Geddel: a polícia encontrou suas digitais nos 51 milhões de reais encontrados em Salvador (Ueslei Marcelino/Reuters)
Lucas Amorim
Publicado em 8 de setembro de 2017 às 11h07.
Um bunker com 51 milhões de reais foi demais até os padrões de corrupção brasileiros. Três dias depois de a Polícia Federal descobrir essa fortuna num apartamento em Salvador, o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB) voltou a ser preso em regime fechado na manhã desta sexta-feira.
Após uma denúncia anônima, a PF fez no imóvel a maior apreensão de dinheiro em espécie da história do país. Segundo o jornal O Globo, as digitais do ex-ministro foram encontradas nas cédulas e nas caixas que guardavam o valor dentro do apartamento. Dono formal do imóvel, o empresário Silvio Silveira confirmou em depoimento que o apartamento estava emprestado para o uso de Geddel.
Geddel havia sido detido no último dia 3 de julho, por decisão do juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, tendo sido transferido para a prisão domiciliar nove dias depois, sem tornozeleira eletrônica, por decisão do desembargador Ney Bello. Seu retorno à prisão é simbólico, já que coloca ainda mais pressão no grupo de aliados mais próximos do presidente Michel Temer.
O ex-ministro simboliza a essência corrupta de uma ala do PMDB, segundo o cientista político Sérgio Praça, da FGV, colunista de EXAME Hoje. Praça é um dos maiores especialistas do país em corrupção e tem uma tese de doutorado focada no escândalo dos Anões do Orçamento, de 94, que colocou Geddel nos holofotes. “Ele era uma figura meio obscura à época. Mas ao longo do crescimento do PMDB da Câmara, com Michel Temer, Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha, ele foi ganhando relevância. Sempre tentou usar dinheiro corrupto para crescer na política. Nunca se destacou pelo conteúdo”, diz Praça.
Amigo do presidente Michel Temer há mais 30 anos, Geddel pediu demissão em novembro do ano passado de Secretaria de Governo com uma carta carrega de sofrimento. “Avolumaram-se as críticas sobre mim. Em Salvador, vejo o sofrimento dos meus familiares. Quem me conhece sabe ser esse o limite da dor que suporto. É hora de sair”.
Geddel era suspeito de utilizar o cargo para fazer pressão pela liberação de um empreendimento vetado pelo Iphan, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em Salvador. Foi acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, e admitiu que o procurou para falar sobre a obra. Com a revelação de que as conversas foram gravadas, e que Temer também estava implicado, a situação ficou insustentável.
Nesta sexta-feira, Calero republicou no Twitter uma nota do site O Antagonista, que afirmava que Michel Temer e seus principais aliados estavam preocupados com a iminente voltou de Geddel para a cadeia. Calero escreveu:“por que será?”
Baiano, Geddel fez carreira política no estado ao lado do irmão, Lúcio Vieira Lima, atual deputado federal pelo PMDB. Ambos foram inspirados a entrar na política pelo pai, o ex-deputado Afrísio Vieira Lima, que morreu em janeiro deste ano. Na Bahia, a família era aliada do ex-governador e ex-senador Antônio Carlos Magalhães. Geddel foi muito próximo do filho de ACM, Luís Eduardo Magalhães, morto em 1998.
Com o pai deputado, Geddel cresceu e estudou em Brasília, no Colégio Marista, um dos mais tradicionais da cidade. Lá, foi colega do falecido cantor e compositor Renato Russo, seu desafeto. Segundo Russo, Geddel “era insuportável”. Aos 31 anos, voltou à Bahia. Elegeu-se deputado federal pelo PMDB em 1990 — posto que ocupou por 5 mandatos consecutivos até 2011. É dessa data que vem sua aliança com o atual presidente. Em 1995, Geddel atuou na campanha de Temer para a presidência do partido.
Em 2010, Geddel foi derrotado por Jacques Wagner para o governo da Bahia. Em 2014, perdeu a disputa ao Senado numa campanha em que ficou famoso pelo bordão DilMel – Dilma e Geddel. Seu último cargo de indicação no governo petista foi a vice-presidência de pessoa jurídica da Caixa Econômica Federal.
O esquema dos Anões do Orçamento foi um dos primeiros grandes escândalos do Brasil redemocratizado, quando cerca de 37 parlamentares foram acusados de desviar mais de 100 milhões de reais dos cofres públicos, com esquemas de propina, para favorecer governadores, ministros, senadores e deputados. Foram chamados “anões” porque a maioria dos deputados envolvidos era de pouca relevância (e estatura) no cenário político brasileiro.
Desde o escândalo, Geddel cresceu em relevância política, e em patrimônio. Uma reportagem da Folha de S. Paulo de 1994 que ele era dono de 120 hectares na Bahia, de uma Parati 1989 e de um título do Iate Clube da Bahia. Vinte anos depois, quando disputou sua última eleição, declarou à justiça eleitoral um patrimônio de 5,9 milhões de reais, divididos em 12 propriedades rurais pela Bahia, além de uma Pajero e uma Grand Cherokee. Os 51 milhões achados em seu bunker ficaram, claro, fora da declaração.
Dentre tantos episódios, Geddel foi preso no dia 3 de julho por obstrução de Justiça na Cui Bono?, por tentar coagir o doleiro Lúcio Funaro, operador do PMDB, a não firmar acordo de colaboração premiada e entregar crimes do partido. Com Funaro preso, o ex-ministro fazia pressão por meio da esposa do doleiro, Raquel Pitta. Foram entregues prints de tentativas de ligação de Geddel à Raquel na noite em que o jornal O Globo revelou que Joesley Batista pagava uma mesada a Funaro e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que mantivessem o silêncio.
Geddel recebeu, segundo as autoridades, mais de 20 milhões de reais em propina só no esquema da Caixa. Em troca empréstimos e liberação de fundos do FI-FGTS, empresas que necessitassem de crédito pagavam um pedágio.
O baiano é conhecido pelo temperamento explosivo e poucas papas na língua. Por conta disso, coleciona inimigos. ACM o chamava de “proxeneta” nos anos 90. O ex-presidente Itamar Franco o chamou de “Percevejo de Gabinete” em 2002. O doleiro Lúcio Funaro, em interceptação feita pela Lava-Jato, disse que Geddel tinha uma “boca de jacaré” para receber propina e era um “carneirinho” para trabalhar.
Mais recentemente, aqueles que tentaram discutir com ele na rede social Twitter viram de perto o jeitão Geddel de ser: não foram poucas as vezes em que ele recorreu à mãe do interlocutor como resposta. Até quando o ator José de Abreu o provocou dizendo que iria para a cadeia, a resposta do ex-ministro foi “só se for para visitar a sua mãe”. Como se viu nesta sexta-feira, não foi bem o caso.