Putin e Bolsonaro, em encontro em Brasília em 2019 (foto de arquivo): viagem em momento delicado (Mikhail Svetlov/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 14 de fevereiro de 2022 às 06h00.
Última atualização em 15 de fevereiro de 2022 às 09h53.
É em um dos momentos mais tensos na Europa nos últimos anos que o presidente Jair Bolsonaro deve embarcar, nesta segunda-feira, 14, para uma viagem à Rússia. O mandatário brasileiro confirmou no fim de semana que manterá o encontro agendado com o presidente Vladimir Putin, apesar das tensões crescentes na fronteira com a Ucrânia.
Bolsonaro confirmou a viagem no fim de semana, e citou a importância de relações comerciais com a Rússia, sobretudo no campo dos fertilizantes.
"Fui convidado pelo presidente Putin. O Brasil depende de fertilizantes da Rússia e da Bielorrúsia", afirmou o presidente em transmissão ao vivo nas redes sociais. Segundo Bolsonaro, serão discutidos temas relacionados a "energia, defesa e agricultura".
A viagem estava anunciada desde dezembro, quando a crise na Ucrânia já preocupava. Como as tensões só pioraram de lá para cá, Bolsonaro foi aconselhado por auxiliares a cancelar a ida a Moscou, mas até a noite deste domingo, 13, o compromisso estava mantido.
No itinerário divulgado está previsto que Bolsonaro embarque ainda hoje e chegue a Moscou na terça-feira, 15, dia em que não terá compromissos oficiais. O encontro com Putin acontece na manhã de quarta-feira, 16, seguido por um almoço com o mandatário russo.
No mesmo dia, está previsto um encontro com o presidente da Duma, uma das casas do Parlamento russo, além de uma reunião entre empresários brasileiros e russos de áreas ligadas a fertilizantes e energia.
Nos dias de estadia de Bolsonaro, a previsão é de que o leste europeu siga no centro dos holofotes globais. No domingo, a Ucrânia pediu uma reunião com a Rússia e países europeus para os próximos dias - o que coincidiria exatamente com a temporada de Bolsonaro em Moscou.
A tensão russa com a Ucrânia escalou a partir de sexta-feira, 11, após os Estados Unidos afirmarem que, segundo fontes da inteligência americana, a Rússia estaria esperando o fim das Olimpíadas de Inverno em Pequim para invadir a Ucrânia. Putin nega que haja plano de uma invasão.
A Rússia é o sexto país de quem o Brasil mais compra: foram US$ 5,7 bilhões em importações do Brasil em 2021. O grupo de adubos e fertilizantes químicos responde por mais de 60% de tudo o que o Brasil importa da Rússia, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Na outra ponta, foram só US$ 1,6 bilhão exportados pelo Brasil para os russos, sobretudo em produtos agropecuários, liderados por soja e carnes. A Rússia é o 36º país em exportações brasileiras (lista que China e EUA lideram).
Rússia e Brasil têm relação neutra historicamente, mas ambos fazendo parte do grupo de economias emergentes que foi batizado de BRICs (que inclui ainda Índia, China e África do Sul) e que, apesar da derrocada econômica de quase todos na última década e embates entre os membros, segue com alguma proximidade. Em 2019, Putin esteve em Brasília para um encontro dos BRICs que o Brasil sediou.
Como é de praxe da diplomacia brasileira, o Brasil não se envolveu diretamente em embates recentes entre russos e potências ocidentais, que têm piorado desde a anexação do ex-território ucraniano da Crimeia, em 2014.
O risco é de que alguma piora na crise estoure durante a estadia de Bolsonaro, colocando o Brasil como pauta de um conflito global no qual o país, até agora, não estava envolvido diretamente.
A viagem acontece ainda pouco mais de um mês após o Brasil voltar a ocupar uma cadeira rotativa no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), de modo que terá de se posicionar sobre a guerra na Ucrânia quando esta chegar à organização.
Ao manter o encontro com Putin, Bolsonaro justificou afirmando que tratará de assuntos que interessam ao Brasil, e que não falará sobre o conflito com a Ucrânia nas conversas. "Levaremos um grupo de ministros também para tratarmos de outros assuntos que interessam ao nosso país, energia, defesa e agricultura", disse.
Sobre a crise ucraniana, o presidente disse na mesma transmissão nas redes que "a gente pede a Deus que reine a paz no mundo para o bem de todos nós".
Além da Rússia, a viagem de Bolsonaro pelo leste europeu durará a semana toda e incluirá passagem pela Hungria, comandada pelo ultradireitista Viktor Orbán.
No poder desde 2010, Orbán vem em desavenças com as lideranças da União Europeia (da qual a Hungria faz parte), acusado de perseguir a oposição e de estar transformando a Hungria em um regime ditatorial.
A previsão é que Bolsonaro fique na Hungria até o sábado, dia 19. Estava também prevista inicialmente uma passagem pela Polônia, comandada por outro governo ultraconservador, do partido Law and Justice de Andrzej Duda, mas a viagem não ocorrerá.
Como esperado, a cúpula que viaja com Bolsonaro terá o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, diplomata de carreira no Itamaraty e que substituiu no ano passado Ernesto Araújo.
Uma presença natural seria a de Tereza Cristina, da Agricultura, mas a ministra teve diagnóstico positivo para a covid-19 no último dia 8, e depende de um teste negativo para embarcar.
Por fim, completam a lista, segundo as informações até o momento, o ministro da Defesa, general Braga Netto, e o ministro da Justiça, Anderson França.
O secretário especial da Comunicação, o ex-ator Mario Frias, foi cortado da viagem de última hora. A ordem partiu da Presidência, segundo informou a Secretaria. Frias está envolvido em críticas por uma viagem que fez a Nova York em dezembro, cujos gastos foram alvo de pedido de análise pelo Tribunal de Contas da União.
Uma série de países já ordenou aos cidadãos que deixem a Ucrânia diante do risco crescente, incluindo Alemanha e Bélgica (no sábado) e, antes disso, Estados Unidos, Reino Unido, Holanda, Canadá e Japão (na sexta-feira).
Em comunicados, governos europeus têm afirmado a seus cidadãos que pode não ser possível resgatar pessoas que ainda estiverem na Ucrânia caso um conflito comece, diante do cenário "imprevisível".
Estados Unidos e a própria Rússia começaram a esvaziar suas embaixadas em Kiev no fim de semana, mantendo somente funcionários essenciais. A Rússia afirma que está esvaziando a embaixada não porque pretende atacar, mas por defesa contra possíveis provocações do Ocidente, segundo o Kremlin.
Estimativas dão conta de mais de 100 mil soldados russos posicionados em diversos pontos da fronteira com a Ucrânia há meses. Embora diga que seu exército apenas realiza exercícios militares corriqueiros, Putin tem sentado para negociar com europeus e americanos demandando que a Otan, aliança militar ocidental criada após a Segunda Guerra, não inclua a Ucrânia (antiga área de influência soviética) em seus quadros. As negociações não têm avançado nas últimas semanas.
Na outra ponta, embora potências ocidentais ameacem a Rússia com sanções, não é certo que a Otan participaria diretamente em eventual defesa da Ucrânia, uma vez que o país não é membro da aliança. Também não há consenso entre EUA e países europeus sobre em que medida as sanções sobre a Rússia, que já existem parcialmente desde 2014, devem ser ampliadas.
Com ou sem Bolsonaro em Moscou, a única certeza é que as tensões devem continuar nos próximos dias.