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Caminho da Índia: o que o Brasil pode aprender sobre digitalização?

OPINIÃO | Com crescimento da infraestrutura digital, a expansão do acesso à internet e a digitalização dos serviços públicos, o Brasil pode se beneficiar profundamente da experiência indiana

Tadeu Barros
Tadeu Barros

Colunista

Publicado em 3 de dezembro de 2024 às 06h05.

Você sabia que o Brasil teria um ganho econômico de 59 bilhões de reais por ano se implementasse um sistema digital integrado no serviço público? Um estudo do CLP mostra que isso seria possível a partir de três fatores específicos: a desburocratização na abertura de novos negócios, a facilitação da formalização de pequenos empreendedores e uma identificação única da população.

Hoje, o tempo médio necessário para abrir empresas no Brasil é de 18 horas, segundo o Boletim de Mapa de Empresas. Em Singapura, na Nova Zelândia ou na Estônia, você não demora mais de uma hora se toda a documentação estiver em ordem.

Há uma série de exemplos globais de sucesso na implementação de tecnologias digitais no setor público que melhoraram a eficiência, reduzem custos, aumentam a transparência e proporcionam melhores serviços para os cidadãos.

No entanto, replicar um modelo de um país para o outro não é algo trivial. Há uma série de fatores e características geopolíticas que precisam ser levadas em conta, como discrepância populacional, contexto socioeconômico e infraestrutura.

A Estônia, por exemplo, tem uma população total de pouco mais de 1,3 milhã de pessoas, o que permite uma implementação mais controlada e focada de suas inovações digitais. No Brasil, são mais de 200 milhões de pessoas que vivem realidades regionais completamente diferentes.

Partindo desta premissa, por que não nos espelhamos em um país que seja mais semelhante ao Brasil, considerando o tamanho populacional, as características socioeconômicas e o potencial digital?

Foi com esse objetivo que fiz as malas e embarquei para uma missão internacional na Índia como o objetivo de conhecer de perto os desafios relacionados à escala, à diversidade e à infraestrutura, o que faz com que seus processos de transformação digital tenham algumas dinâmicas comparáveis com o Brasil.

As lições de digitalização da Índia

A primeira lição e a mais importante é que, assim como o Brasil, a Índia necessita de soluções escaláveis e flexíveis.

O país conta com mais de 1,4 bilhão de habitantes e possui uma grande disparidade entre áreas urbanas e rurais. Nas grandes cidades, como Mumbai, há maior acesso à tecnologia e inovação digital, enquanto nas áreas rurais, o acesso à internet e a serviços digitais ainda é limitado. Além disso, tanto o Brasil quanto a Índia possuem uma diversidade linguística significativa (no Brasil, com o português, e na Índia, com várias línguas regionais).

E para vencer o desafio de elaborar políticas de inclusão digital que atendam a diferentes grupos sociais e regiões, a Índia deu um passo atrás, para dar dois à frente.

Em 2006, o governo se comprometeu a dar a todos os moradores uma identidade formal e a montar uma visão estratégica para que isso acontecesse. Três anos depois a Índia criou o sistema de identificação de cidadão mais ambicioso do mundo com o Aadhaar, um banco de dados biométrico abrangente que fornece uma identidade registrada a 99% (1.4 bilhão de pessoas) da população adulta do país.

De modo prático, todo cidadão indiano residente do país e com mais de 18 anos tem um número de identificação de 12 dígitos com base em dados biométricos (impressões digitais, escaneamento da íris e fotografia facial) e informações demográficas (nome, endereço, data de nascimento, sexo).

Por meio desta identificação universal é possível acessar qualquer serviço público e até abrir contas bancárias sem a necessidade de documentos tradicionais, como passaportes ou carteiras de identidade. Além de reduzir fraudes em programas de bem-estar social, o programa foi importante para pessoas que não têm acesso a bancos ou outros meios formais de identificação, como representantes de classes mais baixas.

No Brasil, embora mais de 13 milhões de pessoas já contem com a nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), ainda há muito a avançar na estruturação entre o Governo e os cidadãos por meio de uma plataforma digital unificada para todos os serviços públicos, o chamado conceito “governo como plataforma” (GaaP).

Hoje, cerca de 2,7 milhões de brasileiros não têm documentos ou qualquer tipo de registro civil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com Anuário de Competitividade Digital 2024, divulgado pelo IMD World Competitiveness Center, em parceria com o Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral (FDC), o Brasil não evoluiu no índice que mede a capacidade de adoção e exploração de tecnologias digitais que levam à transformação nas práticas governamentais, nos modelos de negócios e na sociedade em geral. Dos 67 países analisados, o Brasil se manteve na 57ª colocação (a mesma posição de 2022), atrás de nações emergentes como Turquia (55 ª), África do Sul (54 ª) e Índia (51 ª).

O relatório aponta que um dos principais motivos para a estagnação do país é justamente a dificuldade na criação de novos negócios. Hoje, o Brasil é somente o 64º colocado em financiamento para desenvolvimento tecnológico e em venture capital para explicitar a dificuldade que o país enfrenta na agenda de redução de custos.

Por outro lado, com seu mercado grande e diversificado, capital humano de qualidade e colaboração entre setores público e privado, o Brasil pode se beneficiar profundamente da experiência indiana de infraestrutura digital, a começar com a identificação única da população.

Identificar e reconhecer cada cidadão é o passo fundamental para transformar a forma como os serviços públicos são prestados, aumentando a segurança, a eficiência administrativa e a inclusão social. É também o primeiro passo para conhecer cada cidadão e, assim, conseguir cumprir com o principal propósito do setor público que é entregar melhores serviços à população.

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