pauta do Congresso.
A falta de clareza de custos preocupa os entes econômicos ou os fins justificam os meios?
Até agora parece que a operação está sendo conduzida com cuidado. A equipe econômica está acompanhando bem de perto, e não parece que vá trazer nenhuma consequência de caixa no curto prazo. Mas o ponto mais importante dessa intervenção não é dinheiro no curto prazo. Ela está escancarando a crise fiscal dos estados e da União. E isso será um abacaxi enorme para o próximo presidente. A crise do Rio tem diversos fatores e é antiga, mas está se agravando pela falta de capacidade do estado de se administrar. E isso reflete nos outros serviços, como saúde e educação. Outros estados também têm essa dificuldade, com atrasos de salários, greves das polícias, etc. O Rio fez um acordo de Recuperação Fiscal com a União, que é super longo e doloroso, e mesmo assim a situação não melhorou. Com os estados sofrendo, a tendência é que o crime organizado, rebeliões nos presídios só piorem. Ano que vem, o problema fiscal vai dominar a pauta de todos os governantes, com crises cada vez mais graves e pedidos de socorro. Outros estados vão insistir com pedidos de ajuda. Terão que flexibilizar os orçamentos. Por isso, a reforma da Previdência certamente vai continuar na pauta.