IAN BREMMER: “um candidato frágil que se torne presidente pode causar problemas sérios na economia” / Richard Jopson/Divulgação (Richard Jopson/Divulgação)
Raphael Martins
Publicado em 8 de janeiro de 2018 às 13h00.
Última atualização em 8 de janeiro de 2018 às 13h01.
A maior consultoria de risco do mundo, a Eurasia, lançou nesta semana o relatório Top Risks 2018, que classifica os dez maiores problemas geopolíticos para o ano que se inicia. Estão presentes o conflito dos Estados Unidos com a Coreia do Norte, a crise geopolítica na Síria e o vácuo de poder de mediação global deixado por Donald Trump e que pode ser ocupado pela China, que elegeu Xi Jinping novamente, com mais influência que nunca.
Com as eleições mais incertas desde 1989 e em lenta recuperação da mais grave crise econômica do século, o Brasil não está na lista. A ausência surpreendente para os brasileiros não comove o presidente da instituição, o cientista político Ian Bremmer. “Quando se fala em risco real, é de que existe um risco de surpresa possível nos candidatos sem experiência que poderiam ocupar o cargo de presidente”, diz. “Se em nossa lista houvesse talvez os 20 principais riscos no mundo, a eleição do Brasil estaria nela”.
Em entrevista a EXAME, Bremmer comenta como os riscos externos podem nos influenciar, o papel das fake news nas eleições deste ano e por que o cenário de caos interno no Brasil não afeta tão intensamente nossa imagem nos mercados externos. Veja abaixo a conversa.
O senhor diz que a eleição do México é uma das principais deste ano e que deve tirar o sono dos americanos. O Brasil terá uma das mais controversas eleições da história nos últimos 30 anos. Essa não lhe preocupa?
Não. Há alguma controvérsia em relação à eleição do Brasil. No relatório que lançamos, quando falamos da erosão das instituições, que é nosso item número 6 do relatório no ranking de preocupações, focamos nos Estados Unidos e Europa. Mas é o que acontece de mais intenso na eleição do Brasil com a particularidade de ser um desencanto direcionado aos partidos políticos, ao establishment e às instituições em quantidade muito maior do que nos outros continentes. É interessante no Brasil é esse caráter muito político e não no sentido “antiglobalista” como em outros países, que têm mais relação com imigração e comércio internacional. É muito focado na raiva popular com serviços públicos e corrupção, especialmente por parte da classe média, que cresceu nos últimos anos. Quando se fala em risco real, é de que existe um risco de surpresa possível nos candidatos sem experiência que poderiam ocupar o cargo de presidente. Se em nossa lista houvesse talvez os 20 principais riscos no mundo, a eleição do Brasil estaria nela por isso. Mas é consideravelmente estável comparado aos problemas geopolíticos que existem em outros países. Não há guerras iminentes nas fronteiras, por exemplo. Há esse desgaste com o poder público, com a enorme impopularidade do presidente, mas é um custo muito interno. Por fim, é algo para se ficar feliz de não estar na lista.
Falando da Operação Lava-Jato, quanto os resultados podem influenciar internamente nossa eleição e no exterior, no quesito de relações internacionais?
Internamente, é claro que será um fator de influência problemático. Eu considerava o Judiciário do Brasil um dos melhores nos mercados emergentes, muito independente. Mas até ele vem sendo criticado por alguns setores por alguma perda de isenção e politização das decisões, o que machuca um pouco a credibilidade e estabilidade do país no longo prazo. No que sobra, o nível de popularidade do presidente, dos ministros e dos partidos caiu demais, gerando confiança nenhuma na população. A conjunção de fatores torna mais possível que um candidato frágil possa se tornar mais influente, vencer a eleição e causar problemas sérios na economia. É um cenário complicado, mas são problemas domésticos. Por isso, as relações globais do país seguem relativamente firmes. Há uma aproximação interessante entre o Mercosul e a União Europeia, com participação forte do Brasil nas negociações. Os europeus estão empolgados com esse novo acordo, ainda mais depois das eleições nos Estados Unidos. Com Donald Trump como presidente, uma série de países está muito mais empolgada em abrir o leque de relações internacionais. Quando você não gosta de Trump, é muito mais fácil trabalhar com um país como Brasil, que da perspectiva geopolítica, não é nem tão importante, nem tão controverso. O que há hoje é uma espera de investimentos até que a poeira baixe na política e o ambiente fique mais previsível.
Há perigo de hackers russos ou de outros países tentaram influenciar nas eleições de países emergentes?
Esse tipo de influência online é um problema global e deve atingir vários países em que as eleições acontecem. A fórmula é esperada: as fake news devem vir forte, focando sempre nos indecisos. No caso do Brasil, é um tipo de influência interna, em que a troca de poder interessa outro grupo político dentro do próprio país. Os russos tiveram um evidente papel nas eleições americanas porque há um projeto nacional de influência e disputa global com os americanos e seria importante que o homem que ocuparia o poder dos Estados Unidos, que tem um poder muito grande, fosse passível de exploração de vulnerabilidades. Em uma eleição de países que não importam tanto nesse jogo político mundial, que é o caso do Brasil, eu não perderia muito tempo com essa preocupação.
Como combater esse problema? Na França, o presidente Emmanuel Macron apresentou medidas para combater legalmente as fake news. Medidas como essas são eficientes?
Não conheço em detalhes o plano da França. Falando de forma mais geral, vemos alguma movimentação no mundo tecnológico como um todo, mas é algo que leva tempo para ajustar. O Facebook vem tentando regular o conteúdo e o Twitter apertou a verificação de contas. Mas são empresas que distribuem informação em troca de lucros e campanhas políticas são uma mina de ouro, em especial pelo impulsionamento de conteúdo. Ganham mais dinheiro mostrando o que o usuário quer ver. É uma regulação que leva tempo para acontecer de forma eficiente. Um ótimo exemplo é a indústria de comida há 30 ou 40 anos. As empresas queriam dar ao consumidor o que eles quisessem, não existia o sentido de alimentação saudável. Mais valia as grandes porções, cheias de conservantes, que vendessem mais. Hoje essas empresas têm que tomar cuidado com componentes que comprovadamente fazem mal ao organismo. O Twitter e Facebook estão passando pela mesma situação agora: faziam mal para o cérebro do cidadão comum, prejudicando a democracia. Enquanto não houver uma profunda regulamentação, aumentará o problema de polarização. A escala é global, não fica só em um ou outro país.
A questão do protecionismo está presente no relatório para 2018 e estamos em momentos que precisamos expandir a economia para fora das fronteiras. Devemos estar preocupados com o comércio no próximo ano?
Em parte, sim. Não será um grande problema, pois há instalado um sistema de economia mista, que corre diferente em potências como a China e Estados Unidos. Os grandes estão competindo em busca de melhorar a atual queda de crescimento e eficiência na indústria. Por isso, o setor mais protegido e de fato importante é de Tecnologia de Informação. A disputa por dados será feroz. Para o Brasil, é preciso alguma cautela para no investimento, pois será mais difícil competir globalmente por ter menos acesso a essas tecnologias de otimização de produção. As empresas brasileiras, portanto, teriam mais dificuldade de serem relevantes no mercado global e isso pode se traduzir em um problema se o mercado interno estiver pouco aquecido.
Como somos vistos hoje globalmente, política e economicamente?
Quando os BRICS foram criados, os países do grupo eram considerados igualmente pelo potencial de crescimento, acreditando que seriam relevantes no cenário global no longo prazo. De todos, só a China despontou para uma categoria completamente diferente. É impossível chamá-la hoje de economia emergente. É uma potência global que disputa com os Estados Unidos. O Brasil, nesse cenário, ficou diminuindo paulatinamente de importância. Mas, dentro dos mercados emergentes, ainda é muito atraente. É uma economia em crescimento, com mercado de trabalho interessante, ainda crescimento demográfico e de capacitação, com variedade de recursos naturais e relativamente estável. É um cenário que transpassa a instabilidade política pela qual o país passa agora. A reputação momentânea de instabilidade não bate no potencial do Brasil. Quem pensa economia tem que ver além do momento.
Os problemas geopolíticos que envolvem Estados Unidos, Coreia do Norte, Rússia, Síria e outros podem nos afetar de alguma forma?
A priori, não. Politicamente, o Brasil não é um player importante, que vá se envolver em nenhuma das questões. Na economia, a guerra na Síria, por exemplo, isolada, não vai afetar o Brasil, mas algo generalizado, sim. Caso o conflito entre potências esquente e o mundo se transforme em um palco de guerra, haverá uma recessão global. Não há o que fazer. As pessoas param de comprar, a atividade cai demais e a dependência do exterior que o Brasil tem, principalmente na venda de commodities, derrubaria todos os números.