Funcionário recolhe mesas em restaurante vazio no distrito de Navigli em Milão, Itália (Daniele Mascolo/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 27 de março de 2020 às 15h27.
Última atualização em 27 de março de 2020 às 19h24.
São Paulo - O governo federal lançou uma campanha publicitária com o mote "O Brasil não pode parar", contratada sem licitação ao custo de R$ 4,8 milhões.
As peças reproduzem a ideia repetida pelo presidente Jair Bolsonaro de que as medidas de isolamento social para combate ao coronavírus não podem se sobrepor às necessidades econômicas de circulação.
A campanha vai na contramão do quase todos os principais líderes mundiais, das recomendações da Organização Mundial de Saúde e de epidemiologistas.
O isolamento é visto como a única forma de achatar o crescimento do aumento de contaminados e também de complicações que sobrecarregam o sistema hospitalar.
No entanto, governadores de Mato Grosso, Santa Catarina e Rondônia seguiram as orientações do presidente e decretaram a reabertura parcial do comércio.
O país já tem 2.915 casos e 77 mortos da doença e o próprio ministro da Saude, Luiz Henrique Mandetta, previu que haveria um "colapso do sistema de saúde" já no mês de abril.
O mote usado pelo governo evoca também uma campanha divulgada pela cidade de Milão no último dia 27 de fevereiro.
Um mês depois, a situação é dramática. Só nesta sexta-feira o país registrou 919 novas mortes causadas pelo coronavírus, o maior número diário desde o início da pandemia no país.
Já são 9.134 mortos no total, pior número entre todos os países atingidos. As mortes pela doença também estão em aumento vertiginoso em locais como Espanha e o estado de Nova York, nos EUA.
No caso de Milão, a cidade foi forçada a retomar a quarentena e hoje o próprio prefeito de Milão, Giuseppe Sala, reconhece que a divulgação do vídeo foi provavelmente um erro.
"Muitos se referem àquele vídeo que circulava com o título 'Milão não para'. Era 27 de fevereiro, o vídeo estava explodindo nas redes, e todos o divulgaram, inclusive eu. Certo ou errado? Provavelmente, errado", disse Sala à emissora Rai, neste domingo (22).
Economistas são unânimes em notar que não há uma oposição entre preservação da saúde e sustentação da economia nos termos colocados por alguns membros do governo e empresários.
A experiência de outros países mostra que a eventual sobrecarga do sistema de saúde causará pressão para uma quarentena posterior, mas sem os ganhos possíveis de uma contenção do problema agora.
"Economia versus Saúde: não existe essa contradição. E o problema não é só os grupos de risco (...) estamos entre os países que menos se prepararam e estão menos tomando ações. A falta de liderança nesse momento é preocupante", disse o economista Marcos Lisboa no exame.talks de hoje.
A campanha do governo já está sendo questionada judicialmente por um grupo de senadores e deputados.