Brasil

Brasil tem muito a ensinar ao mundo, diz sociólogo italiano

Em livro recente, autor de “Ócio Criativo” defende que Brasil tem um modelo de sociedade à parte do restante do mundo – mas com muito a ensinar a ele, seja desenvolvido ou não


	Domenico De Masi: Brasil não pode mais cultivar "complexo de vira lata"
 (Divulgação / FSB COMUNICAÇÕES/Divulgação)

Domenico De Masi: Brasil não pode mais cultivar "complexo de vira lata" (Divulgação / FSB COMUNICAÇÕES/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2014 às 08h33.

São Paulo – Já está bom de complexo de vira-latas: o Brasil tem um modelo de sociedade próprio com aspectos que poderiam ser replicados de forma positiva em todos os países do mundo. A opinião é do sociólogo italiano – e espécie de acadêmico estrela por aqui – Domenico De Masi, autor do best-seller "O Ócio Criativo".

A prova de que ele fala sério é que um dos capítulos do seu mais recente livro, “O Futuro Chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada”, é dedicado ao Brasil.

Na obra, ele enumera 15 modelos de sociedade que existem ou existiram ao longo da história – que vão do chinês, indiano e greco-romano ao iluminista, católico e industrial – que contém vantagens que poderiam ser absorvidas na construção de um novo modelo social.

A visão extremamente positiva de De Masi em relação ao Brasil não é algo que o sociólogo carregou a vida inteira. Começou em 1998, com uma entrevista à revista Veja que fez seu nome e o número de convites explodir no Brasil.

Seu best-seller, lançado em 2000, acabou vendendo 175 mil exemplares. De Masi virou até cidadão honorário do Rio de Janeiro.

Tornou-se amigos de celebridades e políticos brasileiros, de Oscar Niemeyer a Cristovam Buarque.

Seu site oficial traz uma aba para falar exclusivamente de sua relação com o país.

O modelo nacional de sociedade de De Masi é fundamentado na leitura dos pensadores clássicos, como Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, Florestan Fernandes, Celso Furtado, e mais.

Sua conclusão é que o Brasil, cheio de desafios pela frente como nação, deve enfrentá-los ciente de que já é um país maduro. A prova, ele considera, é a maneira com que os brasileiros trataram a Copa do Mundo (independentemente da festa que se faz hoje).

“A fim de crescer cultural e politicamente e impedir a corrupção, os brasileiros estavam mesmo dispostos a desistir da Copa, o que para um povo tradicionalmente fanático por futebol, é a demonstração final de maturidade”, defende.

Veja a seguir trechos da entrevista concedida à EXAME.com por email dias antes do começo do mundial.

EXAME.com – Por que em “O Futuro Chegou”, lançado no início do ano, o modelo de sociedade brasileira aparece à parte?

Domenico de Masi – O Brasil tem um PIB que o coloca como sétima economia do mundo. Ele pode gabar-se de recursos valiosos fora dos econômicos, cada vez mais escassos no resto do mundo e indispensáveis na construção de um novo modelo de vida, finalmente libertado da hipoteca cultural de Europa e Estados Unidos. Esses recursos, em conjunto, tornam o Brasil diferente de outros países.

EXAME.com – Quais são eles e o que têm de original?

De Masi – A pesquisa realizada pelos principais antropólogos e sociólogos brasileiros concordam sobre alguns dos pontos fortes do Brasil: a miscigenação, a mistura abundante de raças com baixa taxa de racismo, o sincretismo cultural, o amor pelo corpo, a socialização, a cordialidade, a musicalidade, a capacidade de assimilar e metabolizar contribuições externas, hospitalidade, alegria, espontaneidade, tolerância, a abertura para o novo e às mudanças.

Há ainda a tendência para lidar com a realidade com sentimentos positivos, movendo-se sem esforço entre diferentes códigos de conduta para reinterpretar regras e linguagens, e considerando fluidas as fronteiras entre o sagrado e o profano, entre o formal e o informal, público e privado, emocional e o racional.

A estes devem ser adicionadas as qualidades culturais de grandes universidades, grandes empresas, grandes projetos. Em suma, o Brasil não pode mais cultivar o "complexo de vira lata": é de fato um país de primeiro mundo, com os direitos e obrigações que isso implica.

Todos estes aspectos positivos já presentes no modelo da vida brasileiro, agora devem ser adicionados à crescente consciência dos grandes desafios que o país deve enfrentar e superar: a corrupção, a violência, as desigualdades sociais e o déficit educacional.

EXAME.com – Os valores que o senhor defende como característicos da sociedade brasileira auxiliam o país em uma trajetória contínua de crescimento econômico e na tentativa de ganhar protagonismo mundial?

De Masi – Os valores que eu defendo como uma característica da sociedade brasileira não foram inventados por mim: são tomados a partir de pesquisas científicas realizadas em colaboração com os principais especialistas brasileiros. Estes valores - estéticos, éticos, culturais - não têm o efeito primário de crescimento econômico, mas o bem-estar social.

No plano econômico, o Brasil já é um importante player global: os países do mundo são 196 e o Brasil tem a quinta maior indústria do mundo. O Brasil deve ter a ambição de se tornar um grande herói da sociedade humana, um modelo de sociedade harmoniosa e feliz.

EXAME.com – O Brasil foi bombardeado na imprensa nacional e estrangeira nos preparativos da Copa, principalmente pela incapacidade de realizar projetos e pelos gastos excessivos. Como isso se encaixa aos elogios do nosso modelo de sociedade? 

De Masi – Em todos os países do mundo em que foram feitas Copa, Olimpíadas ou grandes exposições, tem havido escandalosos casos de corrupção. Neste momento, Milão se prepara para a grande Expo 2015. Bem, sete homens de negócios e políticos foram presos por corrupção porque os promotores na Itália são ocupados e muito corajosos.

No Brasil, no entanto, por meses centenas de milhares de pessoas vão às ruas contra a corrupção relacionada às obras públicas da Copa. De acordo com uma pesquisa da Folha de São Paulo, 90% dos brasileiros estão convencidos de que há corrupção na organização do evento. Tudo isso indica que o Brasil é hoje um país maduro, que não pode ser manipulado pela classe dominante.

A fim de crescer cultural e politicamente e impedir a corrupção, os brasileiros estavam mesmo dispostos a desistir da Copa, o que para um povo tradicionalmente fanático por futebol, é a demonstração final de maturidade.

EXAME.com – No livro, são defendidos 15 modelos de sociedade e há ensinamentos a serem retirados de todos eles. Que caraterísticas dos demais modelos beneficiariam o Brasil? 

De Masi – Cada um de nós, cada família, cidade, nação e grupo social tem seu próprio modo de vida, mas os grandes modelos de vida - aqueles que pretendem conquistar o mundo inteiro - são poucos e, para serem processados, são necessários séculos de pensamento, lutas e guerras.

Eu escolhi quinze: alguns do passado, como o clássico greco-romano e o soviético; outros ainda vivos, como o japonês, católico, muçulmano. Cada um deles com aspectos positivos e negativos.

Todos os aspectos positivos que eu listo são válidos para serem metabolizados pelo Brasil, dando continuidade a sua tradição antropofágica com que, ao longo dos séculos, tem assimilado e recriado o barroco, o rock, o modernismo.

EXAME.com – “O Ócio Criativo” se tornou um best-seller no Brasil. Mas é cotidianamente citado e lembrado por muitos como uma referência à importância da preguiça. Como o senhor responde a essas pessoas?

De Masi – Eu digo a essas pessoas que se querem falar sobre o meu livro, devem primeiro lê-lo. Oponho-me a qualquer forma de preguiça, de passividade, inércia. Meu conceito de ócio criativo não significa "não fazer nada", mas significa fazer três coisas ao mesmo tempo: trabalhar criando riqueza, estudar criando conhecimento, jogar criando bem-estar.

Cada artista, profissional, professor e aluno, se ama seu trabalho e o faz com prazer, sempre se desenvolvendo, é "ócio criativo".

Diz uma máxima Zen: "Quem é mestre na arte de viver difere pouco entre seu trabalho e seu tempo livre, entre sua mente e seu corpo, sua educação e recreação, seu amor e sua religião”.

Acompanhe tudo sobre:América LatinaDados de BrasilEntrevistasLivrosSociólogos

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022