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Brasil e EUA voltam a articular plano contra discriminação racial; veja como funciona o acordo

Em evento realizado em Brasília e Salvador, na última semana, representantes americanos e brasileiros se reuniram para pensar políticas públicas nas áreas da educação, saúde, acesso à Justiça e cultura

Combate ao racismo: conheça o Jasper (Governo Federal/Divulgação)

Combate ao racismo: conheça o Jasper (Governo Federal/Divulgação)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 1 de abril de 2024 às 11h06.

O Brasil e os Estados Unidos promoveram a primeira agenda entre congressistas e a sociedade civil desde a retomada do acordo de cooperação bilateral para Eliminar a Discriminação Racial e Étnica e Promover a Igualdade (Japer), em maio do ano passado. Em evento realizado em Brasília e Salvador (BA), na última semana, representantes americanos e brasileiros se reuniram para articular políticas públicas nas áreas da educação, saúde, acesso à Justiça e cultura em níveis federal, estadual e municipal.

O plano de ação conjunta Japer foi assinado pelos EUA e pelo Brasil, pela primeira vez, em 2008, sob coordenação da então Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e do Ministério das Relações Exteriores, no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Contudo, as ações foram descontinuadas em 2011 e só foram retomadas em maio do ano passado, de acordo com o Ministério da Igualdade Racial.

Encontro com brasileiros

Através do Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade), os congressistas afro-estadunidenses Sydney Kamlager-Dove e Jonathan Jackson, que compõem o Black Caucus — bancada negra nos EUA —, se encontraram com deputados brasileiros e com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, no último dia 25. Ao GLOBO, Sydney afirmou que o primeiro passo para mudanças estruturais é ampliar a representatividade negra na política, visto que no Brasil, mesmo sendo 56% da população, pretos e pardos são subrepresentados nos mandatos.

"É muito interessante essa conversa com representantes brasileiros porque nós, dos EUA, percebemos que no Brasil, apesar de a população negra ser maioria, ainda é subrepresentada na política. Nos EUA, nós somos apenas 13% da população, mas conseguimos um espaço no congresso para dar voz às questões raciais. Conseguimos formar uma aliança forte porque lá o racismo também é estrutural e reflete em todas as áreas da vida, como aqui", explicou a congressista, acrescentando que o número de encarcerados negros em seu país, por exemplo, é cinco vezes maior que o de brancos.

Formado por congressistas negros e democratas, o Black Caucus é uma articulação política de parlamentares que luta contra o racismo e pelos direitos dos afroamericanos. Ao todo, 56 parlamentares da Câmara de Representantes e 2 senadores compõem o grupo político, com destaque para alguns papéis de liderança na Câmara.

Propostas antirracistas

Entre as propostas da Japer, estão a articulação de políticas de ações afirmativas por meio da troca de experiência entre os países. Está prevista, por exemplo, a colaboração entre universidades brasileiras e estadunidenses, com a inclusão dos povos indígenas no debate.

Além dos Congressistas do Black Caucus, estavam presentes no evento organizações da sociedade civil afro-americanas. Entre elas a NAACP - Legal Defense Fund (Fundo Educacional e de Defesa Jurídica), representada por Tona Boyd e Janai Nelson; a Mothers Against Police Brutality (Mães Contra a Brutalidade Policial), liderada por Adrienne Hood; e pela Diretora do Centro de Relações Internacionais da Howard University, Tonija Hope.

Juntos a pesquisadores e organizações brasileiros, o grupo de trabalho pretende focar no acesso e permanência no sistema de educação; redução de vulnerabilidades sociais e violência letal contra comunidades marginalizadas por questões de raça e etnia, incluindo comunidades afrodescendentes e indígenas; preservação da história, cultura e memória; além do acesso aos sistemas de saúde.

"Nós negros precisamos nos unir para garantir nossos direitos. O ataque direto à democracia, experimentado no 6 de janeiro nos EUA e no 8 de janeiro no Brasil é prova disso. Fortalecidos no propósito, conseguiremos garantir recursos e meios para aplicação de leis e pesquisas que ajudem a solucionar a disparidade racial nos nossos países", afirmou o congressista americano Jonathan Jackson.

Representação brasileira

A Bahia foi escolhida para sediar parte do evento por ser o estado com a maior população negra do país. Uma das vozes da cidade, que está à frente da luta contra a intolerância religiosa e apresentou a atual situação do estado para os americanos, foi a yalorixá Jaciara de Oxum. A líder da casa de candomblé Axé Abassá de Ogum, no bairro Itapuã, perdeu sua mãe em 21 de janeiro de 2000, após os frequentes ataques de pastores evangélicos no terreiro. Por meio de lei aprovada em 2007, na data da morte da candomblecista é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

"Estou na luta há 24 anos. A morte da minha mãe me jogou na arena da luta e vejo nesse tempo que houve pouco avanço de políticas e um aumento de ataques a terreiros. Nós, povos de terreiro, temos nos aquilombado para nos proteger. Com a vinda dos congressistas americanos, podemos compartilhar nossos problemas para conseguir aplicar políticas que dão certo nos EUA por aqui, e vice-versa", pontuou Jaciara de Oxum.

Em seu perfil nas redes sociais, a ministra Anielle Franco comemorou a retomada do Japer, durante a sua gestão à frente do ministério da Igualdade Racial.

"Este plano demonstra nosso compromisso compartilhado em enfrentar sistematicamente a discriminação étnica e racial. Seguimos firmes para criar um futuro onde todos, independentemente de sua origem étnica ou racial, possam ter uma vida digna", escreveu a ministra.

Veja o plano de ação do Japer

  • Acesso à educação: Estimular intercâmbios entre Faculdades e Universidades Historicamente Negras (HBCUs) dos EUA e instituições brasileiras, focando em populações negras, quilombolas e indígenas.
  • Acesso à saúde: Promover intercâmbio de médicos negros e boas práticas de acesso à saúde para populações negras, indígenas e quilombolas em ambos os países.
  • Acesso à Justiça: Facilitar o intercâmbio de boas práticas no acesso à justiça para populações indígenas, negras e quilombolas. Incluir ações como inversão do ônus da prova em casos de racismo, aumento da representatividade em cargos públicos relacionados à justiça e outras medidas contra o racismo institucional.
  • Cultura e preservação da memória: Promover o intercâmbio de manifestações culturais entre populações negras e indígenas nos dois países, além de intercâmbio entre museus. Incentivar programas de combate ao racismo religioso e desenvolver um programa brasileiro de rotas de memória sensível, seguindo o modelo americano.

*A repórter viajou para o evento em Salvador a convite do Instituto sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade).

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