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Brasil reduz fiscalização ambiental em meio ao surto de coronavírus

Com fiscais de campo no grupo de risco do coronavírus e sem perspectiva de novas contratações, o Ibama enfrenta dificuldades para manter a fiscalização

Ibama: governo federal limitou o orçamento, o que impede novas contratações (UniversalImagesGroup / Colaborador/Getty Images)

Ibama: governo federal limitou o orçamento, o que impede novas contratações (UniversalImagesGroup / Colaborador/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 27 de março de 2020 às 12h13.

Última atualização em 27 de março de 2020 às 12h16.

O Brasil diminuirá os esforços de combate aos crimes ambientais durante o surto de coronavírus, disse uma autoridade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à Reuters, apesar do receio de que uma proteção reduzida possa levar a um aumento do desmatamento.

O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, disse que o surto lhe deixou pouca opção além de enviar menos fiscais para o campo por causa do vírus altamente contagioso.

Ele estimou que um terço dos fiscais de campo da entidade têm quase 60 anos ou problemas médicos que os sujeitam a um risco maior de ter sintomas graves do vírus.

O Ibama não contrata agentes novos há anos por causa dos cortes orçamentários do governo, e suas fileiras estão envelhecendo rapidamente.

"Você não tem como colocar as pessoas que estão no grupo do risco, expor essas pessoas ao vírus", disse Azevedo. "Não há uma escolha entre uma coisa e outra, é um obrigação de fazer."

Duas fontes do Ibama que não tinham autorização para falar com a imprensa disseram que os agentes de campo estão preocupados com a própria saúde e com o risco de disseminarem o coronavírus nas regiões rurais em que operam.

Especialistas em desmatamento disseram que, embora as preocupações de saúde devam ser uma prioridade, a prática pode ter consequências ambientais graves.

"Enfraquecer a vigilância certamente significa um risco maior de desmatamento, por razões óbvias", disse o economista ambiental Sergio Margulis, autor do estudo "Causas do Desmatamento da Amazônia Brasileira".

O perigo adicional vem na esteira de uma disparada do desmatamento e de um aumento de incêndios na floresta tropical amazônica brasileira desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse em janeiro de 2019. Provocou revolta global a percepção de que ele está incentivando madeireiros ilegais, fazendeiros e grileiros.

O Brasil abriga aproximadamente 60% da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que absorve quantidades imensas dos gases de efeito estufa que causam a mudança climática.

Bolsonaro defende planos de desenvolvimento da região amazônica argumentando que são a melhor maneira de tirar mais brasileiros da pobreza – mas o salto no desmatamento ameaça descarrilar um acordo de livre comércio sul-americano com a Europa e prejudicar as exportações.

Essencial e desfalcado

Em um decreto assinado na semana passada, Bolsonaro definiu a fiscalização ambiental como um serviço essencial durante a pandemia de coronavírus, autorizando o Ibama a continuar enviando agentes ao campo.Mas Azevedo disse que mesmo os serviços essenciais, como o sistema de saúde e o policiamento, precisam ser reduzidos para proteger trabalhadores ameaçados.

As operações mais importante serão priorizadas, e algumas áreas precisarão sofrer restrições, disse Azevedo, acrescentando que proteger a Amazônia é uma prioridade. Ele negou que haverá redução de agentes na Amazônia e previu que algumas partes da floresta podem até registrar uma diminuição do desmatamento.

Fontes do Ibama disseram que a pandemia cria mais desafios logísticos porque muitos hotéis e restaurantes estão fechados e voos foram cancelados em massa.

Azevedo disse que, embora os agentes ainda possam escolher voar, o Ibama está alocando veículos e priorizando o transporte terrestre para reduzir o risco de contágio.

Alguns agentes dirigem durante dias para chegar aos seus postos na Amazônia, segundo uma das fontes.

Pesquisadores concordam que a fiscalização reduzida abre espaço para mais desmatamento, mas uma recessão profunda desencadeada pela pandemia poderia provocar um desemprego crescente – o que pode incentivar as atividades criminosas, mas também abaixar os preços de madeira e terra adquiridas ilegalmente.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do instituto sem fins lucrativos Imazon, disse que é impossível prever a reação dos criminosos, que são difíceis de estudar. Os preços das commodities continuam altos, e o enfraquecimento do real aumenta os lucros das exportações dos agricultores brasileiros. Com isso, a procura pelo desmatamento de terras novas para a agricultura continua alta, explicou.

Desmatar e vender terras ilegalmente é inerentemente especulativo, por isso Barreto disse que os criminosos podem desmatar contando com a impunidade e depois ocupar as terras até poderem vendê-las.

Em janeiro e fevereiro, o desmatamento já havia subido 71% em relação a um ano antes, de acordo com dados governamentais preliminares, e pesquisadores acompanharão os dados de março e abril atentamente.

"Meu palpite, eu acho que o desmatamento não vai cair", disse Carlos Nobre, cientista da Universidade de São Paulo.

Procurado, o Palácio do Planalto afirmou que comentários caberiam ao Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama está subordinado. A pasta, por sua vez, não respondeu imediatamente a pedidos de comentários.

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