Barragem se rompe e lama invade Brumadinho, na Grande BH (Washington Alves/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 26 de janeiro de 2019 às 09h42.
Última atualização em 28 de janeiro de 2019 às 11h32.
São Paulo — Em 11 de dezembro do ano passado, uma reunião extraordinária realizada no centro de Belo Horizonte discutiu a ampliação das atividades de exploração de minério na região de Brumadinho (MG).
Com a presença de conselheiros, advogados e representantes da sociedade civil, o Conselho Estadual de Política Ambiental aprovou por 8 votos contra 1, e 1 abstenção, o pedido da Vale S.A para dar continuidade às operações da Mina de Córrego do Feijão.
A solicitação da empresa era para ampliar a capacidade produtiva da Mina de Jangada e da Mina Córrego do Feijão, estruturas vizinhas, das atuais 10,6 milhões de toneladas por ano para 17 milhões de toneladas por ano.
No encontro, as partes envolvidas e ativistas ambientais chegaram a debater a possibilidade de rompimento da barragem. Apesar disso, a autorização, que aumentaria a capacidade de exploração da empresa na região em 88% até 2032, foi concedida.
Neste dia, a Vale obteve a licença para reaproveitar os 1 milhão de metros cúbicos de rejeitos dispostos na barragem que se rompeu nesta sexta-feira (25) e estava desativada desde 2015.
No dia da reunião, o representante do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Julio Cesar Dutra Grillo, disse que precisaria de uma negligência para a barragem se romper.
"Casa Branca tem algumas barragens acima de sua cabeça. Muita gente aqui citou o problema de Mariana, de Fundão, e vocês têm um problema similar. E ali é o seguinte, essas barragens não oferecem risco zero. Em uma negligência qualquer de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, aquilo rompe", disse.
O único voto contrário à aprovação partiu da ambientalista Maria Teresa Corujo, conhecida como Teca. Segundo ela, a análise do pedido de ampliação das atividades na mina da Vale foi feita às pressas. "Não foi apresentado um balanço hídrico completo, de quais seriam os reais impactos nas águas do local e do entorno", disse.
Para a ativista, falta no Estado esforço maior para aprovar legislação mais rigorosa para segurança de barragens. "Desde o ano passado, temos cobrado na Assembleia Legislativa a aprovação do projeto de lei de segurança de barragens", afirmou.
Ana Flávia Quintão, ativista ambiental, participou da discussão e relata que a plateia estava equilibrada entre favoráveis e contrários à decisão. No entanto, diz, o debate foi apenas pautado pelos argumentos de defesa.
"A reunião foi majoritariamente pautada pelos argumentos em defesa da ampliação dos empreendimentos destrutivos, tendo, por muitas horas, apenas uma ativista, como representante dos argumentos em defesa da vida e dos territórios', afirma.
Antes do encontro, o Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc) tentou retirar o pedido da Vale da pauta, porque constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento.
Dentre os problemas encontrados pela Fonasc estava o fato de que o licenciamento deveria ter sido realizado em três fases (de licença prévia, de instalação e de operação), mas foi feito de uma só vez.
"Na pauta o pedido está como classe 6, o que embasou o pedido do Fonasc de retirada da pauta, visto que a modalidade teria que ser LAT (Licença Ambiental Trifásica) e não LAC 1 porque o empreendimento está na Zona de Armortecimento do Parque Estadual da Serra Rola Mola", diz o texto.
Além disso, foi apontada a falta de um mapeamento detalhado dos impactos do novo empreendimento, principalmente na bacia hidrográfica do Paraopeba, cujas águas complementam o abastecimento da capital Belo Horizonte e cerca de 50 cidades da região.
A tramitação do pedido se beneficiou ainda de uma mudança em uma deliberação normativa que reduziu as exigências para intervenções de grande potencial poluidor e degradante.
No mesmo mês da reunião, a Vale vistoriou a estrutura da barragem em Brumadinho, sem ter apontado qualquer falha de segurança ou risco de rompimento.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a barragem não estava nem na lista das 45 com maior risco de rompimento.
"Baseada em vistoria realizada em dezembro último, por um grupo de técnicos da empresa, estes não encontraram indícios de problemas relacionados à segurança desta estrutura", disse a agência
Ao longo de 2018, a Vale apresentou três relatórios técnicos garantindo a estabilidade da estrutura. "A concessionária apresentou em março de 2018 a primeira Declaração de Condição de Estabilidade dessa barragem. Realizou sua revisão periódica de segurança em junho de 2018, como também, apresentou em setembro de 2018, a terceira Declaração de Condição de Estabilidade, expedida por auditoria independente".
Há pelo menos 10 anos, os moradores de Brumadinho, organizados no Movimento das Águas de Casa Branca, realizam uma série de protestos contra o avanço da mineração na região.
Há, inclusive, um abaixo-assinado que conta com 82 mil assinaturas.
O promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, responsável por dar assistência às vítimas da tragédia de Mariana, afirmou que está avisando há tempos sobre o risco de rompimento de outras barragens.
"Depois do crime/desastre da Samarco/Vale/BHP em Mariana nenhuma lei foi aprovada para evitar esses desastres e nem para dar garantias de reparação justa para as vítimas e para o meio ambiente!", avalia.
(Com Estadão Conteúdo)