Indígena em Brumadinho: com rio contaminado, tribo teme fim da subsistência (Adriano Machado/Reuters)
AFP
Publicado em 12 de fevereiro de 2019 às 15h09.
O Brasil viveu em três dias três catástrofes que causaram centenas de mortes — o colapso de uma barragem de mineração, deslizamentos de terra causados por chuvas fortes e o incêndio em um centro para jogadores juvenis —, tudo em grande parte devido a negligência grosseira e décadas de impunidade, afirmam os analistas.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, lamentou na sexta-feira essa "sucessão de catástrofes evitáveis".
"Precisamos estar atentos a isso para que as instituições de controle, fiscalização e punição realmente funcionem no Brasil", afirmou.
Para Moacyr Duarte, consultor especializado em gerenciamento de riscos e planejamento de emergências, "essas tragédias acontecem por causa de negligência, da falta de planejamento e sobretudo da impunidade dos verdadeiros responsáveis".
"Enquanto não ocorrer uma punição cabal do tipo 'presidente da Vale e diretores presos por crime de responsabilidade', tragédias como essa vão se repetir", acrescentou.
Para Marcelo Ramos Martins, coordenador do Laboratório de Análise, Avaliação e Gerenciamento de Riscos da USP (LabRisco), o Brasil dispõe de "todas as condições técnicas necessárias para prevenir esses tipos de desastres".
Mas a repetição das tragédias "demonstra que as medidas de prevenção não são aplicadas", acrescenta.
A insuficiência dos fundos das diversas agências estatais igualmente explica essas situações.
O estado de Minas Gerais foi palco de tragédias parecidas em pouco mais de três anos.
Em maio de 2017, quando assumiu a presidência da mineradora Vale, Fabio Schvartsman endossou o slogan "Mariana nunca mais", em referência à ruptura de uma barragem no município, que em novembro de 2015 causou 19 mortes e provocou um desastre ambiental sem precedentes.
Em 25 de janeiro, no entanto, outra barragem da mesma empresa em Brumadinho, a 120 km de Mariana, entrou em colapso, com um resultado muito mais assustador: 165 mortos e 160 desaparecidos, enterrados por um tsunami de lama com resíduos tóxicos.
"A Vale tem programas computacionais que simulam a ruptura de barragens, apontando onde a lama vai passar, em quanto tempo vai passar, a que altura vai chegar, de acordo com os diversos tipos de ruptura. Nem com essa informação a Vale retirou o refeitório e os prédios administrativos", destacou Moacyr Duarte.
"Os diretores da Vale efetivamente teriam poder para impedir a tragédia de Brumadinho", acrescenta. "Uma atitude ética os levaria a declarar uma redução de dividendos e dizer aos acionistas que isso estava sendo investido para acabar com o passivo que ameaçava as pessoas e o meio ambiente".
As autoridades, "invés de acusar os verdadeiros responsáveis, mandaram prender os engenheiros que certificaram a estabilidade da barreira", lamentou.
Toda vez que na "Cidade Maravilhosa" há chuvas fortes, as favelas entram em alerta. As casas precárias construídas de forma caótica nas encostas dos morros são particularmente vulneráveis a deslizamentos de terra.
Mas os vereadores fecham os olhos ao problema, invés de proibir essas construções em áreas perigosas.
O exemplo mais emblemático é a tragédia do Morro do Bumba, que causou 48 mortes em 2010 em Niterói, do outro lado da Baía do Rio.
"Havia uma descarga lá antes, as famílias se instalaram na terra e o município urbanizou a área e abriu creches para as crianças", explica Duarte.
"No morro do Bumba havia um lixão, que foi fechado. Famílias começaram a se instalar por lá. Invés de dizer que não tinha estabilidade, a prefeitura urbanizou, fez creche... Existe uma ocupação irregular que se perpetua, mas os prefeitos não entendem, só querem agradar, para permanecer no poder", denuncia Moacyr.
No ano seguinte, cerca de mil pessoas que moravam nos morros cariocas morreram em conseqüência de inundações causadas por tempestades.
Na semana passada, sete outros habitantes do Rio perderam a vida devido a deslizamentos de terra em áreas consideradas perigosas.
Em janeiro de 2013, 242 pessoas, a maioria estudantes, morreram no incêndio na discoteca Kiss em Santa Maria, sul do país. O prédio não tinha saída de emergência.
"As autoridades, os bombeiros não foram responsabilizados. Quem foi responsabilizado foi o cantor da banda que se apresentava por ter disparado fogos de artifício", lamenta Moacyr.
Na sexta-feira passada, dez jogadores das divisões juvenis do popular clube de futebol Flamengo morreram no incêndio de um prédio pré-fabricado que tinha apenas uma porta de acesso.
Nos últimos anos, o município do Rio impôs várias multas ao clube, que não possuía o certificado de qualificação dos bombeiros.