Brasil

Bumlai, o empresário, de mal a pior

Amigo do ex-presidente Lula, o empresário foi preso em 2015 pela Lava Jato e faz tratamento, em prisão domiciliar, de um câncer na bexiga

BUMLAI: o juiz federal Sergio Moro determinou que o pecuarista volte à carceragem da Polícia Federal / Lula Marques/ Agência PT

BUMLAI: o juiz federal Sergio Moro determinou que o pecuarista volte à carceragem da Polícia Federal / Lula Marques/ Agência PT

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Da Redação

Publicado em 2 de julho de 2016 às 06h47.

Última atualização em 1 de outubro de 2018 às 12h33.

Em 2008, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fixou um aviso no gabinete presidencial: “O sr. José Carlos Bumlai deverá ter prioridade de atendimento”. Oito anos se passaram e Bumlai se vê hoje em uma situação dramática sob qualquer ângulo. Foi preso em 2015 pela Lava-Jato e faz tratamento, em prisão domiciliar, de um câncer na bexiga. Nos negócios, sua usina de açúcar São Fernando, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, está afundada em dívidas e passa por um bombardeio de pedidos de falência. Quem encabeça a lista é o BNDES. Se nos tempos gordos, entre 2008 e 2012, o banco estatal concedeu quase 500 milhões de reais em créditos à usina, nos últimos anos virou um de seus algozes.

Desde 2013, o BNDES já pediu seis vezes que a Justiça decretasse a falência da São Fernando. Em uma das petições, obtida por EXAME Hoje, os advogados do banco consideram um escárnio a relação da empresa da família Bumlai com seus credores.

“O simples fato de as recuperandas não pagarem um único centavo aos credores com garantia real por um ano e meio já induz completa falta de capacidade de reação”, disse o banco em maio.

“Afinal, o que houve não foi um inadimplemento, mas verdadeiro abandono das obrigações do PRJ [Plano de Recuperação Judicial]. O que esperam as recuperandas? Que o “mundo inteiro” quede curvado aos seus desmandos durante o tempo em que nada é pago?”.

Em 17 de junho, o banco reiterou o pedido. Argumentou que os acionistas da São Fernando esperam a “manutenção da situação atual; nada pagam (já em um PRJ), nada respeitam, e se arvoram titulares de prerrogativas; um escárnio aos credores”. Em sua delação premiada, o ex-senador Delcídio do Amaral afirmou que Bumlai foi fundamental na liberação de financiamentos do BNDES aos frigoríficos Friboi, Marfrig e Bertin.

O império de Bumlai começou com empreiteiras. Por 30 anos, trabalhou ao lado do ex-rei da soja, Olacyr de Moraes, na Constran (hoje parte do grupo UTC, envolvido até a medula na Lava-Jato). Sua família era proprietária de terras no Mato Grosso do Sul. Ao lado da função na Constran, ele incrementou os negócios da família.

Quando conheceu o ex-presidente, era um pecuarista reconhecido. No auge, chegou a ter 150.000 cabeças de gado no início dos anos 2000. Mas seus negócios subiram de patamar depois de conhecer Lula. Em 2010, seu filho Maurício projetou um “ano dourado”.

Segundo documento apreendido pela PF, publicado pela revista VEJA, estavam previstos empréstimos do BNDES para a São Fernando e a inauguração de uma fábrica de açúcar. Além de Investimentos na área de produção de carvão, concessões de rodovias e de saneamento, contratos de coleta de lixo em capitais como Manaus e até negócios bilionários em Angola.

“No futuro, assim como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek serão lembrados pela Petrobras e por Brasília, Lula terá como marca os biocombustíveis”, disse em 2009 à revista Dinheiro Rural. Em 2010, a São Fernando foi inaugurada.

Desde então, se tornou uma maldição nos negócios de Bumlai. Mesmo com volumoso empréstimo do BNDES, a empresa sofreu o baque do setor e teve de reestruturar as dívidas. Propriedades como fazendas e imóveis urbanos foram dadas como garantias aos empréstimos contraídos pela usina.

Em 2012, Bumlai vendeu a fazenda Cristo, propriedade de 120.000 hectares no Pantanal, ao banqueiro André Esteves, do BTG Pactucal, um de seus maiores credores até então. Foi nesse local que ele e Lula se conheceram, quando o empresário cedeu o espaço para a campanha eleitoral de 2002.

Dívidas aumentando

Controlada hoje por holdings cujos sócios são Maurício e Guilherme Bumlai, filhos do pecuarista, a São Fernando está em recuperação judicial desde abril de 2013. Sua dívida gira em torno de 1,5 bilhão de reais. Somente para o BNDES, deve entre 320 e 330 milhões de reais. Outros 120 milhões estão na conta do Banco do Brasil, que também já pediu sua falência.

Recentemente, segundo o processo obtido por EXAME Hoje, diversos credores vêm pedindo a falência da companhia. “As devedoras não estão em dia com os pagamentos de seu crédito, estando inadimplentes desde julho/2015, razão pela qual requerem a imediata convolação da presente recuperação judicial em falência”, alegou o BNP Paribas.

Em dezembro do ano passado, cinco dias antes de Bumlai ser preso por distribuição de propina, a São Fernando fez nova proposta de recuperação judicial. O BNP Paribas, credor de uma dívida de 70 milhões de reais, conseguiu uma liminar que cancelou a assembleia de credores que aconteceria em março.

Argumentou que a empresa não havia fornecido todos os documentos necessários. Desde então, o futuro da empresa está indefinido – e os pedidos de falência se acumulam.

As dívidas da empresa aumentaram em 140 milhões de reais desde 2013. A intenção original dos Bumlai era de manter o controle da companhia e garantir um alongamento dos prazos dos vencimentos.

Além de bancos, há cerca de 2.000 outros credores. A missão ficou praticamente impossível devido à falta de pagamento e à descrença dos credores de que os filhos de Bumlai seriam capazes de gerir a usina. Vale lembrar que eles também são investigados na Lava-Jato.

No início de junho, diante da situação incontornável, contrataram a consultoria EXM Partners, que cuidava da recuperação judicial desde dezembro, para tentar também vender os ativos da empresa. “É a solução de um problema”, resume Angelo Guerra Netto, sócio da EXM.

Um dos maiores desafios é encontrar um valor de mercado para a usina. Baseada em outras transações do setor e na relação do preço da cana com o dólar, a consultoria estima que seria em torno de um bilhão de reais. A São Fernando produz hoje 2,8 milhões de toneladas de cana moída e sua capacidade é de 4,5 milhões de toneladas.

Em 2013, chegou ao recorde de 3,6 milhões de toneladas. “Temos que minimamente atender os requisitos dos credores. Os acionistas sairiam sem receber nada. O objetivo é maximizar os valores dos ativos e negócios para pagar o maior valor possível aos credores”, diz Guerra.

Os representantes da companhia agora fazem um périplo em busca de compradores para os seus ativos. Os valores da transação não foram revelados. Os consultores tentarão convencer os credores de que vale mais a pena manter a empresa viva do que falida.

Apostam em investidores estrangeiros ou em concorrentes que vejam na compra uma opção estratégica. A ideia é constituir uma Unidade Produtiva Isolada (UPI) com os ativos mais valiosos ainda em operação e vendê-los de forma judicial. A planta é a que tem mais chances de obter um bom negócio. A São Fernando trabalha para ter uma nova assembleia de credores em, no máximo, 60 dias.

Alguns pontos podem dificultar a tarefa, como a relação umbilical com a Heber Participações, empresa que tem como sócio Natalino Bertin, do Grupo Bertin. Até 2011, eram sócios, quando Bumlai comprou sua participação. Em maio de 2013, um mês após o início do plano de recuperação, a Heber se tornou avalista dos empréstimos da São Fernando para o BNDES.

Pagou, até maio de 2014, 90 milhões de reais de parcelas ao banco. Hoje, é credora da empresa e pede ressarcimento do pagamento. Em dezembro, os Bertin também foram conduzidos para prestar depoimentos na PF.

Setor aliviado – mas quebrado

Com a queda expressiva do setor sucroenergético desde 2008, grande parte das usinas do país colocou seus ativos à venda para atenuar as dívidas. Um levantamento da consultoria MB Agro revelou que ao menos 15 grupos – com 26% da cana processada no país – são candidatos de aquisições por dificuldades de sair do buraco.

Esse dado aumentar com outras 12 empresas que não conseguiram estruturar suas dívidas e têm alta alavancagem. Com isso, 39% dos processadores de cana no Brasil poderiam ser vendidas ou se fundir. Desde 2008, 85 usinas fecharam as portas. Outras 71 entraram com pedido de recuperação judicial, das quais 31 acabaram encerrando as atividades.

Hoje, o setor sente algum alívio após o fim do subsídio que era concedido à gasolina – ou seja: a ironia é que a política desastrada de preços controlados do PT ajudou a quebrar a usina de um dos homens mais próximos de Lula.

Em 2015, um levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da USP, mostrou que o PIB do setor avançou 5% em relação a 2014, de 107 bilhões de reais para 113 bilhões de reais. A desvalorização do real frente ao dólar ajudou. Apesar disso, as principais empresas do setor adotam tom de cautela.

Os investidores estrangeiros, naturalmente, não devem se mover antes de uma definição do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na quinta-feira da semana passada, o secretário do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), Moreira Franco, deu o tom da incerteza no país. “No Brasil de hoje, você não sabe com quem assina o contrato”, afirmou.

Recentemente, o juiz Jonas Hass, da 5ª Vara Cível de Dourados, negou o pedido de falência feito pelo BNP Paribas. Apesar disso, dois processos continuam pendentes: a liminar que cancelou a assembleia de credores e o pedido de falência do BNDES, que ancorou muitos dos outros pedidos.

Os investidores sérios, especialmente os estrangeiros, costumam ficar bem longe de empresas com relações nebulosas entre empresários e políticos. No limite, há empresários que se tornam radioativos. Foi o caso do empresário Eike Batista, cujo Grupo EBX pediu a maior recuperação judicial do país. A Delta Construções também ilustra essa relação espúria entre executivos e o poder público.

Considerada inidônea em 2012, a empreiteira, que chegou a ser a quinta maior do país, afundou e, depois de três anos, foi vendida para um grupo espanhol. Fernando Cavendish, que pensava ter se livrado, enfim, do fantasma, foi preso na semana passada pela Polícia Federal por um esquema gigante a de lavagem de dinheiro.

A associação do BNDES com suspeitas de tráfico de influência do empresário mais próximo ao presidente Lula embaralha as possibilidades de negócios. Especialmente com a Lava-Jato sendo desmembrada e se ramificando pelo país.

Bumlai considerou uma “burrice” o empréstimo que fez em 2004 com o banco Schahim para pagar caixa dois do PT — e que acabou acarretando sua prisão. Metade do dinheiro teria sido usado pelo partido para pagar pelo silêncio de um empresário sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. O arrependimento, neste caso, deve ter muito pouco apelo para salvar a São Fernando.

(Luciano Pádua) 

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