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Bueno, do Fórum Seg. Pública: crise nas ruas?

Gian Kojikovksi A crise nos presídios, que ficou evidenciada com as quase 100 mortes da última semana, tem um histórico mais longevo. A disputa entre as organizações criminosas PCC e Comando Vermelho, que eram aliadas, ganhou contornos de terror porque o poder público nega os problemas nas prisões . Sobre esse assunto, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro […]

SAMIRA BUENO: “são mais de 1.400 presídios estaduais no país e praticamente todos são geridos pelo crime organizado”  / Divulgação

SAMIRA BUENO: “são mais de 1.400 presídios estaduais no país e praticamente todos são geridos pelo crime organizado” / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 9 de janeiro de 2017 às 17h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h32.

Gian Kojikovksi

A crise nos presídios, que ficou evidenciada com as quase 100 mortes da última semana, tem um histórico mais longevo. A disputa entre as organizações criminosas PCC e Comando Vermelho, que eram aliadas, ganhou contornos de terror porque o poder público nega os problemas nas prisões . Sobre esse assunto, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, conversou com EXAME Hoje. Samira estuda a relação entre segurança pública e Estado e também é pesquisadora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da FGV de São Paulo. O Fórum Nacional de Segurança Pública é uma Organização Não Governamental que atua como um espaço de cooperação e troca de dados na área da atividade policial e da gestão da segurança pública no Brasil.

O governo vem tentando fazer parecer que o problema dos presídios é conjuntural e que pode ser resolvido com medidas pontuais. Ele está certo?

Não. O problema dos presídios é estrutural e histórico no Brasil. A questão das unidades penitenciárias sempre foi um problema subestimado pelos governos, tanto estaduais como federal. O problema das facções criminosas sempre foi minimizado. E continuou sendo minimizado também pelo ministro da Justiça, nos pronunciamentos sobre os massacres no Amazonas e em Roraima, na tentativa de dizer que não existem conexões entre as mortes e a atuação das facções criminosas. O fato é que nós fomos empurrando esse problema com a barriga e criamos um monstro. Agora, não sabemos como solucionar essa questão.

É possível mensurar o tamanho do problema?

São mais de 1.400 presídios estaduais no país e praticamente todos são geridos pelo crime organizado. O governo perdeu completamente o controle sobre os presidiários, que deveriam estar sob a sua custódia, e eles acabaram virando mão de obra para as facções. Isso aconteceu por causa do histórico de falta de investimentos, de achar que essa questão nunca é prioridade. Primeiro porque existem os boatos, como esses disseminados sobre a “bolsa preso”, que diz que as famílias recebem mais que o salário mínimo sem fazer nada. Segundo porque as pessoas ficam indignadas pelo governo estar gastando dinheiro com presídios enquanto boa parte da população tem falta de serviços. Elas não entendem o conceito e a importância da ressocialização para a sociedade. No final das contas, a verdade é que o Estado brasileiro ainda acredita que é possível prender as pessoas, trancar, joga a chave fora e largar o suposto criminoso ali e que isso resolve o problema. Aí acontece o que ocorreu nesta semana e mostra que essa política – se é que pode se chamar assim – é totalmente equivocada.

O que deve ser feito para começar a mudar essa situação?

O primeiro passo é uma integração de forças de diferentes atores. Enquanto se atuar isoladamente, só o governo, ou só o Ministério Público, ou só o Judiciário, nada vai funcionar. Quando falamos do sistema prisional, começamos pela polícia, que boa parte das vezes abusa de medidas como os pedidos de prisão provisória, e a lista vai até o Judiciário, que não é capaz de julgar rapidamente e desafogar o sistema. O segundo ponto é que no Brasil existe o encarceramento em massa. Dessa forma, não se consegue tratar da forma adequada os presos, que são pessoas que perderam o direito de liberdade, não o direito à dignidade. O terceiro ponto é combater as facções. Existem várias formas de se fazer isso. O ministro disse algo que é certo: é importante combater a entrada de armas pelas fronteiras, mas é preciso fazer uma estratégia mais inteligente. Não é só a fronteira que pode estrangular o crime organizado. Até porque, do ponto de vista operacional é quase impossível monitorar toda a fronteira. A maneira mais eficiente para combater o crime organizado, e sabe-se disso no mundo todo, é combater a lavagem de dinheiro. E, no Brasil, nunca vimos operações consistentes contra a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.

Há má vontade política para o combate ao crime organizado?

O governo tenta minimizar a força dessas facções para não haver impacto político e eleitoral. A maior prova é o que aconteceu em 2006 no estado de São Paulo, com a crise do PCC. Hoje, existe um equilíbrio tênue que faz com que outras crises não aconteçam porque não é interessante politicamente para os governos e para as facções, que passariam a ser mais combatidas. A situação carcerária é ruim em todos os estados, mas mais rebeliões não acontecem porque não são a melhor saída para nenhuma parte envolvida. A prova que falta vontade política é que as facções existem há décadas. O Comando Vermelho é da década de 1970, o PCC, da de 90, e esse problema nunca foi encarado. Não dá para fingir que isso não existe, que é um problema menor, como as autoridades públicas estão fazendo. É responsabilidade do Estado e é preciso enfrentar o mais rápido possível.

As próprias facções se alimentam das falhas do Estado para captar novos integrantes. O problema dos presídios vai além dos problemas de segurança pública?

Muitas vezes elas atuam de maneira mais eficaz que o Estado, como na segurança dos presos e das famílias e no transporte dos familiares para visitas, por exemplo. Tudo isso, quem fornece é o crime, que cria fortes laços com os presos. Do ponto de vista da sociedade, isso é muito perverso, porque deixa de ser apenas uma atividade criminal com fins econômicos e passa a ter legitimidade perante os familiares e até as comunidades. É uma grande bobagem ignorar isso porque é ruim para um governo. Ou encaramos as facções de maneira efetiva, ou a situação tende a piorar.

 

As prisões são divididas por facções em todo o país. Essa não é uma forma de legitimar e dar força para essas organizações criminosas?

É, mas não há saída. O ministro falou sobre isso, que agora vai-se separar os presos por nível de periculosidade, e isso já está no Código Penal. Agora, o problema dessa estratégia de não se separar por facções é pode resultar nesse cenário grotesco que a gente viu essa semana, quando o estado perde a capacidade de administrar o cotidiano de uma unidade prisional. Se colocar todos no mesmo pavilhão, o resultado vai ser mortes. Claro que é negativo legitimar dessa forma, mas não há outra saída possível. Essa situação só chegou a esse ponto porque o Estado foi ineficiente no combate ao crime organizado e agora o que faz é deixar a gestão dos presídios para os próprios presos.

Essa disputa entre as facções pode eventualmente chegar às ruas?

Sim, pode chegar às ruas novamente. É um equilíbrio muito precário de forças que faz com que não haja uma guerra nas cidades. Não acontece nada pior porque não é do interesse do crime. Agentes prisionais e policiais são mortos silenciosamente pelo PCC. A guerra não fica evidente para a população porque não existem rebeliões, e isso não acontece porque a facção não quer. Agora, com esses conflitos no Norte, não é possível saber quais repercussões acontecerão em São Paulo ou em outros estados. Não se sabe se vai ser resolvido nas ruas ou dentro das muralhas dos presídios.

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