Rodoanel: investimento em rodovias puxa os números para cima (FERNANDO MO/Getty Images)
Repórter de Lifestyle
Publicado em 28 de abril de 2023 às 11h27.
Última atualização em 23 de maio de 2023 às 10h39.
O Brasil tem quase R$ 4,5 trilhões em investimentos em Parcerias Público-Privada (PPP) e concessões que estão em andamento ou que devem ser aplicados em 30 anos, em média. O dado é da consultoria Radar PPP, que criou o índice iRadarPPP para monitorar diariamente mais de 4.600 projetos no país, e mostra o total de investimentos estimados em contratos em execução por todos os entes federativos (municípios, estados, União e empresas públicas). No valor são contabilizados também potenciais investimentos, aquelas iniciativas que ainda estão em fase de estruturação.
Do total de investimentos, R$ 2,9 trilhões são de contratos já assinados, e R$ 1,6 trilhões são estimativas de contratações que estão próximas de serem finalizadas. "Dentro da metodologia, esse potencial é ponderado porque muita coisa pode acontecer no caminho. Se tem um financiamento do BNDES, por exemplo, ele agrega um potencial de concretização maior", diz Frederico Ribeiro, sócio da Radar PPP.
De maneira geral, contratos de concessão e PPPs têm validade de 25 a 30 anos – embora alguns possam ser mais longos, como o contrato serviços de cemitério em Uberaba (MG), que deve ser finalizado apenas em 2068. "Esse não é o padrão. As empresas e governos não fazem contratos tão longos", diz Ribeiro.
Nas PPPs, o poder público banca uma parte dos custos de operação de um serviço que foi concedido à iniciativa privada. O modelo é feito quando não há cobrança de tarifa ou o valor é insuficiente para remunerar a empresa que presta o serviço. Nas concessões, a empresa concessionária tem sua fonte de receita totalmente oriunda da tarifa cobrada do usuário ou outras formas de receita, sem que haja uma compensação de governos ou empresas públicas. Nas duas modalidades, o Estado continua a ser dono dos bens públicos.
Os dez principais projetos monitorados pelo iRadarPPP englobam o setor de infraestrutura, sobretudo rodovias (metade do valor calculado), como, por exemplo, contratos projetados nas rodovias federais BR-153 e BR-262 nos estados de Goiás e Minas Gerais. A consultoria também destaca a inclusão de estudos de concessão de rodovias no estado de São Paulo, como trechos das Castello Branco e da Raposo Tavares.
Para chegar ao número, são avaliados 19 grupos, sendo quatro áreas onde se concentram o maior número de projetos:
No primeiro trimestre deste ano, houve um acréscimo de R$ 330 bilhões em investimentos. Guilherme Naves, também sócio da Radar PPP, explica que este número pode cair com a finalização dos contratos e possíveis atualizações nos termos firmados.
Em entrevista à EXAME, Naves e Ribeiro falam sobre esse mercado no país, seus desafios e quais os pontos de atenção investidores devem ter ao alocar capital em novos contratos. A partir de abril, EXAME passar a divulgar mensalmente, com exclusividade, o número atualizado do valor investido em PPPs e concessões no Brasil. O iRadarPP conta ainda com parceiros jurídicos do Azevedo Sette Advogados e do Vernalha Pereira Advogados.
Quais foram os documentos analisados para construir o iRadarPPP?
A Radar PPP nasceu em 2014 com o objetivo de reunir experiências de PPPs e concessões para possibilitar que os entes compartilhassem e trocassem aprendizados relacionados a situação de projetos. Isso foi a base para a criação do Radar de Projetos. O iRadarPPP é uma amostra do potencial do banco de dados que nós temos à disposição. Está tudo em um ambiente web em que é possível conhecer uma série de informações relacionadas a essas experiências. Monitoramos diários oficiais de todos os entes federativos diariamente. Toda vez que um ente federativo faz algum tipo de publicação oficial relacionada a alguma dessas experiências de PPPs e concessão, os nossos sistemas captam e vão acumulando um histórico do desenvolvimento desses trabalhos.
Como se chegou ao número de R$ 4,5 trilhões?
O índice iRadarPPP considera o somatório de investimentos estimados dentro dessas experiências de PPPs e concessões que são captadas pelo Radar de Projetos. Hoje existem diversos contratos já assinados, com estimativa de investimentos. O índice começa a ser construído somando esses números. Existem também uma série de outras estimativas que são decorrentes de iniciativas que estão em fase de desenvolvimento em diversos estágios. Entra nessa conta uma intenção pública anunciada, ainda sendo modelada. O estado de São Paulo, por exemplo, divulgou a carteira de investimentos que eles querem fazer para os próximos anos e isso entrou no valor total. Outro ponto técnico é que nos projetos em que não há estimativa de valor de investimento, fazemos um cálculo médio com base em todas as outras iniciativas existentes no nosso banco de dados. Estamos com quase 5.000 iniciativas, uma base extremamente representativa. Acreditamos que fazer cálculos médios traz uma informação relevante.
Quais são as principais áreas de investimento para PPPs e concessões no Brasil?
O governo federal sinaliza que o investimento em infraestrutura vai ter prioridade, se considerar a modalidade PPP. Nos últimos anos, as concessões foram extremamente utilizadas, em rodovias parques e outras áreas, mas existe uma sinalização muito forte de que essas áreas serão ainda mais intensificadas. Caixa e BNDES, que são os dois principais estruturadores do país, têm um chamamento conjunto para estruturar projetos de resíduos sólidos de municípios e consórcios. Você tem ali uma centena de municípios habilitados para desenvolver projetos dentro dessas modalidades. A questão de água e esgoto deve ter uma ampliação das empresas estatais fazendo PPPs. O governo já sinaliza que pode estudar o modelo de parceria privada para rodovias tendo em vista que uma parte da malha hoje provavelmente já não se sustenta somente com a questão da tarifa do usuário.
Qual seria um setor ideal para PPPs que é pouco explorado no Brasil?
Eu acredito que a concessão de parques florestais é a próxima fronteira a ser desbravada. Não é a mesma coisa de concessões de parques, que estão voltados para a exploração turística. As concessões florestas visam a exploração do produto madeireiro e não madeireiro. O modelo ainda não despertou interesse de grandes players. Mas, principalmente puxado pela questão do carbono, e das possibilidades que esse mercado traz, eu acho que é um negócio com potencial de expansão grande. O próprio BNDES já tem apoiado os órgãos federais na estruturação desses projetos.
A concessão de parques florestais é a próxima fronteira a ser desbravada. Não é a mesma coisa de concessões de parques, que estão voltados para a exploração turística. As concessões florestas visam a exploração do produto madeireiro e não madeireiro
O governo publicou um decreto para tirar o limite de 25% de participação de estados em PPPs na área de saneamento básico. Isso pode alterar o desenvolvimento de novos projetos?
A tendência é que a gente veja um crescimento do número de projetos e o índice vai conseguir captar esse aumento de volume. Na prática, essa derrubada significa que 100% dos contratos podem ser com a administração pública. E isso transforma as empresas em gestoras de contratos de PPP. A minha pergunta é: por que ela existe se o governo pode assinar o contrato diretamente? De maneira geral, isso potencialmente é bom porque aumenta a eficiência das empresas públicas, mas há razões para se reclamar porque na verdade é uma grande ferramenta que visa viabilizar a continuidade da resistência de companhias de saneamento estatais, que muitas vezes não são eficientes.
O marco das PPPs que está em tramitação no Congresso deve andar nessa legislatura?
Não me parece que será uma agenda prioritária do Congresso Nacional. Talvez seja cedo para entendermos o que que vem de mudança legal nesse sentido, mas a primeira avaliação é boa. Um bom ponto é que coloca o governo federal como um grande avalizador de projetos de nível estadual e municipal. E isso resolveria um dos gargalos que esses entes federativos têm, por questões fiscais frágeis, de desenvolvendo de projetos.
Um governo de esquerda – mais estatizante – pode representar risco a iniciativas de PPPs e concessões?
Eu tenho a sensação de que este tema não reconhece as barreiras ideológicas. Se você olha para a experiência da Bahia [administrado pelo PT há 16 anos], praticamente todo o pipeline baiano foi construído dentro do governo do PT. O estado tem três contratos para a área saúde que foram assinados e isso é maior do que qualquer outra unidade da federação. Um dos principais destaques de concessões e PPPs no Brasil inteiro é o estado do Piauí, que foi governado pelo Partido dos Trabalhadores, com projetos que foram de rodovia a zoológico, e pegando até rede de fibra ótica. Eu não vejo razão para dizer que concessões e PPPs não são encontradas no discurso de partidos de esquerda.
Quais são as áreas mais sensíveis que a sociedade ainda tem dificuldade de debater sobre a implementação de PPPs e concessões?
As pessoas já aceitaram em pagar pedágio nas rodovias. Mas esse negócio de ter uma concessionária privada limpando o bisturi onde um médico, que é servidor público e é quem faz a cirurgia, ainda parece estranho para a sociedade. Eu acho que também tem grupos políticos muito organizados que fazem uma confusão em relação a isso para se defender. Saúde e educação com certeza estão nesse lugar ainda de desconfiança. Depois acho que vem o sistema penitenciário, principalmente da ideia de que haveria uma vontade de aumentar a população carcerária para gerar mais dinheiro, o que não faz sentido. Na única PPP de presídio hoje no Brasil, 90% do pagamento é feito pela disponibilidade. Ou seja, ele ganha mais pela cela vazia do que ocupada.