Suzana Kahn, especialista em clima, fala no EXAME Fórum Sustentabilidade 2015 (Raphael Martins/EXAME.com)
Raphael Martins
Publicado em 14 de dezembro de 2015 às 05h04.
Última atualização em 2 de agosto de 2017 às 12h04.
São Paulo – O governo brasileiro comemorou neste sábado (12) o fechamento de um acordo climático mundial na Conferência Mundial do Clima, a COP 21, em Paris.
O texto foi aprovado pelos 195 países participantes da conferência, com o principal objetivo de aliar o desenvolvimento com a redução das emissões de carbono para mitigar os efeitos do aquecimento global.
O impasse, porém, para aplicar as medidas propostas por aqui está em aliar interesses de diferentes áreas nesse bem comum.
"Nas negociações em conferências, os ministérios de Relações Exteriores e Meio Ambiente vão atuando, super proativos. Mas quando falamos da implementação dessas medidas anunciadas, depende de uma série de outros ministérios, como Minas e Energia ou Agricultura, que tem ideais de aumento de produção", afirma em entrevista a EXAME.com a presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ, Suzana Kahn.
Para Suzana, que foi a Paris para acompanhar a COP 21 como assessora, só uma convergência desses interesses poderá fazer com que o Brasil atinja sua meta proposta na conferência climática deste ano.
Ela comenta ainda sobre efeitos práticos para o brasileiro do acordo e o que ainda deve ser feito nas políticas internas para que o país atinja sua proposta apresentada.
Veja a conversa abaixo.
EXAME.com – O que acha que a conferência pode trazer de efetivo para o planejamento ambiental do planeta?
Suzana Kahn – A COP 21 vem sendo muito positiva, até porque eu não tinha muita expectativa. O mais importante, talvez, é que vem marcando um ponto de "não-retorno". É a primeira vez que um acordo atinge todos os países. O acordo mundial, mesmo sem metas quantificadas, tem todos os reais problemas contidos no texto. Fala-se de medidas de descarbonização da produção de energia, da compensação aos países que emitem menos gases estufa, mas são os mais afetados, medidas gerais de mitigação, a necessidade de revisão periódica para regular níveis de emissão...
A direção está dada, a questão agora é a que velocidade será perseguida. O fato da conferência ter atrasado mostra uma preocupação real em um acordo robusto. Há uma expectativa boa com os resultados.
E para o Brasil? O que vê de evolução?
O Brasil foi o primeiro emergente que apresentou sua INDC [sigla para Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas, documento com as metas de redução de emissões de gases estufa que cada país pretende realizar para conseguir um acordo climático global].
Apesar de eu considerar uma proposta tímida para potencial do Brasil, foi a única que colocou não só uma meta que envolve toda a economia brasileira, como uma meta absoluta de redução. Boa parte dos países apresenta uma meta relativa ao crescimento, ao PIB, etc.
O Brasil sempre teve uma preocupação de fazer a ponte entre emergentes e desenvolvidos. Dessa vez, entrou até no grupo de "Grande Ambição", que liderado pelas Ilhas Marshall fará pressão por um aumento de metas de redução. Isso é um ótimo sinal da disposição que o país trará para mudanças internas.
Sobre essa postura em conferências: essa proatividade do Brasil não se mostra tão clara nas ações reais dentro do país para achar matrizes energéticas e descarbonização da produção. Há mesmo diferença?
O que acontece é que as vontades e intenções esbarram muito na governança interna do país. Nas negociações em conferências, os ministérios de Relações Exteriores e Meio Ambiente vão atuando, super proativos. Mas quando falamos da implementação dessas medidas anunciadas, depende de uma série de outros ministérios, como Minas e Energia ou Agricultura, que tem ideais de aumento de produção.
Não pode ter esse antagonismo, todos têm que seguir a mesma filosofia. Nossa INDC deveria ser base de um planejamento de médio e longo prazo, algo que não temos. Fica a impressão de que cada um atira para um lado e os resultados acabam sendo ruins.
Há algum aspecto de agressão ambiental que tenha ficado de fora do radar dos governantes em nossa INDC? Algo que deveríamos estar prestando mais atenção?
Um tópico que acho muito tímido é a eficiência energética. Nossa meta é de aumento de 10%, isso é nada. O Brasil é o 14º no ranking de 15 grandes potências em eficiência energética, perdendo só do México. Mais eficiência é algo que traria um enorme ganho ao país, tanto em termos de custo, quanto para o sentido de aliar desenvolvimento e redução de emissões. Se a gente quer descarbonizar nossa economia, precisamos colocar investimento nisso.
Devemos temer que essas promessas não saiam do papel?
Estamos em um cenário diferente, em especial pelo avanço da ciência. Não existe mais aquele ceticismo de que o aquecimento global não existe. Há o reconhecimento que são efeitos da atividade do homem, do custo que isso significa, dos danos mais próximos das nossas gerações...
Por isso, nunca se investiu tanto em combustíveis renováveis, em termos absolutos e percentuais. Aqui mesmo, já temos um engajamento enorme das empresas, que colocam a emissão de carbono na própria cadeia de valor e estão preocupadas com a sua reputação nesse sentido.
A tecnologia de produção de energia renovável está mais barata. A energia eólica já é competitiva em partes do Brasil. Isso tudo faz com que estejamos indo para uma nova trajetória.
Que países mudaram mais de postura nessa COP21?
Estados Unidos e China mudaram bastante, mas a China ainda trava muita coisa. Os Estados Unidos, daquele país da época do Protocolo de Kyoto para agora, estão muito mais positivos. Isso já se notava por parte dos norte-americanos com acordos bilaterais de prevenção e redução de carbono, então, os Estados Unidos mudaram bastante, o que é fundamental para o resto do mundo.