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Bolsonaro testa novo modelo de governo em meio a desconfiança e ceticismo

Em 2 meses de transição, futura administração manteve o discurso de campanha e buscou montar uma equipe trazendo técnicos e indicações de bancadas temáticas

Jair Bolsonaro: Se causaram desconfiança inicialmente, os militares no próximo governo já são tratados como parte do cenário político (Governo de transição/Divulgação)

Jair Bolsonaro: Se causaram desconfiança inicialmente, os militares no próximo governo já são tratados como parte do cenário político (Governo de transição/Divulgação)

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Reuters

Publicado em 28 de dezembro de 2018 às 15h53.

Brasília - Ao tomar posse como presidente na próxima terça-feira, Jair Bolsonaro assume tentando manter as promessas de campanha de montar um governo "fora da política" e com uma nova linha ideológica, mas seu modelo de governar, não testado, causa desconfiança e algum ceticismo em Brasília.

Em dois meses de transição, dizem fontes ouvidas pela Reuters, a futura administração manteve o discurso de campanha --inclusive com declarações mais apropriadas aos palanques do que à realidade do dia a dia de um governo. Buscou, ainda, montar uma equipe evitando grandes lideranças partidárias, trazendo técnicos e indicações de bancadas temáticas.

"Ele está colocando em prática o discurso que ele assumiu na campanha, ninguém pode reclamar disso. Sempre foi muito autêntico e direto no que pensava", analisou um líder de partido simpático ao novo governo. "Mas essa tentativa de um novo relacionamento com o Congresso, com frentes, eu acredito que faz mais estardalhaço que resultado prático."

Na tentativa de se blindar dos tradicionais pedidos partidários por cargos, Bolsonaro negociou indicações para ministérios importantes, como Agricultura e Saúde, com as frentes parlamentares das áreas. Onde não havia consenso, apelou para técnicos ou indicações familiares, como no caso do futuro chanceler, Ernesto Araújo, que havia caído nas graças de seus filhos, especialmente o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ).

As dúvidas que surgem é por quanto tempo esse "novo modelo" conseguirá funcionar e se manterá afastado da política tradicional em Brasília.

"A gente torce para dar certo, vamos ajudar no que for possível, mas eu diria que tem pelo menos 50 por cento de chance de dar errado", avaliou um dirigente partidário. "A bem da verdade, estão batendo cabeça, estão perdidos. Não tem gente, não tem pessoas para ocupar os postos. Acabaram botando muita gente do governo Temer e das Forças Armadas."

A quantidade de militares é um dos dados mais claros no futuro governo. Além do vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, outros cinco militares ocupam o primeiro escalão do governo, incluindo o ministro da Infraestrutura, que deixou o Exército antes de alcançar uma alta patente. No segundo escalão, mais nomes vêm das Forças Armadas, em um movimento inédito desde a redemocratização do país.

Se causaram desconfiança inicialmente, os militares no próximo governo já são tratados como parte do cenário político.

"Esses que foram escolhidos já são mais politizados. Creio que não deve ter grandes problemas, tem grande formação. Ninguém chega a general 4 estrelas sem fazer política", disse outro líder ouvido pela Reuters. "Eu espero melhor tratamento dos generais do que do Paulo Guedes (ministro da Economia), que não tem o menor traquejo nisso."

Gafes cometidas por Guedes, que pediu pressão sobre o Congresso para aprovar medidas de interesse do novo governo, e o desconhecimento sobre a votação do Orçamento foram pontos que, para alguns políticos, mostraram a dificuldade do novo governo de entender os meandros da capital federal, mesmo com um presidente que passou quase três décadas na Câmara dos Deputados e um ministro da Casa Civil também parlamentar como Onyx Lorenzoni.

Um deputado experiente na Casa conta que, apesar de ser parlamentar há quatro mandatos, o futuro ministro da Casa Civil nunca foi um nome com trânsito na Câmara. Responsável pela redação das chamadas 10 medidas contra a corrupção, Onyx não só não conseguiu votos para aprová-las --apesar do apoio popular-- como criou mais inimizades.

"Ele não tem trânsito. Como é que esse governo vai negociar?", disse o parlamentar. "Uma coisa é aprovar redução da maioridade, mudanças no estatuto de desarmamento, que são coisas com apoio popular. Outra bem diferente é conseguir apoio para uma reforma da Previdência, que as pessoas não querem."

Por sugestão das bancadas partidárias, Bolsonaro montou um time de ex-parlamentares na Casa Civil para "ajudar" Onyx nas negociações. Serão responsáveis por atender deputados e senadores, ouvir as demandas, levar ao ministro.

Insistem os novos governistas que o reforço não será para um toma lá, dá cá, como são chamadas as trocas de votos por emendas ou cargos, mas sim para melhorar o fluxo e o relacionamento com os parlamentares.

"Minha dúvida é: esse grupo vai atender todos os parlamentares? Ou vai acabar atendendo só o partido dele? E se for um rival na mesma região? A verdade é que as coisas não mudam assim de repente", avaliou o dirigente partidário.

Outro líder ouvido pela Reuters admite que boa parte do Congresso não "mudou o chip" --ou seja, ainda não aceita que a maneira de negociar com o novo governo vá ser diferente e ainda não sabe lidar com o que vem por aí.

"Tem um início aí de 75 por cento de expectativa positiva. Com uma agenda inicial positivada, de coisas que interessam aos Estados, acho que ele vai poder ter diálogo com o Congresso", disse o líder. "O teste vai ser na reforma da Previdência, em que não há apoio popular."

O parlamentar lembra que Bolsonaro tem o hábito de usar as redes sociais para atrair seus simpatizantes para o que quer fazer e criar pressão. Essa, diz, é uma estratégia que funciona em questões populares, mas não para questões mais complexas como a Previdência.

"As pessoas não querem a reforma, é um processo que não tem o mesmo respaldo. Você não vai para as redes sociais e vira as pessoas a favor da reforma", disse.

Escalado para a Secretaria de Governo da Presidência, o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, hoje um dos nomes mais próximos ao futuro presidente, diz que as dúvidas são normais com o novo modelo, mas que as pessoas, os políticos e os partidos irão se acostumar.

"Acho que as pessoas questionam porque falta capacidade de tentar fazer alguma coisa diferente. É muito mais cômodo fazer o que já vinha sendo feito", criticou. "Fica todo mundo numa zona de conforto, mas é exatamente o que não deu certo nesse país. Podia ter uma ou outra coisa que funciona, mas no geral ninguém está contente com esse modelo, um modelo que acarretou roubalheiras, desvios, deformações."

Aprendizado

O cientista político Creomar de Souza, da Universidade Católica de Brasília, avalia que o modelo que Bolsonaro tenta imprimir ainda mesmo antes de assumir o governo é um esforço em uma nova lógica de administração pública e repartição do poder, e que os dois lados, Executivo e Legislativo, vão iniciar um aprendizado de convivência.

"É um modelo que ainda não está consolidado. É um ensaio, um esforço de uma nova lógica. Os parlamentares também vão ter que aprender a lidar com o governo. O governo é novo e o Congresso também. São 243 parlamentares de primeira viagem. Qual dos dois lados vai ter curva de aprendizagem maior, vai ter seus interesses mais atendidos", disse.

Ao assumir o risco de montar um primeiro escalão sem consultar as bases partidárias, o governo não sabe como essa troca com os partidos se dará, e terá que assumir riscos de tomar decisões difíceis sem saber o resultado final, avaliou.

Para Creomar, é preciso dar tempo para se saber como isso vai caminhar.

"À medida que o governo avance vamos poder verificar pontos de atrito e como vão ser resolvidos, com mais ou menos atrito. Dentro e fora do próprio governo", afirmou.

Creomar identifica pontos de tensão dentro do próprio governo, com possíveis disputas entre um modelo econômico liberal e grupos que têm outras visões de Estado.

"A gente não sabe, por exemplo, como esses militares que são egressos da vida de Estado e vão passar a ter vida de governo vão lidar com pessoas que têm experiência profissional como Guedes, mas que não têm experiência da coisa pública", argumentou.

Hoje discretos, conflitos sobre políticas públicas já surgiram, por exemplo, na intenção da equipe econômica de enxugar o Estado, com mais privatizações, e a resistência de setores militares em abrir mão de áreas consideradas estratégicas.

"Há um governo com uma agenda liberal cercado por um grupo que quer um pedaço da coisa pública para eles, além de grupos de apoio ao governo altamente conservadores e corporativistas", lembrou o cientista político.

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